Após quatro anos de sucateamento na área ambiental com cenário de impunidade na Amazônia, nova gestão terá desafio de reverter tendência de alta do desmatamento.
A retomada do Fundo Amazônia, dada como certa já entre os primeiros atos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente eleito, tem sido observada por especialistas como o pontapé inicial na busca pelo protagonismo do Brasil na preservação da maior floresta tropical do mundo. Mais do que restabelecer o fluxo de dinheiro para programas de combate ao desmatamento: Eliminação total da vegetação nativa numa determinada área seguida, em geral, pela ocupação com outra cobertura ou uso da terra., o novo governo terá que lidar com um cenário conflituoso, muito diferente do ano de 2008, quando o Fundo foi criado para recompensar o país pela redução da devastação.
“Não foram apenas quatro anos de abandono da política ambiental, mas sim toda uma gestão que protegeu o crime ambiental. O combate ao desmatamento, agora, passa por um combate também do crime organizado que se instalou na Amazônia”, destaca Adriana Ramos, assessora de política e direito do Instituto Socioambiental (ISA).
Criado com objetivo de remunerar o Brasil pela a redução do desmatamento da Amazônia com aportes financeiros vindos da Noruega, Alemanha e também da Petrobrás, o Fundo Amazônia se tornou o principal mecanismo internacional de pagamentos por resultados de REDD+: Incentivo político-econômico no âmbito das Nações Unidas para a redução das emissões de gases de efeito estufa por países em desenvolvimento. (redução de emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal).
Atualmente, o Fundo tem um caixa de R$ 3,6 bilhões proveniente dessas doações, mas esses recursos estão travados desde 2019, quando o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA) foi extinto pelo governo Bolsonaro (Decreto nº 9.759/2019).
Após o resultado das eleições de outubro, representantes da Noruega e Alemanha manifestaram a intenção de retomar os investimentos no Fundo. Além disso, se especula a entrada de outros países, como a Inglaterra.
Agora, a expectativa de retomada dos projetos ambientais financiados pelo Fundo depende apenas de vontade política. Desde sua criação, ele já apoiou 102 projetos de preservação e de geração de renda sustentável, sendo que 47 foram concluídos. Com a aprovação da PEC da Transição, o governo não terá limite de gastos para recursos de doações para projetos socioambientais e relacionados às mudanças climáticas.
“De fato, a retomada da política ambiental do Fundo Amazônia só depende de uma canetada do presidente, por isso se imagina que seja um dos primeiros atos de Lula”, aposta Adriana Ramos.
Para Claudio Angelo, coordenador do Observatório do Clima (OC), se criou um “fetiche” de que o Fundo Amazônia pode resolver todos os problemas da floresta. Até certo ponto, ele concorda que o movimento é favorável para o momento que país atravessa.
“Não é que falte dinheiro só para fiscalização, falta todo o resto. Falta contratar pessoal, repor os analistas ambientais, algo em torno de 3 mil pessoas, e acho que do ponto de vista dos doadores isso não é um problema agora, se for para retomar os projetos de preservação da Amazônia”, explica Angelo.
O coordenador do OC avalia que assim como é grande a expectativa de retomada dos projetos de preservação, também será grande a pressão por resultados. “Será um começo de governo muito ruim para o Lula se ele não reduzir o desmatamento no primeiro ano de mandato, e sabemos que não é uma questão muito fácil, até porque a medição da série vai incluir os últimos meses da gestão Bolsonaro”, diz.
Legado de Bolsonaro e o apetite dos doadores
Lula vai assumir o comando do Brasil após quase uma década de crescimento nas taxas de desmatamento, com destaque para o legado desastroso dos quatro anos da gestão Bolsonaro, quando as taxas anuais de desmatamento chegaram a 1,1 milhão de hectares, com uma média anual de 59% maior que nos quatro anos anteriores (2015 a 2018).
Um cenário bem diferente de quando o Fundo Amazônia foi criado, em 2008, na esteira inversa de quatro anos anteriores de redução no desmatamento. “O governo aceitou o programa de pagamento por serviços ambientais em um momento em que a redução do desmatamento aconteceu de fato e demonstrando uma política ambiental consistente, que deu segurança também aos financiadores”, explica Adriana Ramos.
Em discurso na COP27, já como presidente eleito, Lula disse que seu governo assumirá o compromisso de acabar com o desmatamento até 2030.
“Não há segurança climática para o mundo sem uma Amazônia protegida. Não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas até 2030”, afirmou diante das lideranças mundiais.
Diminuir os índices de desmatamento será fundamental para garantir os aportes no Fundo e inclusive conquistar a entrada de outros doadores.
“Não parece impossível que nesse primeiro momento os países doadores coloquem até mais dinheiro mesmo sem uma queda imediata do desmatamento, se for preciso, mas o Fundo tem essa característica de pagamentos por serviços ambientais”, explica Angelo.
Os recursos do Fundo Amazônia são geridos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e têm sua aplicação destinada a projetos que se enquadrem nas diretrizes aprovadas pelo Comitê Orientador. A maior parte desses recursos já eram destinados para ações gerenciadas pelo próprio governo federal.
Na prática, segundo Angelo, há pouco espaço para ingerências na aplicação do dinheiro, como também cobram os países doadores, o que diminui a pressão política sobre o Fundo Amazônia.
“O Fundo é um mecanismo próprio da questão administrativo, tem um comitê financeiro, um comitê orientador e passa por auditorias periódicas do próprio banco audita e de terceiros. O Fundo nunca dependeu de questões políticas, o Bolsonaro tentou levantar essa discussão de uma forma maluca baseada em mentiras”, afirma o coordenador do Observatório do Clima.
Desenvolvimento sustentável
As possibilidades de aplicação do Fundo não se limitam a financiar programas de combate ao desmatamento. Especialistas também defendem a aplicação dos recursos em outras dimensões da Amazônia, como no desenvolvimento sustentável que engaje ações socioambientais.
“Eu vejo um grande potencial para esses recursos apoiarem outras frentes que demandam pesquisa e mais participação da sociedade civil”, explica Clarissa Gandour, coordenadora de Avaliação de Política Pública para Conservação no Climate Policy.
Clarissa lembra que mais de 20 milhões de pessoas vivem na Amazônia brasileira e que na linha de frente ainda há muita gente que foi deslocada ou cooptada para atividades exploratórias na floresta. “Muitas vezes o garimpeiro só tem aquela atividade para viver, então é preciso uma atuação de comando e controle que possibilite também levar oportunidades. É preciso fazer essa discussão mais ampla para o desenvolvimento sustentável da floresta”, aponta.
A pesquisadora identificou as áreas críticas de desmatamento na Amazônia, classificando-as por categoria fundiária. A análise aponta que mais da metade do desmatamento em terras públicas está concentrado em assentamentos rurais (54%). E que as florestas públicas não destinadas tiveram cerca de 80% de seus mais de 10 milhões de hectares registrados como imóveis privados no SICAR, “um indício de ocupação ilegal”.
“Uma estratégia de desenvolvimento sustentável para a região amazônica precisa alinhar a promoção do desenvolvimento social e econômico dos assentados com a proteção da floresta”, defende.
Ela diz que deter o avanço da destruição da Amazônia ficou mais complexo com o acúmulo de impunidades e as omissões dos últimos anos e que vão demandar diversas frentes de ações. “O Fundo Amazônia não pode ser tido como o principal programa, ele é muito importante, é capaz de viabilizar os projetos e programas, mas deve ser parte de uma política de Estado maior, que seja de longo prazo e capaz de unir esses diferentes esforços, como o do Fundo, para o resultado final”.