Estudo do MapBiomas lançado na COP27 sobre mudanças de uso da terra em ecossistemas ameaçados na América do Sul revela que o avanço da agropecuária foi o grande motor das perdas florestais na Amazônia entre 1985 e 2020.

Mais de 31 bilhões de toneladas de CO2 equivalente: Medida internacionalmente padronizada de quantidade de gases de efeito estufa (GEE) que converte todos eles em uma única unidade, o dióxido de carbono foram lançados na atmosfera pelo desmatamento na Amazônia Legal: É uma região que ocupa quase metade do território brasileiro, abrange 9 estados e tem área superior ao do bioma amazônico. brasileira entre 1985 e 2020. O volume representa quase 70% do total de emissões causadas pela perda de floresta em toda a Pan-Amazônia: A Pan-Amazônia envolve os países que têm a floresta amazônica em seu território: Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, as Guianas, Suriname e Brasil. no período.

As derrubadas na porção amazônica dos nove países foram responsáveis pela emissão, nas últimas três décadas e meia, de 45,1 bilhões de toneladas de gases do efeito estufa. É o que diz um novo relatório da rede MapBiomas: Rede colaborativa que faz o mapeamento anual da cobertura e uso do solo, o monitoramento da superfície de água e das cicatrizes de fogo. O trabalho é feito mensalmente e por meio da análise de dados. sobre mudanças de uso da terra em ecossistemas ameaçados, lançado na 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 27).

Nesse período, a Pan-Amazônia perdeu 75 milhões de hectares (Mha) de vegetação nativa – 9,6% de seu território. A área equivale quase ao tamanho do Chile. As florestas foram as mais afetadas, com perda de 58,4 Mha. Savanas  e formações naturais não florestais  também foram impactadas pela ação humana no maior bioma da América do Sul.

A Pan-Amazônia perdeu 75 milhões de hectares (Mha) de vegetação nativa – 9,6% de seu território. A área equivale quase ao tamanho do Chile. As florestas foram as mais afetadas, com perda de 58,4 Mha.

Em 1985, 92% da Amazônia ainda estava coberta por vegetação nativa. Em 2020, essa cobertura caiu para 83%. A perda de 9,6% nesses 35 anos foi maior que nos 500 anos desde a colonização europeia no continente. 

O Brasil, que tem 62% da Pan-Amazônia sobre seu território, respondeu por 81% dessa supressão de vegetação nativa em toda a Amazônia. O estudo alerta ainda que o atual percentual de vegetação na Amazônia (83%) aproxima o bioma do ponto de não retorno: Um determinado limite ou situação que, quando alcançado, não mais permitiria a volta à situação ou estado anterior., que é quando a floresta perde sua habilidade natural de regeneração. “Se continuarmos com essa tendência de desmatamento, o ponto de inflexão poderá ser alcançado nesta década, transformando a maior floresta tropical da Terra em um emissor de gases do efeito estufa”, afirma Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas no Brasil.

Se continuarmos com essa tendência de desmatamento, o ponto de inflexão poderá ser alcançado nesta década.

Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas no Brasil

Para Luciana Gatti, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o avanço do desmatamento, das queimadas e da agropecuária na região faz com que a Amazônia emita quantidade de gases para além da sua capacidade de absorção. Em 2021, por exemplo, a Amazônia brasileira conseguiu capturar menos da metade de suas emissões, lançando um saldo de 740 milhões de toneladas de CO2 equivalente (42% das emissões líquidas do Brasil), segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases do Efeito Estufa (SEEG).

Ela explica que o desmatamento prejudica a formação de chuvas na Amazônia, tornando várias regiões do bioma mais quentes e secas, o que contribui com a mortalidade das árvores e o consequente aumento de emissões, ou seja, um efeito cascata.

“A floresta amazônica funciona como uma proteção contra as mudanças climáticas porque produz um monte de chuva, resfria a temperatura e absorve carbono. Mas, ao desmatar, nós estamos fazendo a Amazônia virar uma aceleradora dessas mudanças. As regiões mais devastadas do bioma, como a sudeste, por exemplo, são as que mais perdem chuvas na estação seca, que se torna mais quente e longa”, afirma a doutora em Química.

A floresta amazônica funciona como uma proteção contra as mudanças climáticas porque produz um monte de chuva, resfria a temperatura e absorve carbono. Mas, ao desmatar, nós estamos fazendo a Amazônia virar uma aceleradora dessas mudanças.

