O InfoAmazonia esteve nos municípios de Itaituba e Jacareacanga para mostrar em duas reportagens como a extração de ouro pelo garimpo injeta capital no setor privado, mas intensifica desigualdade social e não melhora índices socioeconômicos
Um arco-íris colore o céu sobre a floresta recortada pela Transamazônica. Márcio* observa a cena da janela do 4X4 que o transporta por 400 quilômetros entre as cidades paraenses de Itaituba e Jacareacanga. Apesar do mito que sugere que exista um pote de ouro no término de cada arco-íris, o fenômeno meteorológico não tem fim, assim como parece não ter o trajeto de nove horas na estrada de lama. Márcio é garimpeiro e já carrega no pescoço uma corrente com um pingente de ouro com a letra “M”, avaliado em R$ 4 mil.
Ele leva também uma mala de mão simples com seus pertences para a temporada no garimpo. Chegando em Itaituba, uma mulher e duas crianças o recebem na porta de uma casa pequena de alvenaria. A porta dá direto para a rua, onde as moradias vizinhas são todas parecidas. O imóvel foi alugado quando Márcio chegou com a família, em 2020, para tentar a vida como “peão”, como se chamam entre si os garimpeiros. Ele está construindo uma casa própria em Sinop (MT), a 999 quilômetros dali.
A decisão de entrar para a vida do garimpo ilegal veio com a demissão do emprego como soldador em Sinop, em plena pandemia. O salto na renda mensal impressiona: de cerca de R$ 2.500 para quase R$ 10 mil mensais como operador de draga, ganhando 17% do valor do ouro extraído. Mas o valor é inconstante, uma vez que a carteira assinada e o salário fixo ficaram para trás, e agora Márcio é considerado sócio do dono da embarcação avaliada em R$ 2,5 milhões.
Ele acredita que não vai ficar muito tempo na profissão, quer quitar a casa e deixar Itaituba, pois tem medo de os filhos, ainda pequenos, se atraírem pela vida arriscada no garimpo. “Eu queria que eles ficassem na cidade, não queria que viessem para o mato, não. É uma vida dura, tem muito acidente”, confessa.
Márcio diz não gostar de Itaituba, não vê a hora de “bamburrar” – gíria garimpeira para “encontrar muito ouro e enriquecer” – e voltar para casa. Esse enriquecimento, no entanto, tem parâmetros distintos do restante dos brasileiros. Hoje, Márcio não se considera rico, mas ganha mais do que 90% da população brasileira que trabalha formalmente no país, de acordo com dados de 2020 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). Segundo o operador de draga, apesar de muitos garimpeiros com quem trabalha terem renda maior do que a média dos trabalhadores no Brasil, a maioria deles é analfabeta.
“Garimpeiro não é bandido, e sim trabalhador” é uma das principais bandeiras da categoria, que vem se organizando cada vez mais nos últimos anos, inclusive com o incentivo político do presidente Jair Bolsonaro (PL) e de parlamentares ligados à atividade. O lema é repetido diariamente no WhatsApp por integrantes de grupos de garimpeiros do médio e alto rio Tapajós. Vilma*, moderadora de alguns desses grupos, trabalha como cozinheira em garimpos desde 1995.
Sem estudo, ela conta que também entrou para o setor para conseguir comprar uma casa e que, antes, trabalhava como babá e doméstica. “Via as pessoas falando que dava dinheiro em grande quantidade mais rápido. Eu consegui juntar o dinheiro, mas é muito difícil. Muita chuva, lama, longe da família”. Hoje, Vilma tem salário fixo como cozinheira, mas, quando começou a trabalhar na atividade, ganhava somente sobre a porcentagem de ouro extraído, como é a remuneração dos garimpeiros.
Dados do Índice de Progresso Social da Amazônia (IPS) e do Instituto Escolhas apontam, porém, que a região de Itaituba, um dos principais polos garimpeiros há pelo menos quatro décadas e de onde é extraída a maior parte do ouro ilegal do país, está longe de oferecer dignidade para seus moradores.
Em viagem pelos municípios da região, a reportagem buscou compreender de que forma os índices socioeconômicos são impactados pela atividade garimpeira e se é possível afirmar que o garimpo proporciona desenvolvimento.
