Conferência discute financiamento para conservação de países megadiversos, como o Brasil. A Amazônia se destaca por seu alto grau de endemismo, com espécies que só podem ser encontradas por lá, além de já ter 40% de seu território definido em áreas protegidas.

Conservar a biodiversidade amazônica para garantir a manutenção dos serviços essenciais para o planeta é uma das principais metas que guiam a participação do Brasil na 15ª Convenção de Diversidade Biológica da ONU, ou COP15 da biodiversidade, que acontece até 19 de dezembro em Montreal, no Canadá, e que reúne quase 200 países e a sociedade civil.

Para isso, o país levou à mesa de negociação uma proposta para criação do Fundo Global para Biodiversidade no valor de R$ 100 bilhões anuais. O montante deve financiar ações de proteção em nações que possuem alto grau de diversidade biológica. A ideia é que os países ricos financiem o projeto, mas a medida ainda está em debate.

Há, ainda, outro assunto relacionado a financiamento na COP15: a criação de um mecanismo para compensar os países megadiversos em prol da proteção dos recursos naturais utilizados na produção de novos cosméticos ou medicamentos. 

São duas propostas diferentes: uma delas, enviada por países da África, quer criar um fundo com 1% do valor das vendas de produtos que usam recursos genéticos, conhecimentos tradicionais e/ou sequenciamento digital genético da biodiversidade (DSI); a segunda sugestão é brasileira e prevê que 1% dos recursos das vendas de produtos de DSI seriam destinados diretamente ao país responsável pela proteção da biodiversidade. 

Mike Muzurakis / IISD
Delegados em discussão sobre novo Marco Global da Biodiversidade

Por enquanto, apesar de promissoras, essas duas propostas continuam apenas na mesa de negociação. Há um foco que se destaca entre as discussões dos países. Assim como as conferências climáticas da ONU se concentraram e ainda se concentram em limitar em até 1,5ºC de aquecimento médio do planeta, número definido no Acordo de Paris, a COP15 da biodiversidade também tem um objetivo claro: a garantia da conservação, até 2030, de pelo menos 30% das áreas terrestres e marinhas, meta que ganhou o apelido de “30 por 30”. 

O molde da proposta – quem irá garantir, como e quem irá financiar – é o que ainda não chegou a um ponto final. Há um impasse sobre se esses 30% devem ser calculados individualmente, por cada país, ou globalmente. Um rascunho já foi divulgado com o que deverá sair dessa COP15, mas a decisão final só deverá ser tomada a partir deste sábado (17). 

Enquanto isso, existem alguns debates e perguntas-chave na mesa: qual será o papel dos povos indígenas na meta do 30×30? Ao definir 30% de proteção, isso pode ajudar a destruir os outros 70%? A meta não deveria ser proteger o planeta inteiro? Tudo isso ainda está em discussão. 

O que o Brasil representa

No Brasil, a Amazônia já possui mais de 40% de seu território formado por áreas protegidas: Regiões tuteladas pela legislação ambiental em terra, águas doces e marinhas. – índice que está acima do que deve propor a COP15 para a adequação dos países até 2030. Porém, outros biomas ainda carecem de maior proteção para que o país como um todo alcance o objetivo.

Para o gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, Michel Santos, esse é o limite mínimo que o planeta precisa de natureza para se beneficiar dos serviços ecossistêmicos da biodiversidade. 

“O Brasil, que defende a meta dos 30% de forma nacional, e não global, está próximo de alcançar a meta por causa do que a Amazônia tem de terras indígenas: Territórios da União reconhecidos e delimitados pelo poder público federal para a manutenção do modo de vida e da cultura indígenas em todo o país. e unidades de conservação: É um território voltado à manutenção de ecossistemas e de recursos naturais para toda a sociedade e com delimitação, gestão e proteção do poder público.. Porém, não se trata simplesmente de reservar territórios para conservação. Esses espaços precisam já estar íntegros, porque de nada adianta proteger uma área degradada”, afirma Santos. 

