Imagens de satélite mostram que interrupção da exploração altera imediatamente a cor do rio. Operadores de dragas, que custam até R$ 7 milhões, dizem aguardar fim da operação para retornar ao local

Uma operação conjunta que vem se concentrando, ao longo dos últimos dias, em rios do Amazonas próximos à fronteira com a Colômbia queimou, até agora, pelo menos 29 dragas. Vídeos que circulam entre grupos de WhatsApp de garimpeiros mostram equipamentos em chamas. Uma fonte disse que explosivos também foram usados para inutilizar as embarcações. 

Uma equipe do Amazon Underworld esteve na região em fevereiro deste ano e chegou a contar mais de 80 dragas ao percorrer 226 dos 394 quilômetros do Rio Puruê

A ação, denominada Operação Ágata – Comando Conjunto Uiara, envolve as Forças Armadas, Ibama e Funai, entre outros órgãos, e se concentra nos rios Juami e Puruê, onde uma equipe de reportagem do projeto Amazon Underworld – uma aliança da InfoAmazonia com La Liga Contra el Silencio (Colômbia) e Armando.Info (Venezuela) – esteve em fevereiro deste ano e chegou a contar mais de 80 dragas ao percorrer 226 dos 394 quilômetros do Puruê, entre o rio Japurá e a comunidade de Purezinho, um minúsculo povoado de garimpeiros composto por casas simples de madeira e dois bordéis flutuantes conhecidos localmente como “barcos do amor”.

Garimpeiros, funcionários do governo e pessoas ligadas ao tráfico de ouro em Japurá estimaram haver cerca de 150 dragas operando ao longo do rio Puruê e seus afluentes e outros 150 ao longo do vizinho Rio Juami, que passa pela Estação Ecológica Juami-Japurá, uma unidade de conservação do governo federal. Isso significaria que a operação deste mês teria queimado apenas 10% do número de dragas que operam ali.

Laura Kurtzberg/InfoAmazonia

Dragas são escondidas na floresta até a poeira baixar

Isso pode ter acontecido porque, apesar do grande aparato montado pela operação nas últimas semanas, muitos garimpeiros deixaram o rio antes da chegada das forças de segurança, após ouvirem rumores e terem indícios de uma possível ação de combate na região. Um garimpeiro comentou à reportagem que ficou assustado ao ver um pequeno avião sobrevoando a área. Em resposta, alguns donos de dragas moveram as embarcações ou tentaram levá-las para rios e lagos próximos, escondidos por vegetação mais densa. 

Um outro garimpeiro partiu para Tefé, maior cidade da região, antes da batida, quando o dono da draga em que trabalhava a escondeu em uma comunidade ribeirinha. A tentativa, porém, não deu certo. “Eles [as forças de segurança] encontraram e queimaram”, comentou. 

Um dos vídeos mostra um garimpeiro jogando baldes de água em sua draga em chamas. Em outro, uma lancha cheia de policiais se aproxima de uma draga enquanto a pessoa que filma diz: “Não vai demorar muito até que eles peguem a nossa.”

Garimpeiro jogando baldes de água para apagar fogo em draga – Reprodução/Whatsapp

Região está entre as mais violentas da Amazônia

Devido à forte presença do garimpo ilegal, a região de Japurá é considerada uma das mais perigosas e violentas da Amazônia, inclusive pela própria polícia local. 

Apesar de sua localização remota e dos perigos do garimpo, o Puruê atrai trabalhadores pobres e com pouca educação formal. Ao longo do rio, tudo – desde a jornada de trabalho até refrigerantes, passando pela prostituição – é cotado em ouro. Isso torna os garimpeiros presas de piratas, especialmente na longa viagem da área onde as dragas estão até Japurá, cidade mais próxima da região mineradora, onde garimpeiros se abastecem e vendem as pedras preciosas. 

O Ibama estima que uma draga pode custar de R$ 600 mil até R$ 7 milhões. Ainda segundo o órgão, as 29 dragas destruídas poderiam ter produzido até cerca de R$ 23 milhões em ouro ilegal por mês. De acordo com a Marinha, a operação ainda apreendeu 1,1 tonelada de maconha e 7,3 kg de mercúrio – elemento extremamente tóxico e prejudicial ao meio ambiente, amplamente usado no garimpo – além de armas e munições.

Draga em plena operação no Rio Puruê, em fevereiro. Equipamentos trabalham 24 horas por dia e estima-se cerca de 300 entre os rios Puruê e Juami. Foto: Andres Cardona/InfoAmazonia

Há dragas também operando do lado colombiano da fronteira, no Parque Nacional Puré. A mineração aumentou na região depois que guardas florestais abandonaram o parque em 2020 por causa de ameaças de um grupo dissidente das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).

No ano seguinte, o Exército Brasileiro realizou uma operação contra guerrilheiros das FARC que extorquiam pagamentos em ouro de garimpeiros do lado brasileiro da fronteira. Os colombianos chegaram a extorquir até na cidade de Japurá.

