Uma das lideranças identificadas em redes sociais depois da tentativa de golpe de Estado em Brasília, apontou o ruralista Alípio Maggi como um dos financiadores das ações contra os três poderes da República.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, informou, nesta terça-feira, 10, que empresários do agronegócio, comerciantes e colecionadores de armas estão entre os financiadores da tentativa de golpe de Estado realizada no último domingo, 8, por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Há pessoas vinculadas ao segmento do agronegócio, há vinculados ao segmento dos CACs [Caçadores e Atiradores]. São pessoas de vários perfis”, afirmou Dino.
Empresários ligados ao agronegócio já haviam sido identificados e estão sendo investigados por participar de atos antidemocráticos anteriores, como os ocorridos em 7 de setembro de 2021 que tinham como alvo o Supremo Tribunal Federal (STF).
As convocações nos grupos de apoio do ex-presidente Bolsonaro para os atos terroristas em Brasília deixavam claro que a viagem para a Capital Federal e as refeições seriam gratuitas. As mensagens circularam com nome e telefone dos responsáveis pelas caravanas, com saídas de diversas regiões do país. E segundo alguns dos próprios envolvidos na organização dos atos golpistas, parte dessa conta foi paga por pessoas ligadas ao agronegócio.
“Maggi, empresário do AGRO (sic) da Amazônia, forneceria a princípio 3 mil ônibus para Brasília, entretanto, após 48 horas, lograram 16 mil ônibus fretados”, escreveu um dos líderes da organização dos atos terroristas Ramiro Alves Da Rocha Cruz Junior, mais conhecido como Ramiro dos Caminhoneiros, em uma nota oficial negando que tenha sido ele quem forneceu milhares de ônibus de diversas partes do país como indicavam mensagens em redes sociais.
As mensagens que circularam nos grupos de apoio ao ex-presidente Bolsonaro no WhatsApp e Telegram colocavam o número de telefone de Ramiro como referência: “Quem precisar de ônibus para Brasília, só chamar no WhatsApp […] Ramiro Caminhoneiro está disponibilizando 3.000 ônibus”, dizia a mensagem incluindo que o transporte era “de graça”. Ramiro foi candidato a deputado federal pelo Partido Liberal (PL) em São Paulo, mas não se elegeu.
Segundo divulgou a Polícia Federal, foram identificados 86 veículos envolvidos nos episódios do último domingo, a maioria vindo das regiões Sul e Sudeste, número bastante inferior ao citado pelo caminhoneiro.
Alípio Maggi, citado na nota de Ramiro como fornecedor dos ônibus, é primo do sojeiro Blairo Maggi, ex-senador e ex-ministro da Agricultura no governo de Michel Temer. Alípio é sócio da Maggi Alimentos Agroindustrial, com sede em Porto Velho, e de empresas na área da construção civil e coleta de lixo em Manaus, onde vive. Apesar da manifestação pública de Ramiro, Alípio Maggi não comentou o assunto e também não respondeu aos pedidos de entrevista do InfoAmazonia.
Questionada sobre a citação ao empresário Alípio Maggi como financiador dos atos, a advogada de Ramiro, Ana Luiza Correa de Castro, que assina a nota oficial de seu cliente, disse que foram veiculadas “informações inverídicas e tendenciosas em relação à nota oficial”. Ana Luiza não quis responder aos questionamentos da reportagem sobre o conteúdo da nota.
“Brasília presica lotar
Na internet, diversos perfis se dedicam em divulgar a identidade dos participantes que registraram presença nos atos de depredação. Apesar das pistas e denúncias sobre financiadores da tentativa de golpe de Estado, seus nomes ainda não foram divulgados pela Polícia Federal. Pelo menos 10 fazendeiros já teriam sido identificados pela PF como financiadores, segundo informou o colunista Leandro Mazzini, da Isto É.
Segundo o ministro Flávio Dino, 150 equipes participam da operação para identificar os responsáveis pelos atos terroristas. “Já temos mandados de prisão expedidos, e outros serão expedidos, conforme a necessidade”, garantiu, afirmando que haverá empenho para que os envolvidos sejam punidos.
Nos dias que antecederam os atentados terroristas, as convocações compartilhadas por grupos de WhatsApp e Telegram também evidenciam que havia uma grande oferta de ônibus, com vagas sobrando. As convocações tinham forte destaque para o fato das despesas estarem pagas, incluindo comida e ônibus gratuitos.
No Twitter, circularam cenas de manifestantes recebendo grandes volumes de carne nos acampamentos.
Dia 07/01/23 vem para Brasília
— Ivan Carlos (@IvanCar64436360) January 7, 2023
Uma tonelada de carne para festa da Selma pic.twitter.com/t8Gaf0EtWg
Alguns anúncios falavam “tem ônibus sobrando” e que “é um chamado crucial, ou será a escravidão e a miséria de todos”, “Brasília presica lotar”.
Possivelmente, os grandes financiadores dos atos não estavam entre os participantes dos atos golpistas no domingo. Segundo a TV Globo, presos em Brasília afirmaram em depoimentos terem recebido financiamento para participar dos ataques e que em muitos casos o patrocínio veio de estados amazônicos onde eles não moram, como Pará, Rondônia e Mato Grosso.
Entre os 1167 presos (segundo lista atualizada pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap-DF) nesta quinta-feira, 12/01) há pessoas de perfis diversos, como servidores públicos, militares, pequenos empresários e também um grande número de pessoas que aparecem nas listas de beneficiários de programas sociais, como Auxílio Brasil.
E também há entre os detidos pessoas diretamente ligadas ao agronegócio, como o criador de gado Ary Marcos de Paula Bárbara, que também é empresário da área de engenharia elétrica e automação industrial no interior de São Paulo, e o político e radialista Luís Augusto Militão, aliado político do deputado federal Domingos Sávio (PL-MG), parlamentar da bancada ruralista. Sávio foi barrado na sede da Polícia Federal quando tentava visitar os presos pelos atos golpistas. Militão foi liberado na manhã desta terça por ser considerado de idade avançada e ter comorbidades.
Setor tenta se isentar
Desde que o presidente Lula apontou relação dos atos golpistas com pessoas ligadas ao “agronegócio maldoso”, ainda no domingo, organizações do setor se mobilizam para manifestar isenção nos atos.
Na ocasião, o presidente afirmou: “O agronegócio maldoso, sabe? Aquele agronegócio que usa agrotóxicos, sem nenhum respeito para a saúde humana, possivelmente também estava lá”, disse.
Sem citar diretamente o presidente Lula, a Aprosoja enviou nota ao InfoAmzonia afirmando que “declarações que atribuam ao setor participação nos ataques são descabidas e não retratam a real importância do agro brasileiro para o país”. A entidade já teve as contas bloqueadas por financiar atos considerados golpistas em outros momentos do governo Bolsonaro.
A Abia (indústria de alimentos), Aprosoja-MT (soja e milho), Abag (agronegócio), ABPA (aves e suínos), ABCS (criadores de suínos), CropLife (insumos agropecuários), AsBraAP (agricultura de precisão), Aprobio (biodiesel), Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais ) emitiram nota de repúdio contra os atos terroristas.
Ao contrário do que informamos anteriormente, Blairo Maggi não foi ministro da Agricultura durante nenhum dos dois mandatos anteriores do presidente Luis Inácio Lula da Silva, apenas no governo Temer. O texto foi corrigido para refletir a informação correta.