Procuradores recomendam a interrupção de todos os projetos em comunidades tradicionais e indígenas no estado e na modalidade REDD+, que gera créditos pela manutenção da floresta em pé, independentemente de estarem em desenvolvimento ou ainda em fase de tratativa.
O Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas pediu, na última quinta-feira (8), a suspensão imediata de todos os projetos de crédito de carbono em terras indígenas e territórios ocupados por comunidades tradicionais no estado, incluindo aqueles que já estão em desenvolvimento ou ainda em tratativa. A recomendação se aplica à modalidade de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal evitados (REDD+: São projetos que geram créditos de carbono por desmatamento e degradação evitados. Durante a elaboração, é traçada uma previsão de desmatamento e, após a implantação, a cada ano, a diferença entre o desmatamento previsto e o evitado se transforma em créditos.), que gera créditos de carbono por meio da manutenção da floresta em pé.
O documento foi enviado ao governo do Amazonas, às empresas desenvolvedoras desses projetos, às comunidades indígenas e aos órgãos do governo federal, como o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). O MPF afirma que há violação dos direitos das populações indígenas e tradicionais na assinatura de contratos milionários.
A recomendação, assinada por cinco procuradores federais, aponta que os projetos são realizados “em terras públicas sem autorização do órgão público gestor, nas quais podem ocorrer cláusulas abusivas ou ilegais, além da ausência de observância ao direito à Consulta Livre, Prévia e Informada, repartição de benefícios e problemas relativos à ausência de transparência”.
A consulta livre, prévia e informada é um direito previsto pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT-169), que tem força de lei e estabelece que povos indígenas e comunidades tradicionais sejam consultados previamente a respeito de qualquer projeto ou ato administrativo que interfira na autonomia de seus territórios. O Brasil é signatário da convenção desde 2002.
glossário do mercado de carbono
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InfoAmazonia denunciou casos
Entre os projetos citados no documento, os procuradores destacam o edital para projetos de crédito de carbono lançado em junho de 2023 pelo governo do Amazonas. Esse edital abrange 21 unidades de conservação (UCs) e foi publicado sem a realização de consultas prévias às comunidades tradicionais afetadas, violando a Convenção 169 da OIT.
Em junho deste ano, a InfoAmazonia revelou que os projetos do edital impactam diretamente quatro terras indígenas. Além disso, o MPI e a Funai não haviam sido informados, o que gerou críticas de especialistas e líderes indígenas, que apontam possíveis conflitos territoriais e falhas na proteção dos direitos dos povos tradicionais. A reportagem também destaca a falta de transparência do edital quanto às compensações financeiras e à exclusividade dos projetos. Após a publicação, a Secretaria de Meio Ambiente do Amazonas afirmou que as consultas serão realizadas junto às comunidades, mas que o edital ainda está na fase de assinatura de pré-contratos.
Para o MPF, essa “iniciativa do governo do Amazonas abre mais um caminho para o controle de empresas estrangeiras em terras públicas, ainda que de forma indireta”. Os procuradores também citam “fraudes” nestes projetos e “potencial ineficácia do uso de REDD+ para combate à crise climática”.
O órgão afirma ter procurado as comunidades afetadas pelos projetos de carbono e que “foi informado por elas que não houve qualquer consulta ou contato, que não conhecem a proposta e nem mesmo o modelo de funcionamento de contratos de crédito carbono ou REDD+”. Os procuradores ressaltam que as comunidades denunciam um “completo abandono”.
Além do edital, a recomendação do MPF também se aplica aos projetos de crédito de carbono em desenvolvimento no Alto Solimões, nas comunidades indígenas do município de Jutaí, que são realizados por empresas colombianas, e aos projetos no território do povo Apurinã, no sul do Amazonas, onde a venda de créditos de carbono está associada à venda de NFTs. Ambos os casos foram revelados com exclusividade pela InfoAmazonia na série de reportagens “Dinheiro que Dá em Árvore”, que mostrou como as comunidades não teriam sido devidamente consultadas sobre os projetos. Nos dois casos, não havia autorização dos órgãos indigenistas para a realização das reuniões que resultaram na assinatura de contratos.