Desintrusão garimpeira no território Yanomami, proteção dos povos isolados e demarcação de 13 terras indígenas nos primeiros 100 dias do governo estão entre as prioridades apresentadas pela secretária de Direitos Territoriais e Ambientais do novo ministério.
Liderança do povo Guarani Mbya da Terra Indígena Morro dos Cavalos (SC), onde foi a primeira cacica mulher, Eunice Kerexu Yxapyry agora ocupa uma das áreas mais estratégicas do recém criado Ministério dos Povos Indígenas (MPI). Sob seu comando, a Secretaria de Direitos Territoriais e Ambientais Indígenas terá papel direto nos processos de demarcação de terras indígenas e na proteção ambiental dos territórios.
Gestora ambiental formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e mestranda em planejamento e gestão territorial, Kerexu leva para o MPI uma trajetória de perseverança na luta pelos direitos dos povos indígenas. Em 2022, assim como as eleitas Sonia Guajajara (SP) e Célia Xakriaba (MG), se lançou candidata à deputada federal por seu estado pelo PSol. Foi a mais votada do partido, mas não se elegeu.
Após a atuação no Grupo de Trabalho da equipe de transição do novo governo, seu nome foi escolhido como consenso para assumir o cargo no ministério, onde atuará diretamente ao lado da ministra Sonia Guajajara.
Kerexu recebeu a InfoAmazonia na sede do novo ministério, em Brasília, onde falou das prioridades e dos desafios da pasta. Acabar com o garimpo no território Yanomami, restituir a proteção de povos isolados e garantir a demarcação de terras indígenas com processos já adiantados são algumas das primeiras ações previstas para esse início de gestão.
Confira a entrevista completa abaixo.
InfoAmazonia – Como foi a chegada no Ministério dos Povos Indígenas e qual foi a primeira impressão diante das demandas e desafios?
Kerexu – Essa é uma luta política que construímos ao longo de muito tempo. O governo, de certa forma, sempre foi uma barreira para alcançarmos nossos direitos, por mais que eles estivessem garantidos em lei. Agora, nós estamos aqui no governo, do outro lado da mesa, para ocupar esse espaço e pensar junto com as lideranças que agora vão estar nos cobrando. Eu digo que essa é uma construção de 523 anos. Nós sabemos muito bem o que não queremos dentro da questão indígena, nos preparamos muito até chegar aqui, mas sabemos também das nossas limitações. Nós estávamos até pouco tempo atrás com uma política que dizia que não haveria nenhum centímetro para territórios indígenas. E isso era uma realidade muito assustadora para nós indígenas.
Como será deixar a liderança da TI Morro dos Cavalos para assumir o cargo em Brasília?
Para mim, foi uma decisão bem difícil ter que deixar a liderança terra indígena, mas eu sei que aqui eu posso construir ainda mais para o meu povo e para as demais comunidades indígenas. Eu tenho uma ligação muito forte com a luta pela preservação ambiental do nosso território, que está na Mata Atlântica, e tenho muitos muitos projetos e muitos sonhos a serem realizados. E um deles está bem próximo, que é a homologação da Terra Indígena Morro dos Cavalos, que está na lista dos 13 territórios que devem ser reconhecidos nesses primeiros 100 dias de governo.
Quais são as principais prioridades neste início de gestão?
Nós temos muitas prioridades. Mas entre as principais urgências está a retirada dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami [Roraima], que será um trabalho que vai envolver outras estruturas do ministério e articulação com outras pastas, como Ministério da Justiça, Meio Ambiente e a Saúde Indígena. A prioridade é tirar os garimpeiros da Terra Indígena Yanomami. Nesses primeiros dias de trabalho nos dedicamos a fazer um planejamento para mapear toda a situação e nosso objetivo é que esta ação ocorra de forma bastante organizada.
E já há alguma diretriz ou definição sobre os povos isolados que estão em áreas onde as portarias de proteção não foram renovadas?
Também temos como prioridade a atenção especial aos povos isolados e de recente contato, muitos totalmente desprotegidos. Nós vamos trabalhar para proteger esses povos e seus territórios. E essa é uma ação que deve ocorrer nesses primeiros 100 dias de governo junto com a homologação das 13 terras indígenas indicadas pelo Grupo de Trabalho da transição. Nosso papel aqui na Secretaria de Direitos Territoriais e Ambientais Indígenas é o de também fazer a interlocução com vários agentes, seja União, estados ou municípios, para que possam agir na garantia da proteção desses territórios. Nós vamos reforçar as equipes de fiscalização territorial que passaram por um desmonte, não só para garantir a proteção de demarcação no papel, mas também para que ela seja cumprida na prática. A gente sabe que muitas terras homologadas continuam sendo invadidas, então demarcar é só o primeiro passo.
Qual será o papel da Secretaria de Direitos Territoriais e Ambientais nos processos de demarcação de Terras Indígenas?
O processo de demarcação continua na Funai. E, a partir da aprovação desses processos pela Funai, eles vêm para nossa Secretaria e nós estaremos atuando conjuntamente com outras estruturas do ministério para fazer uma avaliação técnica. Nós teremos um departamento de demarcação de terras e uma assessoria jurídica que vai atuar nesses processos. Sabemos que há uma grande demanda e vamos ter bastante trabalho para concluir esses estudos em conjunto com a Funai. Nós já temos 13 processos de demarcação prontos para serem homologados. São terras onde não há nenhuma pendência judicial e os estudos estão prontos. Mas temos muitos outros processos aguardando onde vamos atuar. Dentro da questão ambiental, nós temos sobreposições com parques e unidades de conservação, temos áreas de conflitos, desmatamento. Então, esse será um dos principais pontos que vamos atuar nesses processos de demarcação.
Dentro da questão ambiental, quais projetos podem ser desenvolvidos dentro dos territórios indígenas?
A nossa ideia é trabalhar a questão da educação ambiental e projetos de preservação da floresta com as comunidades. Nós vamos trabalhar bastante para que as comunidades tenham seus próprios planos de gestão e isso será uma construção coletiva, com as comunidades, para que elas consigam pensar e implantar a governança territorial. Nós criamos o Fundo do Bioma Indígena, que será captado com financiadores em projetos de preservação e que será usado para subsidiar e apoiar ações para construção e implementação desses planos.