“Desenvolvimento é bondade sua”
A orla do Tapajós, em Itaituba, vem sendo constantemente transformada pela inauguração de restaurantes, bares e prédios que há alguns anos eram difíceis de ser encontrados no interior da Amazônia. Até 1974, o município, que tem uma das maiores áreas do país (62.041 km²), tinha apenas quatro ruas em sua zona urbana.
O garimpo teve início na região oficialmente em 1958, mas foi apenas a partir de 1980, com o fim da extração de ouro em Serra Pelada, que a atividade se transformou no motor econômico do município. Devido à “fofoca do ouro”, Itaituba também se tornou destino de milhares de imigrantes nordestinos, na sua maioria maranhenses. Eram outros tempos: se antes o ouro de aluvião era facilmente encontrado, hoje os garimpeiros dependem de retroescavadeiras que cavam metros debaixo do solo ou dragas que remexem o fundo dos rios.
Atualmente, o município da “cidade pepita”, como Itaituba foi apelidada, tem no garimpo sua principal atividade econômica.
Jota Parente, que nasceu em Santarém (PA) e é radialista em Itaituba desde 1988, avalia que o principal impacto do garimpo na economia do município se dá por meio do giro de capital em setores como a construção civil, o comércio de alimentos, de combustíveis e de peças e maquinários pesados utilizados na atividade garimpeira. “O fato é que o garimpo continua sendo a principal atividade econômica de Itaituba, e o comércio sentiu consideravelmente as operações de fiscalização”, afirma.
Mas, para Parente, o crescimento de Itaituba não pode ser chamado de desenvolvimento. “Chamar de desenvolvimento seria bondade sua. Aqui passa longe disso. O garimpo melhora a vida de muita gente, gera empregos, mas nunca existiu um projeto de desenvolvimento a partir dele. E como é típico de lugares com esse tipo de atividade, há muita concentração de renda.”
Chamar de desenvolvimento seria bondade sua. Aqui passa longe disso. O garimpo melhora a vida de muita gente, gera empregos, mas nunca existiu um projeto de desenvolvimento a partir dele. E como é típico de lugares com esse tipo de atividade, há muita concentração de renda
Jota Parente, radialista
Ao se afastar algumas ruas da orla de Itaituba, por exemplo, já há ruas sem asfalto, casas precárias e esgoto à céu aberto. Um dos bairros mais recentes do município é o conjunto habitacional Wirland Freire, loteamento construído pelo programa Minha Casa Minha Vida destinado às famílias de baixa renda no município. Segundo dados do Cadastro Único, 46% da população do município era considerada “extremamente pobre” em julho de 2020.
Nascida e criada em Itaituba, Ítala Nepomuceno, doutoranda em antropologia que pesquisa comunidades ribeirinhas e quilombolas, cresceu acompanhando as histórias de vizinhos garimpeiros, mas não acredita que a atividade tenha elevado as condições sociais dessas famílias.
É muito comum a história do garimpeiro que foi vender sua força de trabalho e voltou sem nada. Às vezes tudo se esgota dentro do garimpo porque as coisas lá são muito caras, ou ele sofre um acidente, ou pega malária. É uma trajetória comum
Ítala Nepomuceno, doutoranda em antropologia
“É muito comum a história do garimpeiro que foi vender sua força de trabalho e voltou sem nada. Às vezes tudo se esgota dentro do garimpo porque as coisas lá são muito caras, ou ele sofre um acidente, ou pega malária. É uma trajetória comum”, explica.
Filha de comerciantes, a pesquisadora entende que, na percepção do setor, a atividade garimpeira é essencial na manutenção do consumo local. “É uma cidade com diferenças sociais muito grandes, mas que acaba sendo vista, em termos regionais, como uma cidade de oportunidades porque muita gente pobre acaba tendo que ir para o garimpo quando falta emprego”. Ela avalia, porém, que a “riqueza extraída do ouro não se reflete na estrutura da cidade”, e destaca, principalmente, a ausência de saneamento básico.
No Índice de Progresso Social da Amazônia (IPS Amazônia), instrumento instituído pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) que mede a capacidade de uma sociedade em satisfazer as necessidades humanas básicas de seus cidadãos, a nota de Itaituba foi das mais baixa – 53,00 em 2021, 3% menor do que a da Amazônia como um todo (54,59) e 16% mais baixa do que a do Brasil (63,29).
Em análise feita a pedido do InfoAmazonia, o instituto constatou que na dimensão de “necessidades humanas básicas”, Itaituba ficou com a 39ª pior colocação da Amazônia Legal. No indicador “água e saneamento”, que integra a dimensão, o município teve a 37ª pior nota.
