A InfoAmazonia falou com ativistas e lideranças para entender como foi a participação dos povos indígenas na COP28. Representantes avaliam como positiva a escolha de Sonia Guajajara para chefiar a delegação brasileira, mas agora querem mais espaço para realmente decidir sobre o futuro do planeta, a emergência do clima e, claro, seus próprios territórios.
Pela primeira vez na história, o Brasil teve como chefe de delegação enviada para a Conferência do Clima da ONU (COP28) uma mulher indígena. Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, representou o país em um ano que contou com a maior participação indígena dentre todas as COPs, com 316 líderes de povos de diferentes regiões do planeta, segundo levantamento da coalizão Kick Big Polluters Out. Apesar da presença recorde, as populações tradicionais estão longe das mesas de negociações — agora, elas querem extrapolar a simples presença física no evento, e ter também protagonismo na hora de decidir.
A indígena e jovem ativista Txai Suruí, que participa das conferências climáticas desde 2019, afirma que existe a necessidade de os povos indígenas estarem nas mesas de negociação da COP para decidir sobre os fundos que investem no combate e mitigação da crise. Hoje, menos de 1% dos investimentos coletivos internacionais chegam diretamente às comunidades tradicionais.
“Hoje, essa é uma demanda dos indígenas: que estejamos na mesa de decisão, para que esses fundos que já foram criados na COP cheguem diretamente às comunidades que estão na base. Nós sabemos gerir nossos territórios, nós podemos gerir esses recursos e nós sabemos o que é melhor”, disse Txai Suruí à InfoAmazonia.
Txai avalia que a presença indígena nas conferências climáticas da ONU cresceu em todo o mundo nos últimos anos. No entanto, ela também observa que, sem os indígenas em lugares de decisão, suas presenças não são consideradas nas negociações. “O Brasil tem a promessa de zerar o desmatamento, mas apesar da gente saber da importância das demarcações dos territórios indígenas para isso, a gente vê que as demarcações ainda estão paralisadas”, disse.
Indígenas fora do texto final
Nas redes sociais, Sonia Guajajara celebrou o fato de estar como chefe de delegação do país. Por outro lado, no final da COP28, ficou evidente no documento assinado pelos quase 200 países-membros da ONU que as populações indígenas não tiveram um protagonismo na mesa de decisão: o texto não incluiu a proposta de participação das comunidades no cumprimento das metas climáticas.
“Nós somos os maiores guardiões, portanto temos que ser também reconhecidos como esses protagonistas nas tomadas de decisões. E nós estamos avançando com isso. Estamos hoje podendo falar diretamente com os países, com os negociadores, para trazer os povos indígenas também para os temas centrais que são decididos aqui”, disse a ministra.
Vanda Witoto, liderança indígena de Manaus, também esteve na COP28 e pediu nas redes sociais uma maior participação indígena na COP30, que será sediada no Brasil em 2025.
“Nós queremos estar nas mesas de negociações climáticas e dizer que esses recursos de fundos que são acordados nas conferências cheguem nos nossos territórios, cheguem para as nossas mulheres, cheguem nas periferias do nosso país. Isso só vamos conseguir ao eleger as nossas mulheres para ocupar esses espaços de poder, porque sem isso nós sempre ficaremos de fora”, afirmou.
Cada um dos 197 países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC) tem direito a um voto, que é decidido de acordo com o consenso de cada nação presente. Neste ano, a delegação brasileira incluiu ministros, representantes do governo, setor privado, sociedade civil e academia. Ou seja: Guajajara foi líder do Brasil, mas apenas uma integrante entre outros enviados pelo governo a participar das mesas de negociação. Daí o argumento de Vanda Witoto para uma ascensão indígena maior na política brasileira.
Primeira vez na COP
A líder indígena Marcilene Guajajara, coordenadora da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima), esteve pela primeira vez numa COP. Questionada sobre o que mais a marcou em todos os dias em que esteve em Dubai, ela conta que gostaria de ter tido mais acesso para conversar com governantes e tomadores de decisão.
“Nós levamos uma discussão da nossa base, mas continuamos falando com nós mesmos. Onde deveríamos estar fazendo as denúncias, nos espaços importantes, a gente não consegue ainda entrar. Eu fiquei avaliando como movimento indígena que esse é um desafio que ainda não superamos, de estar nos espaços onde possamos fazer as denúncias”, disse.
Ela assumiu pela primeira vez a Coapima em março deste ano e tem seu mandato até 2025. A organização é um braço da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Para ela, essas organizações devem investir em campanhas para aumentar a incidência nas mesas. “Os países não entendem que é importante a nossa participação nessas negociações em relação aos benefícios que chegam até os nossos territórios. É preciso que os indígenas façam parte dessa discussão”, avalia.
Indígenas contra o petróleo
A COP28 está sendo vista como a “COP do petróleo” e foi marcada por protestos contra a exploração de combustíveis fósseis, responsável pela maioria das emissões de gases do efeito estufa do planeta. Além de contabilizar a presença de 316 indígenas de diferentes países, a Kick Big Polluters Out também mostrou que foram enviados 2,4 mil contra 2,4 mil representantes de empresas petrolíferas. Ou seja: um número 7 vezes maior de defensores dos combustíveis fósseis.
Durante todos os dias, lideranças e organizações da sociedade civil do Brasil protestaram, participaram de mesas e fizeram discursos contra a exploração de petróleo. Mesmo assim, um dia depois do fim da conferência, na quarta-feira (13), a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) realizou um mega leilão que colocou 602 novas áreas de exploração à venda, incluindo 21 blocos na bacia do rio Amazonas. Quatro deles foram comprados, ao custo de R$ 7,8 milhões.
“Você imagina a Amazônia, ela deveria estar sendo considerada como um berço, um lugar que de fato a gente tem que cuidar nesse momento que a gente está vivendo. Porque não são só os povos indígenas, a ciência está dizendo isso há muito tempo. Nós já estamos vivendo as mudanças climáticas e a gente não vai conseguir fugir”, alerta a ativista Txai Suruí.
Txai conta que, desde o início, a preocupação das organizações indígenas era com as falas do presidente Lula em apoio à exploração de petróleo na Amazônia. “A gente está vendo as ameaças sobre isso, nós estamos vendo que isso de fato pode acontecer, pela própria forma como o Lula se posicionou pela exploração. E quem são os mais afetados por essa crise, né? Quem quem já está sofrendo com isso? Se não são os próprios povos indígenas?”, disse à InfoAmazonia
No texto final apresentado na quarta-feira, os países se comprometeram com uma “transição” para o fim do uso de combustíveis fósseis. Txai Suruí avalia que o Brasil precisa continuar tendo uma matriz energética de transição e um foco no combate ao desmatamento para reduzir as emissões.
“No contexto do Brasil, a gente tem uma matriz energética diferente, estamos como um dos maiores emissores por causa do desmatamento, é diferente dos demais países. Por isso, se faz mais importante a demarcação dos territórios. Que se preserve, se proteja e nós sabemos muito bem proteger os nossos territórios para que se torne uma forma de combate à crise climática”, considerou a ativista.
Para Txai, os danos da exploração de petróleo à nível mundial também devem ser destacados. Ela também está preocupada, por exemplo, com as comunidades do Pacífico, que estão em zona costeira e sofrem com o aumento do nível do mar.
“A gente vê também o crescimento da participação de povos indígenas de outras partes do mundo, como os indígenas do Pacífico, que estão numa grande luta por causa do aumento do nível do mar, que estão correndo risco de seus países desaparecerem, estamos nos organizando para lutarmos juntos”, disse.