Projeto Autazes, da mineradora canadense Potássio do Brasil, recebeu licença ambiental do governo do Amazonas para explorar área ocupada por indígenas há mais de 200 anos. História dos Mura contra mineração envolve denúncia de suborno, interesses políticos e contratos com o agro.
Em Autazes, a 113 quilômetros de Manaus, a súplica do povo Mura da aldeia Soares pelo reconhecimento da sua terra indígena é o principal obstáculo para a mineradora Potássio do Brasil. Desde 2009, a mineradora, criada pelo banco canadense Forbes & Manhattan, disputa a instalação de uma mina de potássio às margens do rio Madeira para abastecer o agronegócio com fertilizantes. Os empresários chegaram a oferecer outras áreas para os indígenas desistirem da demarcação e liberarem o Projeto Autazes. O caso escalou para um conflito que envolve interesses de grupos políticos e produtores rurais, com apoio da bancada ruralista no Congresso, e reacende as discussões sobre mineração em terras indígenas na Amazônia.
Em abril deste ano, o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), entregou pessoalmente aos empresários a licença ambiental estadual para o Projeto Autazes, afirmando que a empresa teria cumprido todas as exigências legais e obtido consentimento da comunidade para iniciar as atividades. Com a autorização emitida pelo estado, a mineradora iniciou os trabalhos na região, na fase de pesquisa mineral, que já permite a extração de potássio.
Tuxaua: Cargo de liderança concedido pela comunidade a qual a pessoa faz parte. São responsáveis por participar de assembleias, organizar movimentos e repassar informações para coordenadores regionais. da aldeia Soares, Gabriel Mura disse à InfoAmazonia que, após a liberação do licenciamento, máquinas da prefeitura e da mineradora começaram a operar no local, nas áreas de uso e moradia dos indígenas, e que, se o empreendimento não for paralisado, os indígenas terão que deixar a região.
“Eles falam, no projeto deles, que em um raio de oito quilômetros não poderá morar ninguém, a gente não está a dois quilômetros dali [do centro de operação da mina]”, diz Gabriel Mura.
O centro de operação da mina, onde serão construídos os túneis de acesso à área de lavra, está a apenas dois quilômetros da aldeia Soares, na Terra Indígena (TI) Lago do Soares e Urucurituba, em fase de estudos pela Fundação Nacional do Índio (Funai). O projeto também tem impacto direto nas TIs do entorno, Jauary e Paracuúba, localizadas a 8 quilômetros da entrada da mina. Todas as TIs são ocupadas tradicionalmente pelo povo Mura.
Além disso, o plano da mineradora inclui, no futuro, escavar o subsolo da Jauary, onde mantém ativos oito pedidos de mineração, segundo dados do projeto Amazônia Minada.
O empreendimento estava paralisado desde 2017, por decisão da Justiça Federal, por causa da questão indígena. Mas a decisão foi derrubada em outubro do ano passado, após um recurso do próprio estado do Amazonas, que alegava que o empreendimento não interfere em terras indígenas.
Nova ação do MPF
Nesta segunda-feira (14), o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma nova ação judicial pedindo o cancelamento do licenciamento estadual, alegando que o projeto interfere em terras indígenas e oferece riscos ambientais e sociais não dimensionados no licenciamento realizado.
A ação, assinada por cinco procuradores federais do Amazonas, relata uma série de irregularidades no processo conduzido pela Potássio do Brasil e o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), incluindo suspeitas de pagamento de suborno a lideranças indígenas e manipulação do processo de consulta para o aval das comunidades locais.
“Foram relatadas fraudes, cooptação pela empresa, ameaças e até oferecimento de propina (dinheiro) para que algumas lideranças do povo Mura violassem o próprio protocolo”, diz trecho da ação. “A atividade de mineração em terra indígena é inconstitucional, ou seja, a sobreposição do Projeto Autazes a essa terra indígena sequer pode ocorrer”, afirmam os procuradores.
Entre os impactos ambientais não dimensionados, os procuradores citam riscos de afundamento do solo e salinização de rios, lagos e nascentes, e consideram ilegal o fracionamento das autorizações para diferentes obras que compõem o mesmo projeto. A obra inclui a construção de uma mina, a 800 metros de profundidade, com dois poços para acesso à mina, de uma planta de produção de fertilizantes, depósito a céu aberto do rejeito da mineração —que é basicamente sal—, vias de acessos e um porto no rio Madeira.