Não se trata simplesmente de reservar territórios para conservação. Esses espaços precisam já estar íntegros, porque de nada adianta proteger uma área degradada.

Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil

Em sua coluna no PlenaMata, Clarissa Gandour, coordenadora de Avaliação de Política Pública para Conservação no Climate Policy Initiative/PUC-Rio, explica que, apesar de a Amazônia ter “apenas” 20% da floresta desmatada, os outros 80% que restam não estão necessariamente intactos. 

“A perda de vegetação pode ser parcial, mas o dano que causa é enorme. Por ser menos resiliente do que uma floresta intacta, a degradada fica mais sujeita a sofrer danos que agravam seu estado de deterioração e, portanto, aumentam sua vulnerabilidade. A degradação florestal: Eliminação parcial e gradual da vegetação florestal para a extração seletiva de madeira e de outros recursos naturais. Pode ocorrer também por fogo e alterações climáticas. mina a capacidade de a floresta prover serviços ecossistêmicos críticos, como conservar biodiversidade e absorver e estocar carbono“, explicou. 

Mariana Napolitano, gerente de Ciências do WWF-Brasil, segue a linha de Gandour. Ela afirma que a importância da conservação da biodiversidade amazônica passa não apenas pela garantia da sobrevivência das milhares de espécies de fauna e flora, mas também pelos serviços ecossistêmicos prestados por ela ao Brasil e ao mundo.

“Associada a essa biodiversidade, a Amazônia tem um papel essencial para a regulação do clima do planeta. Toda essa cobertura vegetal funciona como um grande ar condicionado ao regular as temperaturas. Serve ainda como uma fábrica de chuvas, por meio dos rios voadores, que são imensos fluxos aéreos de vapor d’água que a floresta distribui para o continente. Além disso, armazena entre 150 a 200 bilhões de toneladas de carbono no seu solo pela vegetação”.

Ilustração de Julia Lima, com dados de MapBiomas e Luciana Gatti (Inpe)

Uma vastidão de espécies

Segundo relatório de 2021 do Painel Científico para a Amazônia (PCA), a maior floresta tropical do mundo abriga ainda 2.400 espécies de peixes, 1.300 de aves, 425 de mamíferos, 371 de répteis, além de 50 mil espécies de plantas vasculares. Estimativas apontam que em um único grama de solo amazônico podem existir mais de mil espécies de fungos.

Napolitano, da WWF- Brasil, dá a dimensão dessa riqueza. “A Amazônia ocupa menos de 1% da superfície terrestre e abriga quase 10% da biodiversidade do planeta. Na região, a gente tem 18% das plantas vasculares encontradas no mundo, 14% das aves e 9% dos mamíferos, além de 18% dos peixes que habitam toda a região tropical”.

A Amazônia ocupa menos de 1% da superfície terrestre e abriga quase 10% da biodiversidade do planeta. Na região, a gente tem 18% das plantas vasculares encontradas no mundo, 14% das aves e 9% dos mamíferos, além de 18% dos peixes que habitam toda a região tropical.

Mariana Napolitano, gerente de Ciências do WWF-Brasil

Navegue no mapa abaixo para ver as espécies amazônicas:

E toda essa biodiversidade não para aí. Por se tratar de um bioma pouco estudado, sobretudo em suas áreas mais íntegras, devido às dificuldades de acesso, biólogos dão como certa a existência de outras formas de vida que ainda não foram encontradas na região ou sequer são conhecidas pela ciência.

Moisés Barbosa de Souza, doutor em Zoologia, é prova disso. Ao retornar de uma expedição científica pelas florestas do Acre para coleta de anfíbios, em 2005, ele mal desconfiava que trazia na mala uma espécie de sapo jamais descrita pela ciência. “Pensei se tratar de outro bicho já catalogado, porque eles compartilham características muito semelhantes”, lembra o professor do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Acre (Ufac).

