Há um ano comandando a Secretaria Nacional de Mudanças do Clima, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, a economista e doutora em ciência política conversou com a InfoAmazonia sobre os objetivos do país para a política climática.
Ana Amelia Campos Toni assumiu a Secretaria Nacional de Mudanças do Clima, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), há um ano, depois de passar quase uma década como diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS), organização sem fins lucrativos cujo trabalho é voltado para o enfrentamento das mudanças climáticas.
Economista e doutora em ciência política, Ana Toni está, junto a outros secretários e ministros, focada na renovação do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, que teve sua primeira e última edição há oito anos. Nesta entrevista exclusiva para a InfoAmazonia, ela conta que o país terá, pela primeira vez, um plano de adaptação climática voltado para os territórios indígenas, que será liderado pelo Ministério dos Povos Indígenas e pelo MMA.
Também afirma que o governo deve publicar, em breve, um decreto de criação do Conselho Nacional de Emergência Climática. A nova estrutura, vinculada ao MMA, deve estabelecer um modelo de governança ambiental, que reúna entes municipais, estaduais e federais, além da sociedade civil, do setor privado e da academia.
Questionada sobre o leilão de blocos de petróleo para a exploração na Amazônia, Ana incentivou a criação de um fórum regional para a discussão: “não tiro a responsabilidade dos outros entes, mas com certeza eu vejo que é uma movimentação que precisa ser feita. Seria muito importante entender o que os amazônidas pensam desse debate”.
À InfoAmazonia, Ana Toni se descreveu como uma mulher otimista por natureza, e disse acreditar na transição energética de baixo carbono. Ela pediu que os jovens continuem a acreditar “pelo poder da transformação”.
Leia a seguir a entrevista completa.
InfoAmazonia – Como foi o ano de 2023 à frente da secretaria e quais as expectativas para este ano de 2024?
Ana Toni – [O ano de] 2024 obviamente já começou, vai ser bastante produtivo. Eu acho que o ano de 2023, primeiro ano do governo, foi um ano de reconstrução. A própria secretaria teve que ser reconstruída. Então, foi um ano de muito planejamento e mesmo assim acho que conseguimos entregar muita coisa. Por exemplo, uma nova NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada: Meta climática que cada um dos países assinantes do Acordo de Paris precisa propor para redução de gases de efeito estufa no mundo. A nova NDC do Brasil é reduzir as suas emissões em 48% até 2025 e 53% até 2030, em relação às emissões de 2005.) e o Fundo do Clima. Para esse ano, a prioridade absoluta são os planos nacionais de mudança do clima. Nós temos uma meta para 2030, temos que ter esses planos para entregarmos. Estamos totalmente imersos nessa construção. Serão oito planos setoriais de mitigação: Os planos de mitigação incluem os seguintes setores: agricultura e pecuária; cidades; energia; indústria; transportes; mineração; resíduos e uso da terra e florestas. e esperamos 15 de adaptação: Os setores dos planos de adaptação incluem: biodiversidade; agricultura; pesca e aquicultura; segurança alimentar e nutricional; cidades; gestão de riscos de desastres; zona costeira; recursos hídricos; indústria; mineração; infraestrutura; povos e comunidades tradicionais; povos indígenas; saúde e turismo..
Não conseguimos entregar todos até o fim do ano, porque são muitos, mas estamos trabalhando para isso. Essa é uma entrega que é muito importante que aconteça porque é como vamos estar preparando a nova NDC brasileira. As entregas para 2025 são mais ambiciosas e alinhadas com 1,5ºC. Queremos fazer com que o nosso próprio Plano Clima, as nossas próprias metas e a nossa própria NDC sejam um exemplo para estimular outros países.
Como estão sendo trabalhados os planos de adaptação?
É bom lembrar que o Brasil teve o seu primeiro Plano Clima em 2016. Ele deveria ter sido revisto há 4 anos, [mas] não foi. Estamos fazendo tudo junto e ao mesmo tempo, também trazendo os objetivos do novo Plano Clima revisado. Ele vai ter um plano para 12 anos, até 2035. Estamos desenhando o plano e, como eu disse, o objetivo é trazer 15 planos.