Beto Veríssimo, cofundador do Imazon e um dos autores do IPS Amazônia 2021, avalia que a nota baixa de Itaituba está diretamente relacionada às atividades predatórias como a extração ilegal de recursos naturais. Segundo o pesquisador, o baixo desenvolvimento social que ocorre de forma geral na Amazônia é ainda “mais grave em municípios com altas taxas de desmatamento”.
Apenas na última década, a área desmatada para garimpo no município de Itaituba cresceu 32 mil hectares, de acordo com dados do Mapbiomas. Segundo o estudo Legalidade da Produção de Ouro no Brasil, produzido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Ministério Público Federal (MPF), Itaituba é a origem de 81% de todo o ouro classificado como ilegal no país entre 2019 e 2020 (6,3 de 7,7 toneladas do minério).
“O prefeito nem sabia o que era CFEM”
A irregularidade da extração de ouro representa um obstáculo para os garimpeiros e prejuízo para a população dos municípios garimpados. Isso porque grande parte do ouro extraído de forma clandestina sai da região sem ser cobrado seu principal imposto: a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Assim, o mercado milionário não se reflete no orçamento do município.
A CFEM é recolhida na comercialização do ouro em território nacional, com uma alíquota de 1,5% sobre a grama do ouro, sendo paga à Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão federal subordinado ao Ministério de Minas e Energia (MME). O valor é redistribuído aos estados e municípios impactados pela mineração. Na repartição das receitas, os municípios produtores de minérios recebem 60% do imposto, os estados produtores recebem 15% e a União, 10%.
A pesquisa da UFMG mostra que o ouro extraído em garimpos ilegais também é esquentado na região, sendo vendido para compradoras no próprio município, tanto na condição de mercadoria quanto de ativo financeiro. Pela lei, todo o ouro extraído de lavra garimpeira deveria ser vendido na condição de ativo financeiro às Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM), instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central do Brasil. Mas, na prática, também são comercializados como mercadorias. O esquentamento do metal acontece principalmente por meio do preenchimento de uma origem fraudulenta durante o pagamento da CFEM. No processo, os garimpeiros ou as próprias lojas burlam a fiscalização utilizando localidades com Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) ativa.
As toneladas de ouro ilegal extraídos no Pará são injetadas no mercado financeiro por meio do esquentamento das DTVMs. As maiores DTVMs de Itaituba são representadas pela Associação Nacional do Ouro (Anoro), entidade presidida pelo empresário Dirceu Santos Frederico Sobrinho, dono dos 77 quilos de ouro apreendidos pela Polícia Federal (PF) em maio deste ano, durante a Operação Ricezione. A operação identificou que o ouro extraído dos garimpos ilegais do Pará seria enviado à Itália e pertencia à D’Gold, também de Sobrinho. Com sede na Avenida Paulista, em São Paulo, a D´Gold é uma das maiores DTVMs de Itaituba.
O ouro ilegal também tem como destino final o mercado de jóias. Uma outra operação da PF deflagrada em fevereiro deste ano identificou que o ouro extraído na Terra Indígena Kayapó, localizada no sul do Pará, é comprado pela gigante italiana Chimet SPA Recuperadora e Beneficiadora de Metais. A empresa é especializada no refinamento do minério para confecção de jóias e está entre as 44 empresas que mais faturam na Itália. O InfoAmazonia entrou em contato, mas não obteve resposta da Chimet SPA.
O garimpeiro Manoel Antônio* explica que, apesar de extrair ouro ilegalmente no garimpo que opera desde 1980 em uma área de quatro mil hectares, utiliza a PLG de um vizinho para vender ouro nas DTVMs de Itaituba. “Hoje em dia, a maioria dos escritórios não compram ouro se tu não tiver de onde tirar nota. Aí tu tira na PLG de outro garimpo de favor.”
Hoje em dia, a maioria dos escritórios não compram ouro se tu não tiver de onde tirar nota. Aí tu tira na PLG de outro garimpo de favor
Manoel Antônio*, garimpeiro
A exigência é recente e veio após o MPF suspender as atividades da D’Gold por meio de uma Ação Civil Pública com base no estudo em parceria com a UFMG. Esta e outras DTVMs foram acusadas de esquentar 4,3 toneladas do minério extraído ilegalmente. Após a ação, mesmo com o estímulo da prática de inserção da geolocalização durante o preenchimento da CFEM, os garimpeiros continuam utilizando da estratégia do uso de PLGs alheias para vender o ouro, e o preenchimento do documento segue sendo baseado na palavra do vendedor e na “boa fé” do comprador.