Segundo o MPF, o licenciamento fracionado disfarça os reais impactos do projeto e aumenta a pressão sobre os indígenas. Além da autorização para a lavra de sais de potássio, o órgão ambiental do Amazonas já concedeu outras 10 licenças individuais para o empreendimento, como supressão vegetal, captura, coleta e transporte de fauna silvestre e terraplanagem.
“O órgão ambiental estadual segue concedendo licenças individuais para cada estrutura diferente solicitada pela empresa Potássio do Brasil, sem de fato analisar como todas elas interagem, quais os impactos conjuntos com a construção e funcionamento de todas. Este tipo de atitude irregular se chama ‘fracionamento do licenciamento ambiental’ e não permite verificar com segurança e transparência os riscos do empreendimento”, destaca.
A ação recorda o colapso das estruturas subterrâneas de minas de potássio na Rússia, em 2014, e na mina de sal-gema de Maceió (AL), da Braskem, que obrigou a remoção de mais de 60 mil pessoas, como exemplos de casos com potenciais riscos que não foram analisados, no mesmo sentido do Projeto Autazes. Para os procuradores, os riscos ambientais potenciais do empreendimento são “imprevisíveis”.
A exploração de potássio na Amazônia já teve o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que usou o projeto em Autazes como argumento para liberação da mineração em terras indígenas. No governo Lula, o projeto tem a simpatia do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), e do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.
Os contrapontos são a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), que apontam riscos de violações dos direitos indígenas. A Funai confirma que o empreendimento está sobre território em fase estudo. Em agosto do ano passado e em abril deste ano, o órgão comunicou a empresa e o governo do Amazonas sobre a interferência do projeto na TI Lago do Soares e Urucurituba, mas os comunicados foram ignorados.
Em setembro do ano passado, o presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit, ofereceu uma área de 5 mil hectares em troca dos indígenas darem consentimento para o projeto, negando a “demarcação da terra indígena em cima da área do Soares”.
As declarações ocorreram durante reunião com o Conselho Indígena Mura (CIM), organização que até então representava os indígenas da região, onde Espeschit detalhou o acerto da negociação e indicou como os indígenas deveriam decidir: “nós não podemos ter terra indígena em cima da nossa lavra”, disse.
Após este encontro, o CIM comunicou o governo do Amazonas e o órgão ambiental do estado que os indígenas haviam decidido por aceitar a instalação do empreendimento na região. Para o MPF, as reuniões não têm validade e o acordo foi fraudado.
O áudio do encontro com o presidente da Potássio do Brasil foi anexado junto com outras provas que apontam a cooptação de lideranças indígenas na nova ação do MPF. Em outro diálogo gravado, atribuído a um dos coordenadores do CIM, o indígena revela que pelo menos três lideranças receberam pagamentos entre R$ 5 mil e R$ 40 mil para orientar as comunidades sobre o projeto de potássio.
‘Estamos aqui há mais de 200 anos’, diz tuxaua de aldeia que pode desaparecer
O Protocolo de Consulta e Consentimento do Povo Mura, elaborado pela própria comunidade, estabelece os critérios para tomada de decisão sobre empreendimentos que impactam as terras indígenas da região, por meio de consulta livre, prévia e informada (CLPI) nos moldes da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT): A OIT 169 é um tratado internacional que garante direitos às populações indígenas e povos tribais sobre qualquer atividade que interfira em seus territórios ou modos de vida. Um dos requisitos é a consulta, que deve ser livre de pressões externas; prévia, antes de qualquer tomada de decisão; e informada à toda comunidade afetada..
Após o posicionamento do CIM a favor da mineração nas terras indígenas de Autazes, lideranças de diversas aldeias se manifestaram em cartas enviadas ao MPF denunciando a manipulação da consulta e o descumprimento do protocolo Mura. Em todas as comunicações, os indígenas se posicionaram contra o empreendimento e a favor da demarcação do território.
O tuxaua da aldeia Soares diz que as reuniões organizadas pelo CIM não refletem o posicionamento das comunidades Mura: “Não houve consulta. Nós tivemos apenas uma grande reunião envolvendo todas as comunidades, e essa reunião não foi para tomar a decisão, era para conhecer o projeto”, disse Gabriel Mura.