Satélite mostra efeito imediato de saída das dragas

O impacto provocado pela ação das dragas nos rios é tão violento que, através de imagens de satélite, é possível observar em questão de poucos dias como a fuga dos garimpeiros e a interrupção dos trabalhos de exploração dos leitos provocam uma rápida alteração na coloração das águas. Na imagem à esquerda, do dia 3 de maio, vê-se o rio Puruê em cor café com leite, consequência da movimentação dos leitos dos rios provocada pelo maquinário das dragas. À direita, imagem de 17 de maio, após saída das dragas, o rio está mais próximo de sua cor natural, mais escura.

À esquerda, imagem feita dia 3 de maio, vê-se o rio Puruê em cor café com leite provocada pelo maquinário. À direita, imagem de 17 de maio, após saída das dragas

As dragas utilizadas nessa região são equipamentos enormes e, embora possam ter um aspecto improvisado, muitas têm estrutura de vários andares e são extremamente potentes. Normalmente, no andar de baixo, fica o maquinário, enquanto os trabalhadores e, às vezes, a família do garimpeiro, moram no andar superior, que normalmente conta com confortos como Wi-Fi e TV via satélite. 

Entre os enormes geradores de eletricidade, potentes motores e milhares de litros de água que caem em cascata, o barulho provocado pelas dragas é ensurdecedor. Da plataforma da embarcação, descem mangueiras gigantes até o leito do rio. São elas que, impulsionadas pelos fortes motores, sugam para cima da draga toda a lama que podem, onde uma máquina vai filtrar e separar o fino sedimento contendo ouro. Os garimpeiros, então, misturam isso com mercúrio. Este se liga ao ouro, formando uma espécie de caroço. Finalmente, eles aquecem o caroço com um maçarico, de modo que o mercúrio evapore e reste apenas a, agora, pedra de ouro.

Algumas dragas contam até com balsa de apoio, como esta, onde trabalhadores cozinham e comem. Foto: Bram Ebus/InfoAmazonia

Esse tipo de mineração causa grandes danos ao meio ambiente, enchendo os rios de lodo, alterando seu curso e destruindo ou modificando radicalmente o habitat de muitas espécies. O mercúrio, que provoca danos neurológicos, é despejado no rio e se acumula na cadeia alimentar, principalmente em peixes maiores e nos animais que os comem, inclusive humanos. O risco é especialmente grande para indígenas e ribeirinhos, que têm no peixe sua principal fonte de proteína.

Jogo de gato e rato é antigo na Amazônia

Os garimpeiros fazem o possível para ficar um passo à frente das forças de segurança. Em fevereiro, um dos que conversou com a reportagem, disse ter começado a trabalhar no Puruê na década de 1980 – quando o garimpo passou a ser explorado – e descreveu um jogo de gato e rato de décadas entre garimpeiros ilegais e policiais.

“Eu trabalhei aqui há 30 anos, quando as primeiras dragas vieram”, lembra. “Trabalhei o primeiro ano, e depois a gente começou a trabalhar em outros rios, justamente por causa da perseguição, porque nós não éramos legalizados. Quando vinha uma operação, a polícia fechava o garimpo e a gente se mudava para outro.”

Nem o risco de perder uma draga em um ataque desencoraja os garimpeiros. Nenhuma outra ocupação – com exceção, talvez, do tráfico de drogas – oferece a promessa de um retorno tão alto. Ainda que tenha seu equipamento queimado e destruído, o dono de uma draga pode recuperar o valor em poucos meses de exploração ilegal.

O garimpeiro que aguardava a operação em Tefé disse que não desistiria do negócio ilícito, com o qual lucrou uma média de 50 gramas de ouro por semana. Essa quantidade de ouro pode ser vendida, em Japurá, por cerca de R$ 15 mil. No entanto, ele estava frustrado. “Isso é muito difícil”, disse ele. “Eles só fazem isso com garimpeiro. Com esses caras que vendem droga eles não fazem nada”, afirmou. “Agora é ir atrás de trabalhar. Passei sete anos trabalhando como serralheiro e não consegui nem comprar um terreno. Aí fui trabalhar no garimpo, e em 1 ano comprei uma casa.”. Ao ser questionado sobre a possibilidade de voltar ao garimpo, ele refletiu: “Não sei, mas espero que sim. Quero terminar minha casa.”

Passei sete anos trabalhando como serralheiro e não consegui nem comprar um terreno. Aí fui trabalhar no garimpo, e em 1 ano comprei uma casa

 Garimpeiro que aguarda em Tefé para retornar à área onde operação está sendo realizada

Vai e vem na fronteira é estratégia de escape

Se os garimpeiros voltarem ao Puruê, será pelo menos em parte porque o Ibama não tem pessoal suficiente para monitorar a Amazônia, explica Suely Araújo, ex-presidente do órgão e especialista da ONG Observatório do Clima. “O governo Lula pegou os órgãos ambientais em situação de terra arrasada, deslegitimados, desorganizados”, avalia ela, acrescentando que o novo governo está empenhado em fazer cumprir a lei na Amazônia, mas a reorganização levará tempo. “O país não pode ser dominado pelo crime. A república precisa ser refundada em algumas partes do território amazônico que estão sofrendo pela falta de Estado. Estão dominadas por bandidos, na verdade”, conclui.

