Em Novo Repartimento, município onde fica 61% da terra indígena, o desmatamento avança e pressiona território. 11% da área ao redor da TI foi desmatada entre 2012 e 2022. Comunidade alerta para conflitos fundiários na região.

Novo Repartimento, no Pará, é um dos municípios destacados como “área de conflito” no relatório “Conflitos no Campo Brasil 2022”, da Comissão da Pastoral da Terra (CPT). No ano seguinte, quando o estado decretou emergência ambiental devido a incêndios, a cidade também estava na lista. Com uma série de desafios que impactam o meio ambiente e as comunidades locais – especialmente os indígenas da Terra Indígena (TI) Parakanã, que tem 61% do seu território no município – a cidade é palco de uma intensa pressão no uso do solo, particularmente relacionada à agropecuária e à mineração.

A tensão imposta pelos setores preocupa por ameaçar terras protegidas. O levantamento da InfoAmazonia, com base nos dados do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), identificou 102 registros de Cadastro Ambiental Rural (CAR): O CAR é um registro eletrônico, autodeclaratório e que engloba informações ambientais como APPs e RLs. Ele é essencial para o controle ambiental, monitoramento e combate ao desmatamento e necessário para adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). dentro do território indígena. Conforme o artigo 231 da Constituição Federal, esse tipo de ocupação é proibida, pois as terras indígenas são de usufruto exclusivo dos indígenas. O objetivo é o de garantir a integridade e autonomia desses povos e proteger seus direitos territoriais, culturais e socioeconômicos.

A reportagem também identificou 3.816 propriedades rurais registradas no entorno da TI Parakanã, a 10 quilômetros de distância dos seus limites legais. Embora não seja ilegal possuir imóveis nesta área, a proximidade e a quantidade revelam a pressão sobre o território.

Mapa da terra indígena Parakanã, localizada no Pará, cercada por 3.816 propriedades rurais que pressionam e avançam com desmatamento na região. Os dados são do Sicar e da Funai. Credit: Thays Lavor / InfoAmazonia Credit: Thays Lavor / InfoAmazonia

Apesar do avanço da agropecuária e outras atividades econômicas, a TI se destaca como um importante reduto de preservação ambiental, mantendo uma cobertura florestal significativa independentemente das pressões externas e ameaças constantes, incluindo invasões para caça, exploração ilegal de madeira e mineração.

O cacique Tyge Parakanã confirma a existência da pressão no entorno e relata a presença de muitos madeireiros e fazendeiros que plantam pasto com a intenção de ocupar as terras. Segundo ele, não é incomum encontrar pessoas utilizando motosserra para derrubada das árvores na área.

Entre 2012 e 2022, aproximadamente 11% da área circundante à terra indígena Parakanã foi desmatada. Nesse período, em contraste, apenas 0,09% da extensão total da terra indígena foi desmatada. Esses dados ressaltam a intensa pressão exercida pelo entorno sobre a TI, evidenciando o papel crucial desempenhado pelo território na preservação da floresta.

“Derrubaram uma castanha grande, tirou muita madeira. Pessoal foi lá conversar com ele, dizer que a terra era nossa, mas ele falou que não, ‘a terra de vocês é para lá, não é aqui’. Mas a gente conhece muito a nossa reserva. A gente falou para ele não levar madeira, chamamos Funai, Ibama”, conta.

Desmatamento ao redor da Terra Indígena Parakanã, entre 2012 e 2022, foi de 11%. Dentro da TI, apenas 0,09% foi afetada. Os dados são do Prodes/Inpe. Credit: Thays Lavor / InfoAmazonia Credit: Thays Lavor / InfoAmazonia

Impacto e emissões em Novo Repartimento

Tyge conta, ainda, que os indígenas sofrem ameaças quando encontram os invasores: “eles falam que não têm medo da gente, de índio, que se for atrás eles matam, assim que eles falam. Eles falam que não tem medo da gente, mas a gente não tem medo deles. A gente fala ‘oh, a gente não entra na terra de vocês, não mata o gado, nem porco, nem galinha. Mas vocês entram na reserva, não sei o porquê”.

Como consequência das invasões no território, o desmatamento avança na região, ao mesmo tempo que reduz, gradativamente, a cobertura florestal do território, que perdeu 3,13 km² em área de floresta entre 2012 a 2022, conforme os dados do Prodes, que é o sistema que produz a taxa de desmatamento anual da região do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Uma das consequências da perda de floresta é a liberação de gases do efeito estufa (GEE), os causadores do aquecimento global. Das 144 cidades do Pará, estado que mais emite GEE no Brasil, Novo Repartimento tem uma significativa contribuição, ocupando a 8ª posição em emissões de CO₂: foram 9,2 milhões de toneladas somente em 2022, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG). Esse alto índice de emissões está relacionado à mudança de uso da terra, que se refere majoritariamente ao desmatamento, e à agropecuária.