“Nós somos favoráveis à demarcação do nosso território, não ao projeto de mineração”, afirmou à nossa reportagem durante o Acampamento Terra Livre (ATL), em abril deste ano em Brasília, onde participou de um debate sobre mineração em terras indígenas.
Gabriel Mura relata que a influência da mineradora nas decisões da comunidade causou um rompimento entre as lideranças do CIM e as aldeias e que, após serem cooptados, os coordenadores do CIM perderam a legitimidade para representar a vontade do povo Mura da região. A organização, que até pouco tempo lutava pela demarcação do território, chegou a mudar de entendimento e passou a se posicionar contrária ao reconhecimento da terra indígena.
“É uma coisa que se tornou complicada, ter que provar para os próprios indígenas que nós somos indígenas. Nós estamos ali há mais de 200 anos, como os estudos apontam, como nossos anciões vêm falando”, afirma Gabriel Mura.
Além da suspensão do licenciamento e paralisação total do projeto até, pelo menos, a conclusão dos estudos da Funai sobre a demarcação da TI Lago do Soares e Urucurituba, o MPF também diz que, por envolver impactos em território indígena, qualquer estudo de impacto ambiental ou licenciamento na área do projeto cabe ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e não ao Ipaam.
Procurada pela InfoAmazonia, a Potássio do Brasil informou que não foi notificada da ação do MPF e não quis se manifestar. O governo do Amazonas não respondeu aos questionamentos da reportagem. O Ibama, que durante a gestão do governo Bolsonaro negou por três vezes competência para atuar no processo, informou que “caso seja elaborado relatório técnico de identificação da Terra Indígena, este posicionamento poderá ser revisto, se reconhecendo a competência federal pelo licenciamento ambiental do Projeto Autazes”.
Quando assumiu a presidência, em 2023, seu terceiro mandato, Lula (PT) pediu o arquivamento do PL 191/2021, da gestão Bolsonaro, para liberar a mineração em terras indígenas. Apesar dos esforços para acabar com o garimpo nos territórios, o presidente tem evitado se posicionar publicamente sobre a situação dos indígenas Mura de Autazes e a mina de potássio.
A mineração na Amazônia e a terra indígena
O projeto da Potássio do Brasil para mineração de fertilizantes na Amazônia se estende pelas pelas bacias dos rios Madeira e Amazonas, entre Autazes e Óbidos, no Pará. São mais de 980 mil hectares distribuídos em 147 processos requeridos na Agência Nacional de Mineração (ANM). Ao menos 19 desses pedidos estão sobrepostos ou são contínuos a terras indígenas reconhecidas, segundo dados do projeto Amazônia Minada.
A empresa já identificou depósitos de sais de potássio em Novo Remanso, Itacoatiara e Itapiranga, e, em 2022, recebeu autorização da ANM para realizar perfurações em São Sebastião do Uatumã e Urucará, todos no Amazonas. No total, a Potássio do Brasil já obteve 54 autorizações para pesquisa mineral nesta região da Amazônia.
A mina de Autazes é o principal projeto da mineradora, mas, desde o princípio, apresenta problemas com relação às terras indígenas. Em 2011, a empresa recebeu as primeiras autorizações para estudos na região. Em 2015, indígenas da TI Jauary denunciaram perfurações em seu território sem autorização, o que motivou a primeira ação do MPF contra o empreendimento.
Em 2017, em uma audiência de conciliação, a Potássio do Brasil se comprometeu em retirar as sobreposições às terras indígenas e realizar uma consulta livre, prévia e informada do povo Mura. A mineradora revisou o projeto e retirou as sobreposições à TI Jauary, mas nunca descartou avançar sobre as reservas de potássio no subsolo do território. Até aquele momento, a Justiça não tinha informações sobre a demarcação da Terra Indígena Lago do Soares, o que só ocorreu quando a empresa começou a colocar placas na região.
Toda a estrutura da mina está sobreposta à área requerida para a TI Lago do Soares e Urucurituba, onde há registros de ocupação indígena há pelo menos 186 anos, segundo um laudo antropológico encomendado pelo MPF.
