Comunidades da Terra Indígena Rio Pindaré, nos municípios de Bom Jardim e Monção, são pressionadas pela agropecuária e por obras de infraestrutura; as estações de monitoramento já registram índice de fósforo na água acima do limite estabelecido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente.

“Existem lagoas dentro do território que, desde que eu nasci, nunca tinha visto secar e, hoje, secam. Os anciões falam que tudo mudou, que a gente tinha muito mais água e de qualidade”, afirma Taynara Caragiu Guajajara, liderança da Terra Indígena (TI) Rio Pindaré, nos municípios de Bom Jardim e Monção, no Maranhão. Ela também é integrante do grupo de mulheres Wiriri Kuzá Wá e membro do Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH) Rio Pindaré.

Os anciões falam que tudo mudou, que a gente tinha muito mais água e de qualidade.

Taynara Caragiu Guajajara, liderança da Terra Indígena (TI) Rio Pindaré

Todas as 14 terras indígenas homologadas do Maranhão vivem pressionadas por atividades econômicas, como a agropecuária e a mineração, mas continuam sendo as últimas grandes áreas de vegetação preservadas no estado. No entanto, o pasto quase triplicou em quatro anos dentro da TI Rio Pindaré. Em 2018, eram 2.432 hectares (ha) dedicados ao gado dentro da terra indígena e, em 2022, a área saltou para 6.869 ha, de acordo com o levantamento da InfoAmazonia feito com base nos dados do MapBiomas. Ou seja, quase metade do território, que tem pouco mais de 15 mil hectares, já pertence à agropecuária ilegal. 

Os dados do MapBiomas também sinalizam como as comunidades da TI Rio Pindaré convivem com o avanço de propriedades rurais, que ameaçam seus modos de vida em suas terras ancestrais — o território foi homologado em 1982, antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988. Além de imóveis certificados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na fronteira com a TI, existem tentativas de registro via Cadastro Ambiental Rural: Registro eletrônico obrigatório, feito por autodeclaração e voltado à regularização ambiental de imóveis rurais de todo o país. (CAR) sobrepostos à terra indígena.

Um único CAR, em Bom Jardim, registrado em 2020, está sobreposto  em metade da área da TI. Ainda com situação pendente, não houve sequer adesão ao Programa de Regularização Ambiental: O Programa de Regularização Ambiental (PRA) compreende um conjunto de ações e iniciativas proprietários ou possuidores de imóveis rurais devem desenvolver para se adequar às leis ambientais, de acordo com a especificidade de cada tipo de propriedade., conforme mostra o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar). O mapa abaixo mostra o tamanho da pressão por terras no território.

O mapa destaca a pressão fundiária sobre a TI Rio Pindaré, com áreas solicitadas pelo CAR e propriedades certificadas pelo Incra. Imagem: Tainah Ramos/InfoAmazonia

Impacto nas águas da Bacia do Rio Pindaré

O impacto da expansão agropecuária, especialmente na Bacia do Rio Pindaré, leva a um efeito direto na qualidade das águas que chegam ao povo Guajajara. Apesar da degradação cada vez maior do rio, que vem sendo comprovada por meio de pesquisas, ainda são escassos os dados governamentais de monitoramento da qualidade da água na região. Porém, as análises científicas existentes já apontam que o índice de fósforo na TI Pindaré está acima do limite de 0,1 mg/L, estabelecido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente: Coletivo de caráter consultivo e deliberativo instituído em 1981 como parte do Sistema Nacional do Meio Ambiente e com representantes de órgãos públicos federais, estaduais e municipais, setor privado e sociedade civil. (CONAMA). 

O estudo “Aspectos Qualitativos da Água do Rio Pindaré na Amazônia Maranhense”, publicado em 2023 por pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), analisou amostras de água coletadas em dez pontos do rio entre 2010 e 2011, nos municípios de Tufilândia, Pindaré-Mirim e Alto Alegre do Pindaré. Este último, mais próximo à terra indígena, possuía cerca de 70,39% de sua área coberta por pastagem, em 2011. O número passou para 74,6%, em 2022, segundo dados do MapBiomas. 

