Novo relatório da Comissão Pastoral da Terra ratifica a explosão da violência na Amazônia Legal e mostra que os indígenas representam 38% dos assassinatos em áreas rurais do Brasil em 2022. Em 4 anos de governo Bolsonaro, a alta foi de 200% em relação ao mesmo período anterior. Nesta quarta-feira (19), povos originários são homenageados no Dia dos Povos Indígenas.

O relatório anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT: A Comissão Pastoral da Terra (CPT) nasceu em 1975 durante o Encontro de Bispos e Prelados da Amazônia, convocado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ela já nasceu ligada à Igreja Católica e foi fundada em plena ditadura militar, como resposta à grave situação vivida pelos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia.) sobre os conflitos no campo atesta como a população indígena do Brasil, e principalmente da Amazônia Legal: É uma região que ocupa quase metade do território brasileiro, abrange 9 estados e tem área superior ao do bioma amazônico., foi alvo de crimes durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) – mais uma fase de luta além de toda a trajetória desde a invasão portuguesa. Em 2022, 38% dos assassinatos em áreas rurais brasileiras (18 pessoas) foram de integrantes dos povos originários do país. Neste dia 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, essas vítimas poderiam estar sendo homenageadas.

Em 4 anos de governo Bolsonaro (2019 a 2022), foram 42 assassinatos de indígenas: em 2019, houve 10 registros; em 2020 e 2021, o número foi o mesmo: 7; já em 2022 saltou para 18. A alta é de 200% em relação aos anos 4 anos anteriores (14 mortes de 2015 a 2018).

Os números dos conflitos no campo

– Em 4 anos de governo Bolsonaro, foram 42 assassinatos de indígenas, uma alta de 200% em relação aos 4 anos anteriores (14 mortes)
Em 2022, foram 553 conflitos em áreas rurais do Brasil – índice 50% maior do que em 2021 (368)
1.065 pessoas perderam a vida devido a essas ocorrências no ano passado – número 30% maior do que em 2021 (819 mortes)
– Dentre os assassinatos de 2022 (47), 18 (38%) foram de indivíduos indígenas
– Dentre essas mortes no país no ano passado, 72,4% (34 de todos os homicídios) ocorreram na Amazônia Legal leia mais abaixo 
– 19% dos assassinatos são de Sem Terra
Ambientalistas, assentados e trabalhadores assalariados representam, cada grupo, 7%

Fernanda Pierucci / InfoAmazonia
Mulheres indígenas em marcha no Acampamento Terra Livre, em Brasília, em 2022

“É fundamental nós conhecermos quem são esses povos, onde estão, o que sofrem, aquilo que trazem em seus modos de vida,” destacou Isolete Wichinieski, da Coordenação Nacional da CPT, durante apresentação do relatório em uma conferência pública na Universidade de Brasília (UnB). A declaração ocorreu na segunda-feira (17), Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária e Dia Internacional da Luta Camponesa e, até por isso, Wichinieski lembrou outras trágicas ocorrências registradas no interior do Brasil ao longo da história.

“Hoje, Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária e Dia Internacional da Luta Camponesa, e também na data em que se completam 27 anos do massacre de Eldorado dos Carajás, é dia de fazermos a memória dos 19 trabalhadores que foram assassinados na Curva do S, no Sul do Pará, e de tantos outros camponeses e camponesas que foram mortos. No ano passado, foram 47 assassinatos no campo, seis foram mulheres. Para muitos, pode parecer pouco. Mas, para nós, significa muito. Enquanto uma pessoa estiver sendo violentada, enquanto estiver ocorrendo violência e morte no campo, é nossa tarefa enquanto Igreja denunciar e dizer que essa realidade precisa ser mudada”, afirmou.

No ano passado, foram 47 assassinatos no campo, seis foram mulheres. Para muitos, pode parecer pouco. Mas, para nós, significa muito. Enquanto uma pessoa estiver sendo violentada, enquanto estiver ocorrendo violência e morte no campo, é nossa tarefa enquanto Igreja denunciar e dizer que essa realidade precisa ser mudada.

Isolete Wichinieski, da Coordenação Nacional da CPT

Entre os casos mais emblemáticos de 2022, estão dois assassinatos de indígenas registrados no interior do Maranhão. O “guardião da floresta”, Janildo Oliveira Guajajara, perdeu a vida com dois tiros nas costas. Enquanto outro morador da Terra Indígena Arariboia no sudoeste do Estado, Jael Carlos Miranda Guajajara, foi atropelado e também morreu. Os indígenas da região são alvos constantes de ameaças por parte de madeireiros que atuam na região. O grupo dos chamados guardiões da floresta atua para proteger a terra indígena tanto de madeireiros quanto de caçadores.  

Divulgação / Cimi
Janildo Oliveira Guajajara foi morto a tiros em setembro de 2022

A geografia da violência no interior do Brasil escancara o fato de a Amazônia Legal, mais uma vez, estar na berlinda. A macrorregião, atestam os dados da CPT, registrou 64,5% dos atos de violência contra a pessoa no ano passado, um número quase 40% maior do que havia sido registrado em 2021. Em termos de conflitos em geral, foram detalhados 1.107 casos no campo em 2022, dos quais a Amazônia representa 55% de todo o país. O número é o segundo maior já registrado pela CPT, ficando atrás apenas de 2020. Os números comprovam como as ocorrências subiram durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.