A república precisa ser refundada em algumas partes do território amazônico que estão sofrendo pela falta de Estado. Estão dominadas por bandidos, na verdade

Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista da ONG Observatório do Clima

O estreito e sinuoso rio Puruê sai da Colômbia, onde é chamado de Puré. O fato de ele atravessar a fronteira dificulta muito as operações de combate ao garimpo ilegal, já que as embarcações conseguem com relativa rapidez e facilidade atravessar para o outro país, onde as forças de segurança do vizinho não podem atuar.

O trabalho intenso das dragas no leito dos rios gera grande volume de lama, alterando até mesmo curso das águas e impactando todo o ecossistema. Proximidade com fronteira dificulta combate à atividade. Foto: Alex Rufino

Em março de 2022, as forças armadas colombianas destruíram duas dragas, prenderam três brasileiros e retiraram pelo menos 12 dragas do país, de acordo com o Ministério da Defesa da Colômbia. Porém, de acordo com fontes policiais colombianas ouvidas pela reportagem, também em 2022, durante um sobrevoo de helicóptero em preparação para uma operação contra as dragas, as autoridades locais avistaram 10 dragas em funcionamento. No entanto, no dia seguinte, todas elas tinham se deslocado para o Brasil, para fugir das forças de segurança colombianas. As mesmas fontes reforçam que as operações na região são ineficazes se não forem realizadas em conjunto com o governo do outro país. 

Questionado sobre se a operação em curso neste momento estava sendo coordenada de alguma maneira com forças colombianas, o Comando do 9º Distrito Naval (AM) limitou-se a informar que a operação “tem o objetivo de combater crimes transfronteiriços e ambientais, além de intensificar a presença do Estado Brasileiro na faixa de fronteira. É coordenada pelo Ministério da Defesa e executada pela Marinha do Brasil, Exército Brasileiro e Força Aérea Brasileira em cooperação com órgãos federais, estaduais e municipais e agências governamentais”, nada mencionando sobre cooperação ou apoio com o país vizinho.


Esta publicação é parte do projeto Amazon Underworld (O Submundo da Amazônia), uma investigação conjunta da InfoAmazonia (Brasil), La Liga Contra el Silencio (Colombia) e Armando.Info (Venezuela). O projeto tem como objetivo mapear a atuação de grupos armados na Amazônia e a sua íntegra será publicada em julho. O trabalho é realizado em colaboração com a Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center, e financiado pela Open Society Foundation e pelo Foreign, Commonwealth & Development Office.

Sobre o autor
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Bram Ebus

Jornalista freelancer, investigador e fotógrafo holandês que vive em Bogotá, na Colômbia. Com mestrado em criminologia global, tem vasta experiência de campo na América Latina e forte enfoque em...

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Rodrigo Pedroso

Jornalista e sociólogo brasileiro, cobre histórias sobre meio ambiente e direitos humanos. Seus artigos foram publicados em diferentes meios de comunicação, como Piauí (Brasil), BBC Brasil, El País...

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5 comments

  1. Tem muita informação errada nessa matéria.
    Muita Mentira mesmo…
    A verdade é que o garimpo sustenta muitas famílias, muitos pais de família tira o sustento do garimpo.
    O garimpo gera muita renda e empregos.
    O governo devia buscar formas de legalizar e não atacar quem estar trabalhando como se fosse Bandido.
    Garimpeiro também é Brasileiro e merece ter permissão para trabalhar.

    1. Meu amigo o principal erro é ter um equipamento desses dentro de um rio. Nossa mãe Terra precisa ser cuidada por todos nós. O que o governo precisa fazer urgentemente é praticar as políticas públicas de ajuda à população para que percebam que preservando também se vive e muito melhor. Respeitar a natureza é se harmonizar com Deus.
      O alimento ele proverá sempre.
      Permaneça no amor de Deus!

  2. Nada justifica a destruição da natureza.
    O governo tem que agir sim e com profundidade. Adotar políticas públicas para mudar a situação de forma que o garimpo deixe de ser sustento de famílias. Todos perdem nessa loucura desenfreada que só destrói.

  3. As mesmas pessoas que são contra o garimpo são as que consumem ouro, você acha que sua aliança com ouro veio de onde???
    A mineração é extremamente importante, o seu celular, computador e vários equipamentos possuem ouro na composição.
    É hipocrisia ser contra mineração, precisamos ver maneiras de legalizar atividade para monitorar e minimizar os impactos.
    A própria atividade de queima de dragas gera um impacto no leito dos rios, já imaginou tantas carcaças queimadas no fundo do rio? E ninguém fala sobre esse Impacto.

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