Passando por um dos momentos mais drásticos da emergência climática dos últimos 100 anos, governo do estado do Amazonas tem o desafio de reduzir os danos ambientais, planejar ações de prevenção e diminuir os dados de queimadas no estado.
O governo do Amazonas enfrenta uma das maiores crises ambientais do último século com uma lei para mudanças climáticas, a 3.135 de 2007, que não está sendo cumprida integralmente, segundo dados do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), onde é possível verificar toda a legislação ambiental do estado. O dispositivo estabelece a adoção de medidas preventivas que “contribuam para evitar as mudanças perigosas do clima” e, também, determina a elaboração de planos para mitigar efeitos adversos da crise e exige o incentivo à educação ambiental.
A lei é aplicada pelo Sistema de Meio Ambiente do Amazonas, composto pelo Ipaam e pela Secretaria de Meio Ambiente (Sema), que já possuem programas de educação ambiental. No entanto, conseguir prever, evitar e criar um plano de mitigação dos efeitos das mudanças do clima, como pede o texto do dispositivo, tem sido um desafio para o estado.
O Fórum Amazonense de Mudanças Climáticas, Biodiversidade e Serviços Ambientais é um dos instrumentos para garantir a aplicação dessa lei, especialmente quando se fala sobre a elaboração de um plano de mitigação. Ele é uma instância consultiva e de discussão, composta por 47 representantes de secretarias da administração pública estadual, municipal e federal. Também participam organizações não governamentais. O objetivo é criar uma agenda anual de trabalho, sendo o próprio governador o responsável por presidi-lo. Ele foi instituído em fevereiro de 2009 e ganhou uma reformulação em junho de 2020, com decreto assinado pelo governo Wilson Lima (União).
Assim, a ideia é que exista uma participação ativa da sociedade civil e que as discussões, feitas com o governador, levem a uma agenda de atividades a ser implementada. De acordo com o site da Sema, que hospeda os documentos relativos ao fórum, ocorreram três reuniões neste ano, em março, junho e outubro.
No entanto, as atas não são oficialmente divulgadas desde 2021. O último encontro com documento divulgado, a 29ª Reunião Ordinária do Fórum, foi realizada em dezembro daquele ano, e foram estabelecidas três datas para 2022. Porém, nenhuma reunião ocorreu no ano passado. Então, o calendário para 2023 tem como programação a 30ª, a 31ª e a 32ª Reuniões Ordinárias, mas até o momento nenhuma ata deste ano foi divulgada.
A reportagem analisou as dez atas que estão públicas – todas entre 2019 e 2021 – e em nenhuma delas o governador Wilson Lima aparece como presidente ou participante. Em duas, o secretário da Sema, Eduardo Taveira, substituto do governador no fórum, presidiu a reunião. Nas outras, os presidentes foram outros servidores da Sema. As pautas discutidas vão desde o asfaltamento da BR-319, até a implementação das medidas para redução de gases de efeito estufa.
Procurada, a Sema não respondeu sobre as reuniões do ano anterior ou sobre as deste ano. A reportagem também procurou representantes do fórum. Um deles afirmou que esteve presente na reunião de março deste ano e que não recebeu convite para a de outubro. Outro representante afirmou que não participou dos encontros deste ano e que não sabia como eles estavam ocorrendo.
O ambientalista e geógrafo Carlos Durigan, diretor executivo da Associação para Conservação da Vida Silvestre (WCS-Brasil), avalia que essa agenda de enfrentamento, que deveria ser construída pelo fórum, é fundamental.
“São diversas as medidas que podem ser feitas a curto prazo, de forma emergencial, como estão ocorrendo, mas o que nós precisamos é estabelecer uma agenda para construir um protocolo de adaptação que envolva todas as frentes possíveis. A agenda com planejamentos a longo prazo e fortalecimento constante dos órgãos e instituições ambientais é muito importante. Desde prevenção até o combate a situações de extremo [climático]. Esse planejamento é o que pode dar maior suporte para a vida de quem mora nas regiões mais remotas”, diz o especialista.
Durigan alerta que os extremos climáticos no Amazonas serão mais frequentes e o “novo normal”. Por isso, avalia que as ações precisam ser mais céleres. “Não é necessário uma nova instância burocrática, mas a gente precisa criar uma articulação mais proativa e dar recursos aos órgãos ambientais competentes, porque eles encontram-se completamente fragilizados para o enfrentamento de crises. No caso do Amazonas,os recursos anuais para esses órgãos são irrisórios”, diz.
Com a emergência na porta, os deputados da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) aprovaram uma lei que propõe diretrizes para “ a elaboração de planos de adaptação às mudanças climáticas”. A aprovação ocorreu em 27 de setembro deste ano. O documento não cria um plano, mas determina normas gerais que devem ser seguidas no momento em que esses planos forem de fato elaborados. A Lei Nº 289/2023 ainda não foi sancionada. Em setembro, houve também a proposta de instituir o “Dia Estadual da Luta Contra as Mudanças Climáticas”. A proposta ainda está em processo.