No artigo, os cientistas mostraram que a quantidade de fósforo já estava acima de 0,1 mg/L, propiciando um crescimento maior de algas e plantas aquáticas nocivas. Eles também avaliaram o índice de nitrato em 2010 e 2011, substância que em excesso pode causar intoxicações agudas, mas o valor não ultrapassou 0,91 mg/L, quantidade considerada segura. Depois, em 2019 e 2021, foi feita uma nova coleta, na mesma região, mas agora nos municípios de Zé Doca e Governador Newton Bello. A quantidade de nitrato já era bem maior do que a registrada dez anos antes e chegou a 17,75 mg/L, índice que pode estar relacionado ao uso de adubos e fertilizantes. 

Já um outro estudo, assinado pelas autoras Claudia Klein e Sandra Aparecida Antonini Agne, ambas pesquisadoras em Agronomia, também foi realizado entre 2010 e 2011. As cientistas observaram as consequências do alto índice de fósforo, como um aumento na mortalidade dos peixes e relacionaram o problema à “drenagem de fertilizantes agrícolas, águas pluviais de cidades, detergentes, rejeitos de minas e drenagem de dejetos”, condições presentes na região da TI.

Essas análises são importantes porque o rio é o principal sustento dos indígenas, que sobrevivem da caça e da pesca. Segundo Taynara Caragiu Guajajara, as comunidades estão trabalhando no processo de restauração florestal do território e, aos poucos, os animais vão reaparecendo. Por isso, atualmente, a pesca é predominante, e a poluição das águas prejudica a vida aquática do ecossistema e, consequentemente, também a vida de quem sobrevive dos peixes para a alimentação.

A liderança ressalta também que não se trata apenas de se alimentar fisicamente. “O rio Pindaré não é só um lugar onde eu posso pescar um peixe também para me alimentar, ele me alimenta espiritualmente. Ele alimenta o povo que vive ali espiritualmente. Quando você se banha, quando você entra ali no rio, você recebe uma renovação espiritual dos Encantados que ali vivem”, explica.

Dados oficiais frágeis

No sistema Hidroweb, da Agência Nacional das Águas (ANA), é possível encontrar seis estações de monitoramento fluviométrico no entorno da TI, sendo quatro responsáveis por medir a qualidade. No entanto, os dados são incompletos. Muitos dos medidores aparecem zerados e nenhum deles aponta os níveis de fósforo e nitrato, por exemplo.

A reportagem solicitou à Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais do Maranhão (SEMA-MA), via Lei de Acesso à Informação (LAI), a lista de estações de monitoramento da qualidade das águas em todo o estado e os resultados da série histórica, de 2012 a 2022. 

O pedido foi repassado ao Laboratório de Análises Ambientais, e diferentemente do solicitado, as informações recebidas são referentes apenas aos últimos 8 anos, de 2016 a 2023. Segundo o órgão, não existem os dados de 2012 a 2015, porque é um período anterior à criação da Rede Estadual de Monitoramento da Qualidade das Águas Superficiais (REMQAS), que ocorreu em 2016.

Os parâmetros disponibilizados pela SEMA-MA são recentes e não muito amplos, uma vez que apenas coletas de 2021, 2022 e 2023 incluem substâncias como fósforo e nitrato. Para o rio Pindaré, nem mesmo em todos esses anos, existem os dados completos como pedido pela reportagem.

No entanto, com as informações disponíveis, é possível observar que as estações próximas à TI Rio Pindaré demonstravam uma quantidade de fósforo acima da estabelecida pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente, de 0,1 mg/L, para as classes 1 e 2: Categorias que estabelecem parâmetros para a destinação da água para consumo humano, irrigação, atividades de lazer, proteção das comunidades aquáticas em terras indígenas e pesca. para águas doces. 

Outros impactos

Além da agropecuária, a Estrada de Ferro Carajás (EFC), que liga o Porto de Itaqui, no Maranhão, à Serra dos Carajás, no Pará, e operada pela Companhia Vale do Rio Doce, possui trechos que passam a menos de dez quilômetros do rio Pindaré e da terra indígena.