O registro mais antigo dos Mura na região é de 1838, de uma carta do tenente-coronel Joaquim José Luiz de Souza, comandante da expedição militar ao Amazonas na Revolta da Cabanagem (1835-1840). A carta comunica a morte do capitão Ambrósio Pedro Ayres ‘Bararoá’, ocorrida em 6 de agosto daquele ano, durante confronto das forças do então Império (1822-1889) com os indígenas Mura na região do Lago do Soares. Naquela época, os Mura ainda eram considerados inimigos da coroa por serem incivilizados e violentos.
Em 2018, o MPF ingressou com uma segunda ação judicial cobrando o governo federal sobre o processo dos indígenas parado na Funai. O território é reivindicado pelos Mura desde a década de 1990, mas o processo para demarcação só foi instaurado em 2003. Mesmo assim, o processo ficou parado no órgão até o ano passado, quando foi constituído um grupo de trabalho para realização de estudos antropológicos e cartográficos.
Produção está comprada por Blairo Maggi, maior sojeiro do Brasil
O Projeto Autazes prevê a produção de 2,4 milhões toneladas de fertilizantes à base de potássio por ano. Toda a produção já está encomendada pelo grupo Amaggi, da família de Blairo Maggi, que foi ministro da Agricultura no governo do ex-presidente Temer (2016-2019) e é o maior produtor de soja do Brasil.
Em 2022, mesmo com o projeto paralisado, o grupo Amaggi firmou contrato de exclusividade para comercialização de toda produção anual da mina. O acordo foi encaminhado à Comissão de Valores dos Estados Unidos: A Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (em inglês, U.S. Securities and Exchange Commission, SEC), é uma agência federal independente de regulamentação e controle dos mercados financeiros nos Estados Unidos. — que regula o mercado financeiro do país — onde os empresários da Potássio do Brasil buscam investidores para o projeto, que vai custar R$ 13 bilhões.
O grupo Amaggi já comanda o transporte de grãos pelo rio Madeira por meio da Hermasa Navegação. Com a operação da mina de potássio, as barcaças que levam o grão para os portos com saída para o Atlântico poderão retornar carregadas com fertilizantes para as lavouras. O porto também vai conectar outras obras de infraestrutura pretendidas na Amazônia, como a ponte binacional Brasil-Bolívia, que promete melhorar o escoamento de produção para China pelo oceano Pacífico.
Não por acaso, o Projeto Autazes tem o apoio da bancada ruralista no Congresso, que no ano passado aprovou a lei 14.701/2023, que estabelece um marco temporal para a demarcação de terras indígenas e permite uma série de empreendimentos dentro dos territórios. Apesar de o texto da lei não citar a mineração de forma explícita, uma decisão recente do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a criação de uma mesa de conciliação para resolver as divergências da lei e incluiu uma ação do Progressistas (PP) que pede a regulamentação da mineração em terras indígenas.
Esta semana, em Nova York, políticos da bancada ruralista aproveitaram a reunião do Lide Investment Forum: O evento reúne políticos, autoridades e empresários para debater o cenário político e econômico do Brasil e o potencial de investimentos no país. Participaram do evento 9 governadores e diversos senadores e deputados federais. para impulsionar a exploração de potássio no Brasil. Presente no evento, o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), disse que o projeto não vai causar desmatamento: “o desmatamento é zero, porque [a mina] vai ser desenvolvida numa área de pastagem”.
A ex-ministra da Agricultura e ex-senadora Kátia Abreu disse que “há muitos anos, importamos R$ 145 bilhões de fertilizantes anualmente, porque o Brasil tem insumos, mas não deixam explorar”.
Já a senadora Tereza Cristina (PP-MS), também ex-ministra da Agricultura, citou a tragédia climática no Rio Grande do Sul para destacar a necessidade da exploração da mina e a importância de fertilizantes para o agronegócio: “dizem que o agro é responsável por todas as catástrofes [ambientais], inclusive a de agora, do Rio Grande do Sul, mas o agro brasileiro é altamente sustentável”. Em defesa do Projeto Autazes, a ministra já declarou que “o desenvolvimento não pode ser barrado por alguns”.
Nos últimos anos, em diferentes governos, os executivos da Potássio do Brasil mantiveram agendas com a alta cúpula do poder em Brasília, incluindo encontros com Bolsonaro e com Alckmin, além de manterem uma relação próxima com ministros e políticos da bancada ruralista.
O vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) também manteve agendas com o grupo. Os primeiros encontros, em 2019, foram intermediados pelo general Claudio Barroso Magno Neto Filho, amigo pessoal de Mourão — contemporâneos da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) —, e que aparece nas agendas oficiais como assessor da Potássio do Brasil. Neto participou de ao menos 18 reuniões no Planalto.
Apib é contra ‘conciliação de direitos’
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) diz que a decisão de Gilmar Mendes sobre a conciliação abre brecha para discutir a mineração em terras indígenas em uma mesa de negociação. Em abril, o advogado da Apib, Maurício Terena, afirmou à InfoAmazonia que “a pauta da mineração em terras indígenas pode ser utilizada dentro dessas ações [da lei do marco temporal] para ser regularizada”.
A organização, que tem atribuições legais para representar os indígenas em ações judiciais, ingressou como amicus curiae no processo do Projeto Autazes. Para a advogada do caso pela Apib, Giovanna Valentim, o projeto “tem uma carga política muito forte” e envolve interesses para liberar a mineração em terras indígenas: “esse é o principal fator que torna esse caso muito difícil e emblemático”, explica.
“Levar para conciliação direitos que são indisponíveis, que não aceitam transação e que não podem ser negociados, é bastante preocupante e pode abrir precedentes”, defende.
A advogada diz que o assunto tem sido discutido com narrativas para justificar a mineração em terras indígenas a partir deste projeto: “tem se falado que se o Brasil não explorar o potássio que está ali vai parar de produzir comida. Essa articulação envolve setores do governo federal, setores dos governos locais e boa parte do Congresso. Os Mura estão há mais de 200 anos naquela região. Apesar de não ser um território homologado, ali é território tradicional, o Estado brasileiro tem obrigação de proteger a terra indígena”, declarou Valentim à InfoAmazonia.
Recentemente, a Potássio do Brasil contratou o ex-Advogado Geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, para compor sua bancada de defesa. Como AGU, Adams foi um dos principais defensores da conciliação para resolução de conflitos entre entes federais, agora pretendido como solução para o caso. O site do escritório Tauil & Chequer Advogados atribui ao trabalho do advogado a obtenção recente das licenças ambientais para o projeto.
Em novembro do ano passado, durante audiência no Senado sobre a exploração de potássio no Brasil, Adams fez duras críticas às ações judiciais que visam garantir os direitos indígenas sobre o território em Autazes, e disse que os processos são “ativismo” para “obstrução de uma ação desenvolvimentista”.
“Nada justifica o uso do Estado para fins que não são públicos, porque esse não é um fim público. A Justiça brasileira é um espaço de Justiça, não espaço de confronto, é um espaço de pacificação, não espaço de escalada de conflito, e a função do juiz é promover essa pacificação”, defendeu.
Como Advogado-Geral da União, Adams conduziu importantes casos no judiciário, sendo responsável por coordenar o acordo ambiental entre o governo federal e as mineradoras Samarco, Vale e BHP no rompimento da barragem em Mariana, em 2015, em Minas Gerais. Ele também atuou no processo de licenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
No rastro da Petrobrás
Atualmente, os principais acionistas da Brazil Potash, que controla a Potássio do Brasil, são os fundos privados CD Capital (30%), da Inglaterra, e Sentient Equity Partners (20%), das Ilhas Cayman. O banco canadense Forbes & Manhattan, fundador da Brazil Potash, detém 12% da empresa. A empresa também tem divulgado que existe uma parte significativa de investidores brasileiros que detêm 12% da companhia, principalmente do Amazonas, mas sem revelar quem são.
Em 2012, o Forbes & Manhattan foi citado em uma investigação da Petrobras por utilizar informações privilegiadas para explorar xisto em áreas da petroleira, segundo revelou o jornalista Leandro Demori.
Parte das jazidas de potássio na Amazônia requeridas pela mineradora também pertenciam à Petrobras. Em 2008, o banco canadense chegou a comprar, em leilão, uma das reservas. O negócio foi realizado por meio da mineradora Falcon Metais, com uma oferta de R$ 151 milhões, mas acabou desfeito pela então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff. Na época, a petroleira exigiu que as informações sobre os requerimentos de mineração já repassados à empresa fossem destruídos.