No ano passado, a violência tirou a vida de 34 pessoas na Amazônia Legal, ou 72,4% dos assassinatos identificados no país. Os estados de Rondônia e Maranhão contabilizaram sete assassinatos cada um, seguidos por Pará (5), Amazonas e Roraima (4 cada um). Entre 2013 e 2022, o Pará foi o estado que mais registrou assassinatos decorrentes de conflitos no campo (104), seguido de Rondônia (91) e Maranhão, informa o relatório. 

“O que os dados mostram é o avanço de uma marcha de apropriação de territórios bloqueados, ou seja, as áreas indígenas, de reforma agrária e de uso sustentável ainda não totalmente regularizadas”, afirma Adriano Rodrigues de Oliveira, professor do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) da Universidade Federal de Goiás (UFG), um dos autores do relatório da CPT.

O que os dados mostram é o avanço de uma marcha de apropriação de territórios bloqueados, ou seja, as áreas indígenas, de reforma agrária e de uso sustentável ainda não totalmente regularizadas.

Adriano Rodrigues de Oliveira, professor da UFG

Além disso, a inoperância do Estado também está muito presente na Amazônia, segundo os dados do relatório recém-lançado. Entre os casos de conflitos em que os participantes dos crimes foram identificados em 2022, o governo federal aparece em segundo lugar, atrás apenas dos fazendeiros, informa Pinto. “Principalmente pela omissão de, por exemplo, dar acesso à saúde aos territórios ou estimular, pela não fiscalização, o uso indiscriminado de agrotóxicos”, avalia o pesquisador Thales Pinto, do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno. 

Para Pinto, conhecedor do histórico dos dados gerados pela CPT, a Amazônia Legal – principalmente a zona de 454 mil km² do grande projeto denominado Zona de Desenvolvimento Sustentável (ZDS) Abunã-Madeira (Amacro), que engloba 32 municípios localizados no sul do Amazonas, leste do Acre e noroeste de Rondônia – e a região do Matopiba (acrônimo que determina as fronteiras entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), formam dois epicentros do problema gerado pelos conflitos no campo atualmente.

Direito à terra

A questão do direito à terra, afirma a professora Elaine Moreira, coordenadora do Observatório dos Direitos e Políticas Indigenistas (OBIND), é uma das formas de combater a violência contra os indígenas. “A questão da terra e sua legalização por parte do estado é fundamental. Mesmo na Terra Indígena Yanomami, o Estado democratico está agindo agora, entre outros motivos, porque é uma terra indígena homologada”, afirma a pesquisadora. “A violência nunca deixou de existir contra os povos indígenas. Há conflitos abertos, a segurança nunca foi vista com um direito dos povos indígenas. Sempre atuaram contra eles”, ratifica Elaine. 

A violência nunca deixou de existir contra os povos indígenas. Há conflitos abertos, a segurança nunca foi vista com um direito dos povos indígenas. Sempre atuaram contra eles.

Elaine Moreira, coordenadora do Observatório dos Direitos e Políticas Indigenistas

A coordenadora do OBIND lembra, por exemplo, o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima – a homologação iniciada nos anos 1970 passou por pendências judiciais até 2009, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu a questão. “A área viveu tempos de conflitos – fogo em escolas, igrejas e aldeias, bombas contra indígenas, invasão da escola de Surumu, assassinatos como o do Aldo Macuxi, entre outros – que só diminuíram após a demarcação da terra e a retirada dos invasores, no caso, os arrozeiros”, diz Elaine.

Para a especialista, além da questão da terra, outro caminho importante que precisa ser trilhado é o da não repetição das violências estruturais: Tipo de violência em que não há apenas um autor identificável que cause o dano, nem um único responsável. Muita vezes, ela está ligada a questões socioeconômicas e históricas de uma determinada região, país ou, inclusive, do mundo., como a demonstrada todos os anos por estudos como o da CPT. “Esse é um compromisso que o Estado deve tomar, mas que a sociedade civil precisa dizer onde estão e como se reproduzem essas repetições”, diz. Segundo ela, a participação dos povos indígenas nesse processo de monitoramento e denúncia às autoridades competentes é essencial. 

J Ratcliffe/ / Greenpeace
Bruno e Dom foram assassinados em junho de 2022

Neste sentido, Beto Marubo, da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), lembrou o trabalho de indigenistas como Bruno Araújo Pereira – os assassinatos dele e do jornalista britânico Dom Phillips entraram na estatística divulgada pela CPT nesta semana. 

Para Marubo, Bruno deixou um legado. Ele conta que a capacitação técnica feita pelo ex-funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai) no Javari fez com que 30 indígenas passassem a ter condições de ajudar na vigilância do território e a elaborar documentos técnicos com denúncias sobre as violações.     

“Bruno ensinou mapas, programação de computadores, georreferenciamento e pilotagem de drones para termos relatórios técnicos. Antes, o que acontecia? A gente chegava no Ministério Público Federal e na Polícia Federal, e nossas mensagens eram inócuas. Diziam: precisamos de provas, vocês têm que comprovar”, relembrou. Assim, o quadro mudou com a chegada de Bruno na região. As lideranças capacitadas no passado, hoje, estão replicando o que aprenderam.

Acesse os dados completos do relatório no site da CPT


Reportagem da InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

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