Assim, nos últimos anos, tem aumentado a quantidade de imposto arrecadado por Itaituba a partir da atividade garimpeira. O município é o principal arrecadador da CFEM na Amazônia Legal e o terceiro no país, perdendo apenas para Paracatu e Sabará, municípios mineiros onde estão localizadas as maiores minas de ouro brasileiras. Olhando apenas para a atividade garimpeira e não para a mineração industrial, Itaituba é atualmente a campeã em arrecadação do imposto.
Parte do imposto arrecadado por Itaituba vem de garimpos ilegais também dos municípios vizinhos, Jacareacanga e Novo Progresso, onde é ainda mais difícil existirem garimpos regularizados, uma vez que 80% de seus territórios são ocupados por unidades de conservação ou terras indígenas. Novo Progresso é o nono município que mais arrecada CFEM por extração de ouro na Amazônia, e Jacareacanga, o vigésimo terceiro.
Em 2021, Itaituba arrecadou R$ 58,7 milhões por extração de ouro. Desde 2013, foram R$ 156,9 milhões recolhidos pelo município em CFEM. Nos últimos cinco anos, a arrecadação anual do imposto em Itaituba cresceu 18 vezes. Segundo o secretário de meio ambiente e mineração do município, Bruno Rolim, o ano foi marcado por uma intervenção da secretaria.
“Em outubro de 2017, eu assumi o posto e falei que precisávamos ordenar o garimpo porque ele não deixava nada para o município. O prefeito nem sabia o que era CFEM na época”, revela, se referindo ao prefeito Valmir Climaco (MDB), garimpeiro, pecuarista e madeireiro que foi condenado em última instância na Justiça Federal por exploração madeireira em reservas da União e 13 autos de infração no Ibama.
Foi assim, segundo Rolim, que a arrecadação subiu de uma média de R$ 2,5 milhões para o valor atual. No entanto, na opinião do secretário, mesmo sem ter refletido por décadas nas contas públicas, o garimpo sempre impactou o crescimento do município. “Não dá para dizer que o garimpo não fez a cidade mudar, ele fomenta o capital privado. Temos médicos e advogados filhos de garimpeiros formados fora daqui com o dinheiro do garimpo. Então, o garimpo dava uma receita gigantesca para todo mundo aqui, mas não deixava nada para o município”, avalia.
O secretário conta que o aumento da cobrança do imposto se deu por meio de um esforço da Prefeitura para regularizar a atividade garimpeira e as compras pelas DTVMs. Segundo Rolim, a Prefeitura de Itaituba já conseguiu regularizar 20% dos garimpos do município.
Ele acredita que o recolhimento da CFEM deva cair em 2022, ano em que as operações de fiscalização contra o garimpo ilegal se intensificaram.
O secretário reiterou algumas vezes durante a entrevista que a regularização da atividade garimpeira e da compra de ouro tem sido um projeto da atual gestão, destacando a importância do imposto no orçamento municipal. Na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022 de Itaituba, a CFEM representa 8,61% do total de receita disponível (R$ 33,4 milhões de R$ 387,5 milhões). Mas o investimento do imposto arrecadado é um mistério para os itaitubenses.
“O dinheiro dos royalties da mineração desaparece”
Em 2019, foi fundado o projeto De Olho na CFEM, uma realização da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) em parceria com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), com o Comitê Nacional em Defesa dos territórios Frente à Mineração e o movimento Justiça nos Trilhos. O objetivo do projeto é monitorar o perfil de despesa do imposto pelos municípios que mais recebem esse montante.
Uma das principais conclusões do estudo é a completa falta de transparência no empenho dos recursos arrecadados com ouro.
Segundo Giliad Silva, professor de economia da Unifesspa e colaborador do Laboratório de Contas Regionais da Amazônia na mesma universidade, é praxe que os municípios não discriminem a receita da CFEM nas suas despesas. A dificuldade de identificar a destinação orçamentária é tanta que o projeto chegou a desenvolver um robô para procurar a rubrica da CFEM no Portal da Transparência desses municípios. O Inesc compartilhou com o InfoAmazonia parte da pesquisa prévia realizada em relação ao empenho do imposto em Itaituba.