Por que 15? De onde surgiram esses 15? A área de adaptação é muito diferente da área de mitigação. Mitigação, digamos assim, é mais fácil, né? Tudo é medido em carbono, cada setor emite x. Nós temos uma meta nacional de mitigação, que é a nossa NDC. Mas, em relação à adaptação, ela é regionalizada, ela é relacionada a populações muito específicas. Porque o problema é global, mas a solução para adaptação depende muito das circunstâncias localizadas.
Vai ser a primeira vez que o Brasil faz planos setoriais muito específicos. Algumas áreas já estão mais avançadas, outras vão ser a primeira vez que vão fazer. Por exemplo, a área de agricultura, principalmente através do Ministério da Agricultura, já vem trabalhando, junto à Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], o tema de adaptação para agricultura e aí já tem todo um conhecimento.
Por outro lado, estamos propondo fazer um plano de adaptação liderado pelo Ministério dos Povos Indígenas para os territórios. Será a primeira vez que eles vão fazer um plano de adaptação específico para a população indígena. Então, obviamente vai demorar um pouco mais, vai envolver mais participações. Cada plano será um plano.
Temos planos setoriais [de mitigação], como eu falava de agricultura, transporte, energia, vão ter planos muito mais ligados a populações específicas. Por exemplo, povos indígenas, por exemplo, população negra e periférica, que são os mais vulneráveis. Eles [os planos] vão estar cada um olhando para que tipo de resiliência já tem nesses setores ou para essas populações, o que falta e que políticas públicas precisamos. Principalmente, é o que você define de adaptação necessária para aquelas populações.
Os 15 planos serão co-coordenados entre o ministério de Meio Ambiente através do CIM [Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima], que a Casa Civil dirigia, e o ministério diretamente relacionado com aquele tema. Então, sobre os povos indígenas, seremos nós com o Ministério dos Povos Indígenas. Turismo, nós com o Ministério de Turismo, agricultura, nós com o Ministério da Agricultura.
Como está sendo o olhar para a Amazônia, no Plano Clima, e como a senhora avalia a vulnerabilidade dessa região?
No caso da Amazônia, nós não temos um ministério para a Amazônia. Então, a Amazônia é um território que todos os planos de adaptação vão ter que olhar. Assim como também não temos um plano de adaptação para Caatinga ou um plano de adaptação especificamente para o Sudeste.
O que estamos tentando agora é, primeiro, esses planos setoriais e populacionais, digamos assim e, a partir disso, já estamos dialogando um pouco com o Consórcio da Amazônia que talvez seja o melhor lócus [espaço] para pensar no plano de adaptação para a Amazônia, trazendo todos esses setores e todas essas populações juntos para cada uma das regiões do Brasil. Agora, está na cara que a Amazônia é hipervulnerável, e a pergunta é: quem é que não é tão vulnerável mais?
Como estão ocorrendo os trabalhos entre os entes do governo executivo, federal, estadual e municipal?
É um processo de engajamento federal, estadual e municipal na agenda de clima. A agenda de clima começou com o tema global, tudo começou já sendo pensado numa conferência internacional e ela vem cada vez mais com a gente falando que o problema é global, mas as soluções são locais. Então, a participação do local é absolutamente necessária. Hoje, temos municípios que estão na frente até do Governo Federal e temos também municípios que estão atrás.
Ela [a participação] não é homogênea, mas, nesse sentido, o Ministério de Meio Ambiente está trabalhando num decreto que esperamos sair em breve, que é o Conselho Nacional de Emergência Climática, em que não só terá a participação de cientistas, da academia, do setor privado e da sociedade civil, mas terá uma presença muito forte dos entes subnacionais, estados e municípios. Por que ainda temos que organizar essa governança em que os estados e municípios tenham peso. Tem o novo Conselho Federativo, que tem como atribuição esse trabalho em conjunto entre o governo federal, estadual e municipal, que estamos tendo reuniões com eles porque um dos temas que este colegiado precisa trabalhar é a mudança do clima.
Acho que agora tem um novo esforço dos governos municipais, estaduais e federais para que esse trabalho seja feito conjuntamente. Eu diria que ainda não temos o melhor modelo. Não só o Brasil, mas o mundo. Como é que outros países têm feito a articulação entre regional e o federal? É um problema de governança, todos os países estão tentando lidar com muita coisa ao mesmo tempo e acho que nenhum país tem um modelo ideal.