Luciana Gatti, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)

Brasil lidera a devastação da Amazônia

Entre 1985 e 2020, a Amazônia brasileira perdeu 60,6 milhões de hectares (Mha) de vegetação, quase 13% do território amazônico no país. Quando analisadas apenas as florestas, descartando savanas e áreas naturais não florestais, a perda foi de 58 Mha. Em 1985, a cobertura florestal na Amazônia brasileira era de 84%, contra 73% em 2020.

A agropecuária foi quem puxou o índice de desmatamento no país. Segundo o relatório, em meados da década de 80, a Amazônia brasileira tinha 38 Mha voltados à agricultura e pastagem. Trinta e cinco anos depois, essas áreas mais que dobraram (aumento de 157%), passando a cobrir 98 Mha do bioma.

O estudo revela ainda que, em 2020, mais de 80% das áreas para agropecuária na Pan-Amazônia estavam no Brasil.

Para Julia Shimbo, vários fatores explicam o protagonismo do país na devastação da Amazônia. “Primeiro, porque temos a maior porção do bioma entre as nações sul-americanas. Em segundo lugar, há um aspecto histórico de expansão da conversão de grandes áreas de floresta para a agropecuária, favorecida pelas condições ambientais e climáticas, mas também pelos cenários econômicos e políticos”.

Ela cita o recente enfraquecimento dos órgãos de fiscalização e controle como importante fator de pressão sobre a floresta, sobretudo em regiões que até pouco tempo atrás estavam relativamente preservadas, como o sul do Amazonas e adjacências, por exemplo.

“É importante ressaltar ainda fatores culturais. Temos um tipo de agricultura diferente da que encontramos em outros países e a força da pecuária no Brasil também é parte desse aspecto. Outro ponto é a questão fundiária, que ainda não foi resolvida no país. Grande parte dessas áreas desmatadas está em terras públicas sem destinação. Para manter a floresta em pé, é essencial dar conta desse problema, destinando essas áreas para conservação”, complementa.

Relação entre desmatamento, agropecuária e emissões de CO2

Apesar de a Amazônia brasileira ter reduzido 70% do desmatamento entre 2002 e 2011 e garantido estabilidade nos índices até 2017, a devastação voltou a crescer consideravelmente nos últimos anos. Em 2020, três municípios amazônicos foram responsáveis por quase 1/5 das derrubadas no bioma. Altamira (PA), São Félix do Xingu (PA) e Porto Velho (RO) ocuparam, respectivamente, as três primeiras posições no ranking regional de desmatamento daquele ano, segundo os dados de cobertura de uso do solo do MapBiomas.

Bruno Kelly / Amazônia Real
Imagem aérea de área preparada para monocultura ou pecuária, próximo a Porto Velho, em 2020.

A agropecuária foi o principal vetor de pressão para a devastação nesses municípios, sendo responsável por uma média de 99,7% das derrubadas. São Félix do Xingu e Porto Velho possuíam, em 2020, os maiores rebanhos bovinos de seus respectivos estados, enquanto Altamira tinha a quarta maior quantidade de cabeças de gado do Pará, segundo dados da Pesquisa da Pecuária Municipal do IBGE.

Esses municípios também encabeçam a lista dos maiores emissores de CO2 equivalente de toda a Pan-Amazônia entre 1985 e 2020, segundo análise do MapBiomas. As três cidades jogaram na atmosfera mais de 2.1 bilhões de toneladas brutas de carbono equivalente, considerando apenas as emissões por perda de vegetação nativa.

Luciana Gatti explica a relação entre pecuária, devastação e lançamentos de gases do efeito estufa. “A criação de gado demanda uma grande área de terra. A plantação de soja e milho para ração animal também é parte do processo. E isso tudo se traduz em desmatamento, que, por sua vez, aumentam as emissões. Ou seja, a produção de carne gera um desequilíbrio enorme no planeta”.

Já Julia Shimbo defende que o Brasil precisa encontrar formas de valorização da floresta em pé que tragam benefícios econômicos concretos, como forma de superar a necessidade de criação de gado em larga escala na região, bem como da agricultura intensiva.

“A gente vive hoje uma emergência climática com aumento de temperaturas e mudanças no regime de chuvas provocados pelo desmatamento. E tudo isso vai comprometer lá na frente a própria agricultura, que depende de uma estabilidade do clima para se manter. Ou seja, o agronegócio precisa da floresta”, conclui a coordenadora científica do MapBiomas.


Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.

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