Orçamento ambiental
O Amazonas tem dois principais órgãos ambientais: a Sema e o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam). A secretaria tem como função a garantia da conservação dos recursos naturais e se concentra apenas nas políticas estaduais. O instituto trabalha com três eixos: licenciamento, fiscalização e monitoramento, executando políticas nacionais e estaduais.
Nos últimos cinco anos de gestão do governador Wilson Lima, a Sema executou um orçamento de R$ 126,5 milhões e o Ipaam R$ 184,5 milhões, de acordo com dados do Portal da Transparência.O recurso destinado para preservação ambiental, dentro da gestão da Sema, foi de R$ 72 milhões (57%). O restante do valor foi usado para administração geral (32%), ordenamento territorial (10%), proteção e benefícios dos servidores (1%).
A Defesa Civil, principal órgão de atuação no combate aos desastres ambientais, recebeu, em cinco anos, R$ 36,7 milhões. Quando comparado a outro setor do governo, como a Secretaria de Produção Rural (Sepror), os recursos direcionados à preservação ambiental são menores. A Sepror é a secretaria responsável pelas atividades no campo da agricultura, pecuária, atividade florestal, pesca e aquicultura. Em cinco anos, a Sepror executou R$ 347,7 milhões, sendo R$ 194 milhões (55,8%) para promoção da produção agropecuária.
O Corpo de Bombeiros Militar, responsável por executar ações de defesa civil, combate a incêndios, buscas e salvamentos, foi o que mais recebeu recursos, totalizando R$ 742,4 milhões nestes cinco anos. No momento, seus agentes estão diretamente envolvidos no combate às queimadas no estado.
A economista Elenize Avelino, especialista em sustentabilidade na Amazônia, explica que o orçamento do estado é importante para fazer cumprir as legislações, em especial a Lei nº 3.135. Em 2019, ela publicou dissertação de mestrado analisando o orçamento ambiental e a relação dele com o desmatamento nos estados da Amazônia Legal, pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Elenize avalia que os orçamentos destinados às ações emergenciais precisam ser realocados para ações preventivas dos órgãos do estado e para a consolidação da política ambiental.
“Historicamente, o orçamento para a política e para a gestão ambiental nos estados da Amazônia não é uma prioridade. Ele é sempre um dos menores e representa, muitas vezes, menos de 2% do orçamento total. O que a gente percebe é que a questão política influencia muito. Depende do peso que o governador quer dar para um determinado setor. Isso não é ilegal, às vezes o governador avalia que precisa investir mais em educação ou em segurança, que são área importantes, mas isso precisa de um balanço”, afirma.
Em 12 de setembro, o governador Wilson Lima decretou estado de emergência ambiental e lançou a operação estiagem. Só essa operação recebeu o recurso de R$ 100 milhões, quase o total do que recebeu a Sema em cinco anos. Isso mostra que as medidas estão sendo tomadas de forma emergencial. Apesar disso, o combate às queimadas ocorre durante todo o ano, com operações militares.
Elenize Avelino afirma que as medidas emergenciais estão ocorrendo dessa forma porque, na prática, o Estado tem uma política que não é preventiva, como pede a legislação. “Nós temos um Estado que atua de forma reativa e não preventiva. Esse recurso do governo federal é importante, claro, mas para fortalecer os órgãos ambientais, precisamos de recursos que sejam bem planejados e incluídos na administração pela Lei Orçamentária também”, avalia.
Ações governamentais
O período de vazante dos rios no Amazonas começa em maio e vai até o fim de outubro. Os meses entre agosto e setembro costumam ser os mais secos. A ausência das chuvas neste ano é agravada por dois fatores: o efeito do El Niño e o aquecimento do Oceano Atlântico Norte. Aliado a isso, o impacto das altas temperaturas também amplifica a crise.
O Amazonas teve dias de recordes de temperatura entre setembro e outubro. Em 10 de outubro, Manaus registrou 40º C. A média desse dia foi de 32º C entre 1961 e 1990. Entre 1991 e 2020, a média foi de 34º C. Ou seja, neste mesmo dia em 2023, tivemos um aumento médio de cerca de 6º C, em comparação à média de 2020.
Além do calor e da seca, as cidades da região metropolitana de Manaus convivem, há mais de dois meses, com uma intensa fumaça que encobre todo o céu e tem causado danos respiratórios, dor de cabeça, enjoo, falta de ar, entre outros impactos à saúde. Desde setembro, quando a fumaça tomou conta, as respostas governamentais começaram a ser mais claras e, então, o governo do Amazonas lançou a operação estiagem no dia 12.