“No entorno da ferrovia, a gente perdeu os igarapés que existiam e hoje não existem mais por conta da construção. Fora o minério que deságua dentro dos rios. A gente já tem relato de pessoas que vivem da pesca já terem visto resíduos de minério nas águas”, alerta Taynara.

Ela relata também que as águas do território são impactadas pelo lançamento de lixo no rio pelos povoados e municípios vizinhos. O próprio grupo de mulheres Wiriri Kuzá Wá tem atuado para conversar com não indígenas da região para conscientizar sobre os benefícios de se preservar as águas.

“Por nos sentirmos tão pressionadas pelas cidades entorno do nosso território, onde começam as invasões e a pesca predatória e ilegal, resolvemos desenvolver esse trabalho. A gente vem há mais de cinco anos fazendo palestras. Vimos que a aliança seria muito importante, principalmente com as mulheres não indígenas.”

A morte das nascentes

A degradação do rio Pindaré, porém, não se limita à região da TI Rio Pindaré. Suas nascentes na serra do Gurupi, na TI Krikati, nas proximidades dos municípios de Montes Altos e Amarante do Maranhão, sudoeste do Maranhão, estão sendo soterradas por pastagens e por obras de infraestrutura. 

“Nos anos 70 e nos anos 80, eu fui uma das pessoas que pesquei e participei de um ritual na nascente. Um tempo desses fui lá e não vi nada. Secou”, relata a professora e liderança indígena Sílvia Cristina Puxcwyj Krikati.

Além da degradação pelo desmatamento e avanço da agropecuária, Sílvia aponta que uma das principais cabeceiras foi asfaltada pela rodovia estadual MA-280, estrada que vai de Governador Edison Lobão a Sítio Novo e corta o território Krikati ao meio, onde as comunidades estão lutando ao menos para existir uma ponte para que as águas do rio não sejam soterradas.

O rio Pindaré é um dos rios que atravessa diversos territórios indígenas no Maranhão, de onde as populações tiram seu sustento. Foto:  Ricardo Zig Koch Cavalcanti/ANA

Existem também nascentes do rio Pindaré no município de Buriticupu, onde está um de seus afluentes, o rio Buriticupu. Na região, mais ao norte da TI Krikati, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente realizou uma audiência pública para definir como devem ser as ações de restauração das nascentes. Um dos responsáveis pelo planejamento é o professor do Instituto Federal do Maranhão (IFMA) no campus de Buriticupu, Thiago de Norões Albuquerque. 

Mestre em Gestão Ambiental, Albuquerque destaca que os recursos hídricos têm a função de assegurar a manutenção da fauna e flora local, e esse é um dos principais feitos do rio Pindaré no Maranhão, além do sustento humano. Para proteger os rios, segundo ele, é necessário garantir uma faixa mínima de mata ciliar, que tem a função de filtração e infiltração das águas no solo. 

É nesse sentido que os indígenas do Maranhão estão na linha de frente contra a contaminação apesar das pressões externas. A líder Krikati afirma que eles têm trabalhado para recuperar as águas doces da região reflorestando suas terras. “Nosso projeto é recuperar as galerias e nascentes, mas perdemos o controle fora do território. Fui ameaçada porque tentei olhar para onde degradado ao norte do território.”

Outro lado

A InfoAmazonia entrou em contato com a Sema do Maranhão para questionar se existem ações de fiscalização da qualidade das águas nas terras indígenas do Maranhão e como são feitas. O governo também foi questionado se existe um planejamento para monitorar as águas do Pindaré, em especial na altura da TI Rio Pindaré, já que os dados das estações próximas ainda são incipientes. O órgão não respondeu às perguntas até o momento de fechamento da reportagem.

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Tainah Ramos

Jornalista com experiência na cobertura socioambiental na América Latina. É Bacharel em Jornalismo pela Universidade de São Paulo.

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  1. A reportagem é uma alerta, precisamos dar mais valor a quem cuida de água e das florestas . Parabéns !

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