Estamos trabalhando muito, estudando muito os modelos de outros países, e está claro que este é um desafio global: a governança de mudanças do clima nacionalmente de uma maneira participativa entre todos os multiníveis. Ainda não temos bons modelos nem para nos inspirar. Então, vamos começar a desenvolver o nosso, com a esperança de contribuir para inspirar outros.
Secretária, qual o maior desafio para a COP30?
São muitos desafios. Tem um desafio operacional, da própria cidade, e eu acho que tem um desafio nacional que é chegarmos na COP liderando pelo exemplo, tanto na área de desmatamento, mas também com planos climáticos muito robustos. E tem o desafio internacional que é: como vamos lidar, tanto com o tema de financiamento e o papel da COP 29 em relação a isso, quanto como vamos lidar com os países para que elaborem as suas novas NDC’s alinhadas com consciência. Então, temos vários desafios e eu separaria entre o local, o nacional e o global.
No final da COP28, muitas organizações se reuniram para criticar um leilão de petróleo e gás, em que foram arrematados blocos muito próximos às terras indígenas e à área de proteção também. Qual sua posição sobre esse mercado na Amazônia?
O mercado de petróleo e gás é um mercado global e provavelmente o maior e mais poderoso mercado global. Então, não tem um mercado na Amazônia. É um mercado global que atinge diversos territórios. Obviamente, inclusive, na Amazônia.
Eu fiquei feliz que, pela primeira vez, o debate de superar a dependência do petróleo e gás nas economias, principalmente no setor energético, saiu na COP28. Isso foi um importantíssimo passo. Obviamente, para muitos não chegou no que precisamos por causa da emergência, mas não podemos esquecer que o setor de óleo e gás é provavelmente um dos mais poderosos setores econômicos mundiais. Obviamente esse poder está presente sempre.
Uma pergunta que nós colocamos é: quando é que o setor de [energias] renováveis vai ter tanto poder quanto o de óleo e gás? Essa é uma pergunta que a gente tem que começar a fazer. Não vemos o setor de renováveis na área de energia com poder nas COP’s. Eles não aparecem, eles não estão bem organizados. O poder já é desproporcional entre os setores energéticos, essa é a primeira coisa. A segunda coisa, é que ter um debate nacional de como o Brasil quer e que papel o Brasil tem no tema de descarbonização. Óbvio tem que ser de uma maneira responsável.
Por que o Brasil é um grande consumidor de petróleo e todos nós somos. A gente viaja, a gente usa carro. Então, não só olhar para o Brasil como um grande produtor de petróleo, mas também como um grande consumidor de petróleo. A gente tem que ter isso nos nossos planos de descarbonização: produção e consumo. E o consumo é muito importante.
E em particular, primeiro, eu acho que o debate sobre a Amazônia é muito mais técnico de licenciamento do que um debate sobre clima e carbono. Porque é sobre os efeitos ou não da exploração. Como é que isso atinge a região? Como é que isso pode ou não beneficiar a região?
Tem três debates: tem um debate global, tem o debate nacional, que aí logicamente o Conselho Nacional de Política Energética e o Comitê Interministerial de Mudanças do Clima são os dois grandes blocos para isso, e tem um debate regional, da própria região da Amazônia. Esses debates se confundem. Eles logicamente estão entrelaçados e eu fico me perguntando: qual é o fórum de debate na região sobre isso?
Por que a nível global nós temos as COP’s. A nível nacional nós temos o Comitê Interministerial de Clima e temos o Conselho Nacional de Política Energética, mas, a nível regional, eu ainda não entendo exatamente qual é o fórum de debate. Acho que os amazônidas, a população da Amazônia, precisa promover também este debate.
Não tiro a responsabilidade dos outros entes, mas com certeza eu vejo que é uma movimentação que precisa ser feita. Seria muito importante entender o que os amazônidas pensam desse debate, seria realmente importante ter essa voz local. Por que o que escutamos está tão polarizado, né? A gente espera que o governo federal e o debate global nos direcione, mas é muito importante que o debate local aconteça.
