Plano Municipal de Saneamento Básico foi reeditado e publicado em 2020, mas três anos depois ainda não há mudança significativa na cobertura dos serviços e no avanço de obras de saneamento.
O município que será sede da COP30 em 2025 está entre os que possuem menor cobertura de tratamento de esgoto do país, segundo rankeamento divulgado pela organização Instituto Trata Brasil. Por ano, Belém gasta em saneamento básico R$ 84,27 por habitante, enquanto a média nacional é de R$ 91,03. A capital paraense figura em 95º lugar no ranking da cobertura de saneamento, entre as 100 cidades brasileiras pesquisadas pelo Instituto.
Em dezembro de 2020, a prefeitura de Belém publicou no Diário Oficial do município uma reedição do Plano Municipal de Saneamento Básico, oficialmente divulgado pela primeira vez em 2015, que foi revisado após as mudanças do Marco Legal do Saneamento, aprovadas em julho de 2020. A meta do Novo Marco é universalizar o acesso ao saneamento básico, em todos os municípios do país, até 2033. Belém, no entanto, tem o desafio de sediar a COP30 antes disso. As informações sobre o plano foram encontradas através do Diário do Clima, plataforma que monitora os diários oficiais dos municípios em busca de projetos e políticas públicas que tenham impacto em questões climáticas e ambientais.
O atual Plano de Saneamento Básico de Belém, que faz diagnósticos e projeções com olhar até 2040, estabelece como serviços de saneamento básico as ações envolvendo abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.
Para entender como está a implementação dessas ações, a reportagem da InfoAmazonia analisou dados do acesso ao saneamento em Belém desde a reedição do Plano em 2020. Com base nas informações mais recentes da Trata Brasil, referentes a 2020 e 2021, a cidade saiu de 17,1% para 17,12% da cobertura total de esgoto – ou seja, nenhuma mudança significativa foi vista neste período.
A InfoAmazonia analisou também os dados mensais disponibilizados pela Secretaria de Saneamento da prefeitura de Belém (Sesan) referentes às obras realizadas pela pasta. Sob a gestão do prefeito Edmilson Rodrigues (Psol), foram executados cinco contratos de obras entre 2022 até julho de 2023. Três desses contratos são para recapeamento e revitalização da malha viária e asfáltica de Belém e região metropolitana de Mosqueiro, Outeiro e Icoaraci. Os outros dois são para drenagem e pavimentação. Foram R$ 194 milhões em investimento nesses serviços.
A reportagem enviou questionamentos à Secretaria sobre as limitações e os planos para execução de novos contratos, sobre o andamento das obras em questão e perguntou sobre o número de obras, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
Além da Sesan, o município conta com o Programa de Saneamento da Bacia da Estrada Nova (Promaben), que também executa obras de saneamento básico em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Este programa começou em 2006 e continua até hoje. Ele tinha previsão de término para dezembro de 2022, mas não finalizou. O programa atende os bairros do Jurunas, Condor, Cidade Velha, Guamá, São Brás e Cremação. Apesar disso, as obras não conseguem atingir toda a capital.
A presidente do Instituto Trata Brasil, Luana Pretto, explica que o quadro em Belém reflete a situação de grande parte dos municípios da região Norte. “De um lado temos uma riqueza ambiental gigante e do outro lado a gente tem ainda esgotado aberto sendo lançado nos nossos rios. Isso reflete diretamente na saúde da população. O Pará, por exemplo, é o estado com maior número de internações por doenças de veiculação hídrica para cada dez mil habitantes”, explica.
Antes da edição mais recente, Belém já teve outros dois planos de saneamento: o Plano Belém 2000, elaborado na década de 80, e o Plano Diretor, de 2004. “O Plano é um dos passos para poder ter um instrumento de controle por parte da população, do Legislativo, mas por si só não é suficiente. A partir do momento em que temos índices tão ruins de saneamento, os investimentos precisam ser muito elevados. A lógica do saneamento básico é: o investimento vai se traduzir em obras, que vai se traduzir em maior percentual de população com acesso ao serviço”, explica Pretto.
De acordo com o Plano Nacional de Saneamento Básico, o investimento médio necessário para universalização do saneamento no país é de R$ 203 por habitante. No caso de Belém, além do município, o estado também conta com a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa), que é uma sociedade de economia mista. “Muitos planos no país estão sendo feitos como mero instrumento de comprovação de uma parte da política e não necessariamente o plano reflete as obras necessárias, as contratações de escritórios de engenharias”, diz Pretto.
Crise climática e os rios da Amazônia
Nos últimos anos, a Amazônia vem sofrendo alterações no curso dos rios causadas por desmatamento e mudanças climáticas, que estão provocando diversas inundações e deslizamentos nas capitais da região. Com as fortes enchentes, as casas são tomadas pela água, que também geram doenças. De acordo com dados do Trata Brasil, no Pará, em média 17 pessoas a cada dez mil habitantes sofrem com doenças de veiculação hídrica. A média no país é de 6 a cada dez mil.
O engenheiro sanitarista Josué Rocha, que já foi secretário de saneamento do município paraense de Muaná, afirma que os déficits de saneamento podem ser mais um potencializador da crise climática. “A Amazônia não tem a mesma estrutura que as grandes cidades do país. Há 20 anos, tínhamos água in natura para beber nos rios, hoje tudo isso mudou. As águas estão contaminadas por esgoto doméstico e poluentes de pesticidas ou fármacos, tem todo tipo de poluente nas águas. Quando isso chega nas casas, as doenças são inevitáveis”, explica.
Em épocas de cheias, as enchentes impactam municípios dos estados do Pará, Amazonas, Acre e Amapá. Josué explica que as obras de infraestrutura são muito caras e que, para investir em saneamento básico, é necessário que o debate seja feito por toda a sociedade. “O foco da sociedade é: precisamos de água segura. Isso é uma evolução, mas até que ponto a sociedade paraense está disposta a financiar isso? Um projeto de saneamento é demorado e caro. A Cosanpa estuda hoje a criação de rede de esgoto em dois bairros de Belém e o orçamento é R$ 1 bi”, afirma.
Belém e a COP30
Para a COP30, as previsões são de que a cidade não consiga alcançar a universalização do acesso à água e esgoto. “É muito difícil conseguir atingir 100% de acesso até 2025. As obras de engenharia de saneamento levam muito tempo para serem executadas, precisa mesmo de agilidade. Primeiro o volume de investimento é muito grande, precisa fazer um diagnóstico, depois um projeto de engenharia, depois temos o licenciamento ambiental e só então a obra”, explica Luana Pretto.
No início do mês, a cidade recebeu os presidentes de Estado dos países amazônicos, para em outro grande evento: a Cúpula da Amazônia. Juntos, eles assinaram um documento em que reconhecem a importância da preservação e da presença dos povos da floresta, mas não se comprometeram com uma meta conjunta para reduzir o desmatamento.
Além disso, o evento separou os debates de grupos da sociedade civil. Dias antes, organizações promoveram conversas no “Diálogos Amazônicos”, assinando cartas que solicitaram mudanças dos governantes, mas que na prática não foram analisadas pelos chefes, que já tinham documento pronto.
O engenheiro Josué afirma que, para atingir, seria necessária uma revolução cultural e que a COP é uma oportunidade para que a cidade tenha um impacto na estrutura. “Dois anos é pouco tempo para uma obra de saneamento, os recursos já são difíceis de obter, mas o tempo é o pior, talvez não dê tempo de atender a COP, mas ela é mais um motivador para esse desafio”, afirma.