Em 23 de setembro, a seca no Amazonas passou a ter repercussão nacional. Cientistas do Instituto Mamirauá encontraram 110 carcaças de botos no Lago Tefé, onde a água estava com temperatura elevada, de 39ºC. Quase 20 dias depois da assinatura do decreto de emergência, em 29 de setembro, o governo instituiu o Comitê intersetorial de Enfrentamento à Situação de Emergência Ambiental. “Tem muita gente já com dificuldade para ter acesso a alimentos, segurança alimentar, água potável e outros insumos que são importantes”, disse o governador Wilson Lima.
No dia 29, em reunião, o governador anunciou que existiam 55 municípios enfrentando a seca e decretou estado de emergência em cada um deles. Nessa data o governador decretou dispensa de licitação dos contratos para compra de “bens necessários às atividades de resposta ao desastre, de prestação de serviços e de obras relacionadas à reabilitação dos cenários dos desastres”.
Naquele dia, a previsão da Defesa Civil era de que, neste ano, teríamos 500 mil pessoas afetadas pela seca. Os dados do órgão mostram que já são 598 mil pessoas afetadas até 8 de novembro.
Governo federal
Somente depois disso, em 4 de outubro, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) esteve com Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, no estado do Amazonas. No dia 13, eles realizaram uma coletiva de imprensa anunciando o envio de 149 brigadistas para combate aos incêndios. Em julho, já tinham sido enviados 140.
“O que temos hoje é uma situação bastante perigosa porque há cruzamento de três fatores: grande estiagem provocada pelo El Niño, que é agravada pela mudança do clima; matéria orgânica em grande quantidade ressecada; fogo em propriedades particulares e dentro de áreas públicas de forma criminosa”, disse a ministra Marina Silva.
Em 18 de outubro, Alckmin anunciou, em reunião com ministros e com o governo estadual, que as ações federais somam R$ 628 milhões. Esses recursos incluem compras de aeronaves, embarcações, apoio para uso de helicópteros, trabalhos de drenagem nos rios, aumento do teto financeiro em hospitais e custos diretos dos municípios. Os recursos foram enviados para combater queimadas e enfrentar a seca.
Questionado sobre as ações federais, o ambientalista Carlos Durigan avalia que o estado precisa de mais suporte e de entendimento sobre o que estamos vivendo nesta emergência.
“O Brasil não conta com boa estrutura para enfrentamento de uma crise como essa. Não temos, por exemplo, o apoio aéreo como acontece em alguns países que já convivem com grandes queimadas há muito tempo e têm grandes aeronaves que transportam água e fazem pulverização de água sobre grandes extensões de queimadas”, diz.
“Não adianta ter um bom discurso, entender que isso é importante e simplesmente não fazer o que tem que ser feito para barrar. Nós já temos inteligência suficiente que mostra onde estão os problemas, quais são os municípios que mais desmatam e onde estão os desmatamentos, mas o enfrentamento desse problema não é feito à altura”, conclui.
O Ministério do Meio Ambiente e o governo do Amazonas foram questionados pela reportagem da InfoAmazonia sobre as medidas e o planejamento para redução dos impactos da seca, além das ações emergenciais. O Ministério do Meio Ambiente enviou as informações publicadas anteriormente nos sites oficiais do governo, incluídas nesta reportagem, e o governo do Amazonas não retornou até o fechamento desta publicação.
‘Decisões já poderiam estar acontecendo’
Desde a década de 60, os níveis das chuvas no Amazonas vão apresentando queda a partir do mês de maio, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Entre 1961 e 1990, a média de chuva para o mês, na estação de Manaus, foi de 279.3 milímetros.
Depois, isso mudou, com o clima ficando mais seco. Entre 1991 e 2020, a média foi de 233,3 mm nos meses de maio. Essa média é o que os técnicos chamam de normal climatológica, ou seja, a chuva esperada para aquele mês, com base no cálculo da média das últimas três décadas.
Neste ano, no entanto, o Inmet vem registrando níveis muito abaixo das médias nas estações do estado. Em maio, foram 119 mm em Manaus. No mês de junho, o esperado era de 117.2 mm, mas choveu apenas 50.1mm. Em agosto ficou ainda pior, com 18.2 mm, quando o esperado era 56.1mm. Essas mudanças são chamadas de anomalias climatológicas.
O meteorologista Sidney Abreu, do Inmet, afirma que todos esses dados mostram anomalias climáticas e que desde maio eles já indicavam sinais de alerta. Ele avalia que era o momento para iniciar planejamentos de contenção da seca.
“Quando a gente tem todas essas informações e as coisas começam a acontecer lá no Pacífico, é o caso do El Niño, existe um tempo de resposta em torno de três a quatro meses para que seja possível sentir o efeito aqui na região da Amazônia. Então, nesse período [maio e junho] tudo indicava uma tendência para um El Niño de moderado para forte, como realmente está acontecendo. Então, as tomadas de decisões já poderiam estar acontecendo nesse período, com certeza”, explica o meteorologista Sidney Abreu.