Multas para comprovação da propriedade

O procurador e coordenador do Núcleo Ambiental do Ministério Público Federal (MPF) no Pará, Igor da Silva Spindola, explica que os fazendeiros começam as invasões por terras públicas, por serem passíveis de regularização fundiária posteriormente. Conforme as fronteiras vão se expandindo, começam a se confundir, muitas vezes, com terras indígenas ao redor, causando conflitos.

“Não deveria poder fazer CAR em nenhum lugar protegido, mas como é autodeclaratório, eles vão lá e fazem. Inclusive, eles preferem ser reconhecidos na ilegalidade. A pessoa quer ser autuada pelo Ibama, porque isso gera prova de posse. E aí, quando ela vai pedir a regularização ao Incra, ela usa para dizer: 'olha, desde quando eu tô aqui'”, explica Spindola.

Desta forma, faz parte da estratégia usar as infrações da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas-PA) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como forma de comprovação da propriedade. Eles se aproveitam dos instrumentos de controle para usar como marco legal. Depois, buscam regularizar o passivo ambiental, ou adquirir uma área com reserva legal, a área de vegetação nativa dentro de um imóvel rural.

Segundo levantamento da InfoAmazonia, a partir de dados da Consulta Pública de Autuações Ambientais e Embargos do Ibama, de 2012 a 2022 foram aplicadas 410 multas em Novo Repartimento, com um montante de R$ 174.458.954,40 em valores corrigidos pelo IPCA.

Desmatamento e conflitos por terras

Com o crescimento do gado, a necessidade por terras aumenta e o desmatamento cresce na reserva legal das propriedades. Desta forma, segundo Spindola, os limites são testados e ameaçam unidades de conservação e terras indígenas. O que pode aumentar o interesse pela compra e venda de terras sem título, crescendo também a pistolagem e os problemas de segurança pública no campo. “Se as pessoas tivessem a legalidade, não precisariam de pistoleiro”, diz o procurador.

O coordenador do Núcleo Ambiental do MPF no Pará explica, ainda, que o racismo contra indígenas ainda é forte e que há uma mentalidade de que a terra indígena é uma terra enorme que poderia ser derrubada e transformada em dinheiro.

Para a professora do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (PPGEDAM) da Universidade Federal do Pará (UFPA) Monique Helen Cravo Soares Farias, essa avanço da fronteira agrícola está interligado com a história de Novo Repartimento e nasce com a criação da barragem da hidrelétrica de Tucuruí, que barrou o rio Tocantins, no Pará, nos anos 1980.

A obra de infraestrutura inundou parte da terra indígena Parakanã, obrigando a população e os indígenas a se deslocarem de suas casas e território. Com a barragem, os Parakanã perderam o seu acesso ao rio e o município teve um crescimento urbano que impulsionou o desmatamento.

Desafios e preservação na terra indígena Parakanã

“É uma dinâmica similar na maioria dos estados Amazônicos. Isso ocorreu nos demais municípios que integram a região do Lago Tucuruí. Então, quem está freando esse avanço do desmatamento ou quem mantém ainda esse número considerável da cobertura florestal em Novo Repartimento é a terra indígena Parakanã, porque são 3.500 km² de cobertura. Ela tem uma área praticamente íntegra. Perdeu pouquíssimo”, explica a docente da UFPA.

Diante desse cenário, urge a necessidade de medidas efetivas para proteger a TI Parakanã e garantir os direitos das comunidades indígenas, bem como para promover o desenvolvimento sustentável da região, equilibrando as demandas socioeconômicas com a preservação ambiental.

Porém, há poucas informações de algum plano estratégico para proteger a TI e os indígenas. Segundo a agenda do prefeito Valdir Lemes Machado (PSD), em 2023 não houve nenhum encontro com as lideranças Parakanã. O Ibama e a Semas não informaram quantas operações de combate ao desmatamento e de desintrusão foram realizadas no município de 2012 a 2022. A Funai também não informou sobre a quantidade de denúncias feitas pelos indígenas Parakanã.


Esta reportagem foi realizada com o apoio do Programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), que atua para amplificar ações climáticas locais e busca desempenhar um papel central no debate climático global. A InfoAmazonia faz parte da coalizão “Fortalecimento do ecossistema de dados e inovação cívica na Amazônia Brasileira” com a Associação de Afro Envolvimento Casa Preta, o Coletivo Puraqué, PyLadies Manaus, PyData Manaus e a Open Knowledge Brasil.

Sobre o autor

Bibiana Maia da Silva

Jornalista (PUC-Rio), pós-graduada em Gestão de Negócios Sustentáveis (UFF) e mestre em Práticas em Desenvolvimento Sustentável (UFRRJ). Em mais de dez anos de atuação, foi repórter de O Globo...

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