O minúsculo sapo, que cabe com folga na palma da mão, ficou catalogado erroneamente por longos 14 anos no Laboratório de Herpetologia da instituição. Até que, em 2019, ao visitar o espaço que abriga uma coleção de mais de 12 mil exemplares de anfíbios e répteis, um grupo de biólogos de outras universidades resolveu investigar o animal capturado por Moisés e descobriu, então, que se tratava de uma nova espécie.

O bicho foi batizado de Amazophrynella moisesii, em homenagem ao seu coletor, que tem no currículo a descrição de pelo menos outras cinco novas espécies de anfíbios e répteis, todas no Acre: “A gente descobre novos animais no quintal de casa”, afirma Souza.

A gente descobre novos animais no quintal de casa.

Moisés Barbosa de Souza, doutor em Zoologia e professor do Departamento de Biologia da Universidade Federal do Acre (Ufac).

Essa experiência de ter catalogado uma nova forma de vida está longe de ser rara na Amazônia. Um inventário produzido pela WWF-Brasil e pelo Instituto Mamirauá mostrou que a cada dois dias um novo tipo de animal vertebrado ou planta foi descoberto na região nos anos de 2014 e de 2015. O sapo catalogado pelo professor da Ufac é apenas uma das quase 430 espécies de anfíbios que habitam a Amazônia, que possui a maior concentração desse tipo de bicho no planeta.

Isso ocorre porque, segundo Napolitano, a Amazônia possui alto grau de endemismo local, com espécies habitando exclusivamente áreas específicas do bioma. “Os sistemas de rios, por exemplo, servem como barreiras para a distribuição de alguns animais, especialmente répteis, anfíbios, primatas e pequenos roedores. Você pode encontrar formas de vida apenas em algumas porções da região, como o Sagui-de-Rondônia, um tipo de macaco que só ocorre naquele estado”.

Em comparação com os demais biomas do mundo, o grau de endemismo amazônico também é alto. De acordo com a WWF-Brasil, a cada três mamíferos existentes na Amazônia, um é encontrado apenas na região. Em relação às aves, o índice de exclusividade é de um em cada cinco.

Por que a Amazônia é tão biodiversa?

Souza afirma que vários fatores explicam essa exuberante biodiversidade amazônica. A principal delas está na sua grande variedade de ecossistemas, entre eles florestas densas, abertas e estacionais, áreas de várzea, ambientes de terra firme, rios, matas de igapó, campos alagados, savanas, refúgios montanhosos e formações pioneiras.

“Esse vasto leque de ecossistemas ampliou consideravelmente a condição de sobrevivência dos seres. Quando se fala em Amazônia, muitos imaginam uma região homogênea, só de florestas densas, mas na verdade ela é bastante heterogênea. Não custa lembrar que esse bioma possui dimensões continentais. Se fosse um país, ele seria o sexto maior do mundo”.

Leandro Chaves / InfoAmazonia
Moisés Barbosa de Souza, doutor em Zoologia

A riqueza de ecossistemas está por trás também de formações inacessíveis que ajudam não só a preservar as formas de vida, como também a manter parte da biodiversidade da região desconhecida pela ciência. “Imagine a quantidade de animais que podem estar no topo de árvores gigantes ou de cachoeiras, onde um pesquisador dificilmente consegue subir? Imagine também quantos seres existem em áreas de folhiço, que podem ultrapassar um metro de profundidade? Tem muitos animais escondidos nesses ambientes”, continua.

O pesquisador explica ainda que a estabilidade climática na região, sempre quente e úmida, com poucas variações de temperatura, facilitou a adaptação dos seres vivos e proporcionou o desenvolvimento de uma gama de animais, vegetais, fungos e até bactérias.

Além disso, o fato de a Amazônia ser detentora da maior bacia hidrográfica do mundo, com cerca de 7 milhões de km² de extensão, também contribuiu para a manutenção da sua biodiversidade. “A água é fundamental à vida, todos os seres dependem dela para sobreviver”.


Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

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