A planilha com os dados abertos de gastos do município cobre apenas o ano de 2019 e nela só é possível reconhecer a rubrica “Transf. União Royalties Rec. Minerais”, que aparece apenas cinco vezes, totalizando um gasto ínfimo, R$53 mil, empenhados na manutenção da Secretaria Municipal de Infraestrutura.
Na cartilha Orçamento e Direitos no Tapajós, publicada pelo Inesc, a CFEM aparece como segundo maior bolo de transferência federal ao município de Itaituba em 2020, perdendo apenas para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
O InfoAmazonia pediu detalhes do empenho da CFEM à Prefeitura de Itaituba via Lei de Acesso à Informação (LAI), mas não foi atendido. A reportagem também entrou em contato com a Secretaria de Finanças pessoalmente, por telefone e por email, mas não obteve nenhuma resposta.
Um orçamento com essas características demanda muita transparência para que não haja apropriação privada
Giliad Silva, professor de economia da Unifesspa
Um fator que aumenta a importância da transparência no gasto da CFEM é o fato de ser uma verba discricionária. “Um orçamento com essas características demanda muita transparência para que não haja apropriação privada”, pondera Giliad.
Não existe nenhuma obrigação de gasto da CFEM por parte dos municípios – apenas a proibição de empenho para pagamento de dívidas ou despesas correntes com servidores. Em 2017, entretanto, uma alteração na lei passou a orientar que os municípios e estados utilizem pelo menos 20% do recurso para atividades relativas à diversificação econômica, ao desenvolvimento mineral sustentável e ao desenvolvimento científico e tecnológico, de modo a reduzir a dependência da atividade predatória.
Giliad entende que a recomendação de uso da CFEM não tem sido cumprida pelos municípios. “A gente tem visto que o imposto é utilizado sobretudo na manutenção da máquina pública, o que não aponta para o fortalecimento de iniciativas que colaborem com a promoção da diversificação econômica”, completa.
A demanda por transparência no retorno financeiro do garimpo vem crescendo na sociedade itaitubense. Um dos vereadores da oposição em Itaituba, Delegado Conrado (PSB), informou à reportagem já ter solicitado a informação diversas vezes à Prefeitura.
“Eu peço muita informação e não consigo. Eles mascaram tudo no Portal da Transparência. Esse dinheiro dos royalties da mineração some, desaparece”, denuncia. “A recomendação de que a CFEM seja aplicada para alternativas econômicas não é aplicada e o município não tem benefício nenhum com o garimpo”, afirma.
O secretário Bruno Rolim informou ao InfoAmazonia que a CFEM tem sido gasta basicamente na área de infraestrutura, saúde e educação, mas não apresentou nenhum documento comprovando o empenho. “Foram mais de 30 postos de saúde e escolas construídos tanto na região garimpeira quanto nas áreas de agricultura da zona rural, o recurso é aplicado basicamente nisso”, afirma.
As construções das escolas foram negadas por José Augusto Galvão da Silva, professor em Itaituba há 28 anos, e coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (Sintep-PA). A organização sindical solicitou informações sobre o empenho da CFEM, e também foi ignorada pela Prefeitura. “Estamos desde o último quadrimestre de 2019 sem prestação de contas, ninguém sabe quanto é arrecadado”.
Se existe crescimento financeiro, ele não chega na comunidade escolar
José Augusto Galvão da Silva, professor em Itaituba há 28 anos
José ressalta que a Constituição Federal obriga o repasse de 25% do orçamento público para a pasta da educação, o que não tem acontecido em Itaituba. “Se existe crescimento financeiro, ele não chega na comunidade escolar”, afirma. O acesso ao ensino básico é um dos piores indicadores de Itaituba no IPS Amazônia de 2021, ocupando o 647º lugar no ranking de municípios amazônicos.
Via Conselho do Fundeb, o Sintep-PA chegou a denunciar Itaituba por dados fraudulentos e falta de transparência das contas públicas municipais ao Ministério Público estadual. “A questão do ouro foi um dos tocantes da ação, porque hoje é a maior fonte de arrecadação do município e a gente quer ver esse recurso aplicado como melhoria para as unidades de ensino”, explica o coordenador do sindicato.
*Nomes modificados a pedido da fonte