A criação extensiva de gado em terras indígenas é proibida pela Constituição de 1988, que diz que essas áreas “são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”.
Com base nesse fundamento, queríamos entender qual era o tamanho das áreas de pastagem nas terras indígenas e o quanto essa área cresceu nos últimos anos. Com a colaboração de uma equipe multidisciplinar, entre jornalistas, cientistas e profissionais de visualização de dados, no Laboratório de Geojornalismo da InfoAmazonia nasceu a reportagem que, além de um diagnóstico completo da evolução das áreas de pasto em terras indígenas, também buscou identificar os motivos dessas invasões que converteram a floresta em pasto.
Com o apoio do MapBiomas, analisamos os dados de cobertura do solo nas terras indígenas e descobrimos que o pasto não só cresceu nessas terras como avançou, em um ritmo três vezes mais acelerado entre 2018 a 2021, em relação aos quatro anos anteriores. Mais de 70% da área ocupada pelas novas pastagens estão concentradas em apenas 15 terras indígenas da Amazônia Legal.
Como investigamos:
Analisamos dados da cobertura do uso do solo brasileiro entre 1985 e 2021, atual período da série histórica mapeado pelo MapBiomas. Especialmente as pastagens de uso antrópico, e com um recorte específico dentro das terras indígenas.
Usamos a ferramenta de geoprocessamento e de código livre, QGIS, para cruzar dados espaciais da cobertura de pasto, disponibilizados pelo MapBiomas, com áreas embargadas pelo Ibama nas terras indígenas da Amazônia, assim conseguimos identificar onde e como a floresta virou pasto.
A partir desses dados, começamos a descobrir quem são as pessoas por trás dessas invasões.
Em alguns casos, as invasões estão diretamente relacionadas com a crescente demanda dos frigoríficos por carne, em outros, o pasto e o gado surgem como elementos principais em complexos esquemas de grilagem de terras indígenas, principalmente onde ainda não há homologação definitiva.
Um dos dados mais relevantes que identificamos foi o crescimento vertiginoso de pasto na Terra Indígena Ituna-Itatá, onde vivem povos em isolamento. Em quatro anos (2018 a 2021), foram abertos o equivalente a mais de oito mil campos de futebol em pastagens para criação de gado: 8,7 mil hectares.
Bases de dados utilizadas
Como analisamos e limitação dos dados
A análise da evolução temporal da cobertura de pasto considerou períodos de quatro em quatro anos, por orientação dos cientistas do MapBiomas. Isso foi necessário porque o último ano da série histórica passa por consolidação no ano seguinte, então, segundo os técnicos da rede, não seria preciso uma análise centrada nele.
Já no caso dos dados de embargos do Ibama, foi preciso reduzir o escopo da investigação apenas aos registros onde foi possível identificar autoria das infrações. Isso foi necessário porque na base analisada há 97 áreas embargadas onde não é possível identificar os infratores, sendo 74 casos com o campo nome do infrator em branco e 23 com a informação de que se trata de infrator “desconhecido”.
Na base do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), identificamos 302 imóveis rurais registrados dentro de terras indígenas utilizando o mesmo processo de análise geoespacial no Qgis. E na base do Cadastro Ambiental Rural (CAR) realizamos consultas pontuais nos casos analisados. Aqui nesta pasta estão os shapefiles gerados dessas consultas.
Para as análises estatísticas destas bases de dados —onde foram realizados cálculos para identificar padrões e tendências— utilizamos a linguagem de programação Python, por meio do pacote Pandas. Para ter acesso aos códigos de análises, acesse aqui o notebook documentado.
Fontes e cientistas consultados
Entrevistamos antropólogos, líderes indígenas, indigenistas e especialistas ambientais que estudam e pesquisam o tema. Revisitamos disputas antigas, e que parecem intermináveis, como na TI Kayabi, entre o Mato Grosso e Pará, onde há 29 mil hectares de pasto. Nessa área, um dos embargos revela existência de “lavagem de gado”.
Ao executar buscas na Internet para conhecer melhor quem são os nomes que apareceram no resultado das nossas análises, encontramos o pecuarista Marcio Boritza, um vaqueiro que registra o dia a dia na Fazenda Sol Nascente, que segundo o MPF foi instalada ilegalmente na Terra Indígena Piripkura. Além de informar a localização da fazenda e de marcar parceiros de negócios, como uma grande leiloeira de gado, ele também deixou telefone para anunciar a venda de novilhos.
Trocamos mensagens perguntando sobre o gado e ele confirmou ter 120 novilhos na fazenda. Entre 2008 e 2021, Boritza foi multado sete vezes e teve quatro áreas embargadas dentro da terra indígena. Ele foi multado, inclusive, por descumprir os embargos do Ibama e acumula R$ 1,5 milhões em multa.
O engenheiro florestal Paulo Barreto, pesquisador do Imazon que investiga a dinâmica do desmatamento na Amazônia, foi claro e contundente sobre o desinteresse dos grandes frigoríficos em controlar a cadeia de ponta a ponta e como essa tolerância encontrou na gestão Bolsonaro um porto seguro.
Fontes consultadas:
Nome | Instituição | Lattes | Redes |
Adriano Karipuna | Liderança indígena | https://twitter.com/adrianotangarei | |
Gilberto Vieira dos Santos | Conselho Indigenista Missionário (CIMI/ Mato Grosso) | http://lattes.cnpq.br/2966413167393419 | |
Julia Shimbo | MapBiomas | http://lattes.cnpq.br/5808267541004037 | |
Marcos Rosa | MapBiomas | http://lattes.cnpq.br/2351326432931220 | |
Paulo Barreto | Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) | http://lattes.cnpq.br/3629044956953829 | |
Tiago Moreira | Instituto Socioambiental (ISA) | http://lattes.cnpq.br/9652227343468674 | |
Virgínia Miranda | Conselho Indigenista Missionário (CIMI/Rondônia) |
Este material é parte do Laboratório InfoAmazonia de Geojornalismo, realizado com o apoio do Instituto Serrapilheira, para promover e difundir o conhecimento científico e análise de dados geográficos na produção jornalística.