Sobre a regulamentação do carbono no país, como a senhora está acompanhando? Acredita que é possível voltar a incluir o setor do agronegócio no debate?
O governo se mexeu muito rapidamente levando e trabalhando com o Senado, um processo que a senadora Leila Barros (PDT) liderou, que era um processo de regulamentação do mercado de carbono brasileiro. Obviamente, houve ali uma disputa entre Senado e Câmara, sobre quem começaria esse processo. Então, foi apensado no outro processo que o deputado Aliel Machado (PV) liderou. Tem alguns poucos avanços, mas a gente acredita que o projeto que estava no Senado estava mais robusto.
Eu acho que trazer aspectos do mercado voluntário para dentro do mercado regulado está confundindo muita gente. Foi o que aconteceu na Câmara. Esperamos que, ao voltar para o Senado, possa clarificar um pouco mais, que estamos falando do mercado regulado e normalmente você não regula o mercado voluntário, né? O nome já diz tudo, é voluntário. Ao trazer tudo junto num Projeto de Lei, a sensação é que mais confundiu do que facilitou e vamos ver agora o que sai do Senado.
Uma coisa é certa, a gente tem muita urgência em aprovar o mercado regulado brasileiro. Ele é um instrumento muito importante para a Política Nacional de Clima. Estamos acompanhando de muito perto a política internacional do mercado de carbono, no artigo 6 da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas). Então, o mais rápido possível que a gente possa ter um mercado regulado no Brasil, mais vamos conseguir influenciar o mercado internacional regulado também.
Nos preocupa muito essa demora na aprovação de um mercado regulado nacional, que seja robusto e com integridade climática: A busca por rigorosos princípios para efetivação de um mercado regulado. As medidas para integridade climática deste setor envolvem governança eficaz, rastreamento, transparência e fiscalização., que é o nosso maior objetivo. A gente viu e ouviu, participamos muito intensamente na COP28 do debate e está claro que somente mercados nacionais com muita integridade climática serão aceitos no mercado internacional. Eu espero que os senadores e os deputados tenham percebido qual foi o debate sobre integridade climática na COP28 e que se dediquem aí para manter a integridade no nosso mercado nacional.
Secretária, como a senhora mantém a esperança no futuro?
Eu sou sempre muito otimista. Por nascimento, por DNA, eu já sou uma pessoa otimista. Sim, eu acho que o tema da mudança climática é catastrófico mesmo. O mundo não vai acabar. Certamente o mundo continuará muito bem, obrigado. A pergunta é: que impacto que isso vai ter na humanidade, em nós seres humanos? Então, o tema do clima não é um tema sobre o planeta.
Eu também sou muito otimista de que os seres humanos, todos nós, a humanidade, a gente vai fazer essa transição para uma economia de baixo carbono. Eu não tenho dúvida. Eu acho que caiu a ficha da humanidade, que precisamos de uma relação muito mais harmoniosa com a natureza, com a preservação das florestas, a recomposição dos biomas. O problema é como vamos fazer essa transição.
O nosso maior inimigo é o tempo. E quem é que sofre durante essa transição? Quais são as populações que mais vão sofrer perdendo as suas casas, como já está acontecendo? Quem são as populações que vão perder suas vidas nesta transição? Que tecnologias vamos optar para que tragam mais bem-estar, não só para alguns, mas para todos?
Eu ponho muita fé nos jovens, não porque eles vão salvar o planeta, não. Já estamos deixando um planeta muito ruim para todos vocês. A nossa obrigação é tentar fazer o mais rápido possível, para que essas novas gerações, a sua geração, façam essas escolhas pensando no próximo e não só pensando em carbono. Todos temos que pensar em carbono, mas, mais do que isso, temos que pensar como é que essa transição vai acontecer e como faremos isso de uma maneira solidária, de uma maneira não egoísta, para conseguir reduzir a dor.
Infelizmente a dor já chegou. Agora, eu espero que os jovens não se culpem por essa dor. Continue, se quiserem, tendo filhos. Tenham filhos, aproveitem a vida! Façam isso de uma maneira sincera, entendendo que existe o problema, mas que não devemos parar pelo medo, mas sim continuar pelo poder da transformação, que normalmente, principalmente, os jovens têm.