Postado emEntrevista / Eleições 2022

Ação de robôs é ‘extremamente alta’ nas eleições e aumentou com a aproximação do segundo turno, diz especialista

Christopher Bouzy, engenheiro e criador do BotSentinel, explica como perfis inautênticos de campanhas extremistas desviam o debate nas redes sociais

O engenheiro Christopher Bouzy não é filho de Sarah Connor (de “O Exterminador do Futuro”), mas é um dos mais famosos caçadores de robôs do mundo atual. Ele criou o serviço BotSentinel, onde é possível checar se contas do Twitter são inautênticas – o que inclui automatizadas, “fakes” e outras – e quais temas elas estão impulsionando ao redor do mundo. 

Poucos países dão tanto trabalho à ferramenta quanto o Brasil. Desde 2020, quando o inquérito das fake news levou a algumas prisões, Bouzy se espantou com o volume de uso de robôs no debate político brasileiro, o que se intensificou durante a crise da Covid. Em abril deste ano, ele publicou uma lista de milhares de contas que mal foram criadas e já engrossaram o volume de seguidores do presidente Jair Bolsonaro. 

O objetivo dos robôs, ele conta, é capturar a atenção das pessoas em debates polarizados, fazendo parecer que algumas opiniões sejam mais prevalentes do que de fato são, inflando hashtags e pautando o debate na imprensa e entre pessoas de verdade. 

Nesta entrevista, Bouzy explica a estratégia dos robôs. 

PlenaMata: Qual o papel dos robôs no debate digital?

Christopher Bouzy: Tudo depende de qual objetivo eles estão tentando atingir. Se querem direcionar uma mensagem, digamos, de que cortar árvores não é um problema, ou de que um certo líder é ótimo, eles agem de uma maneira. Se eles querem atacar pessoas, eles ofendem diretamente ou espalham desinformação pessoal. Tudo depende do tipo de mensagem. 

Em grande parte do tempo, eles tentam capturar a atenção e pegar carona no alcance de contas maiores. Tudo depende de entender se estão no ataque ou buscando alinhamento. Eles podem tentar fazer contato com contas grandes para ver se elas ampliam a mensagem que estão empurrando. Às vezes alguma conta grande, de influenciador, amplifica robôs políticos. Muitas vezes eles até sabem alegremente que estão fazendo isso, num arranjo que é bom para ambos. Por outro lado, existem os robôs que atacam influenciadores e jornalistas, para tentar calá-los ou tentar derrubar suas postagens por meio de denúncias à plataforma. 

Qual proporção do engajamento digital de campanhas extremistas depende de robôs?

Eles são extremamente ativos nas mídias sociais quando se trata de política brasileira, Covid e mudanças climáticas. Seu nível de atividade é extremamente alto. Há poucos dias, conforme esquentou a campanha pelo segundo turno no Brasil, vimos muita ação de contas falsas espalhando desinformação. 

Quem opera essas contas?

Nós procuramos não entrar na questão da atribuição. Sabemos que há empresas de relações públicas nos Estados Unidos, no Brasil e fora que usam esse tipo de serviço, mas só vamos atrás da origem quando é muito importante para o que estamos estudando. De qualquer forma, sabemos que grupos diferentes têm “assinaturas” diferentes. Alguns usam avatares gerados por inteligência artificial. Ou então eles empurram uma certa hashtag que só aquele grupo em particular usa. Aí identificamos contas que pertencem àquele grupo. 

Existe algo específico nos robôs que atuam para o bolsonarismo, em relação a todos os outros padrões que a Bot Sentinel observa pelo mundo?

Não temos como dizer que os robôs respondem especificamente à campanha, porque os robôs funcionam de maneiras que podem ser muito diferentes. Bom, o que tem de mais específico é que eles tuítam em português. Mas há várias contas que postam tanto em português quanto em inglês. Acreditamos que eles por vezes traduzem a mesma mensagem para o inglês para amplificar mundialmente sua mensagem. 

Nem sempre os robôs são caseiros, as agências podem contratar fora. Muitas empresas trabalham para mais de um país ao mesmo tempo. 

Em abril, você publicou uma lista imensa de contas recém-criadas e que imediatamente entraram para fazer volume na conta de Bolsonaro. No período eleitoral, têm aparecido muitas contas recém-criadas seguindo as pessoas, também. Qual a função dessas contas novas?

Elas podem substituir contas suspensas. Em outros casos, a ideia também pode ser inundar as mídias sociais com contas que sejam pró-Bolsonaro, pró-Trump ou quem quer que seja. Isso acontece muito quando uma eleição está chegando. Eles seguem indivíduos específicos ou empurram mensagens específicas. 

Para quem ainda não usa um serviço como o Bot Sentinel, quais são as melhores pistas de que uma conta pode ser um robô?

Uma das principais é observar se a conta é muito dedicada a um tipo apenas de mensagem. Uma pessoa de verdade posta sobre política mas também fala de outras coisas, como esportes, filmes, sua família. Se a conta passa o tempo inteiro empurrando as mesmas mensagens e engajando com as mesmas contas, é muito provável que seja inautêntica. E inautêntica é diferente de automatizada, pois pode ser um personagem criado por uma agência e operado por alguém. Quando a gente pensa no termo “robô”, pensamos em algo completamente automatizado, mas não é bem assim. As contas são muitas vezes controladas por seres humanos.

Como reverter essa situação?

É um infortúnio que nossa realidade tenha chegado a esse ponto. É ruim para a democracia, porque essas contas podem influenciar pessoas. Já vimos isso acontecer todo dia. É preciso aprovar leis melhores e eficientes para tratar desse problema. O próprio Twitter até tem sido bastante proativo em derrubar os casos mais óbvios, em relação a outras plataformas, mas existem muitos perfis que voam abaixo do radar. Acredito que as plataformas, especialmente o Twitter, precisam ser mais proativas. 


Reportagem do InfoAmazonia para o PlenaMata, em parceria com a Sala de Democracia Digital da FGV ECMI, uma iniciativa de monitoramento e análise do debate público na internet.

Sobre o autor

Jornalista formado pela UFRGS, especializado em jornalismo de dados. Trabalhou para jornais como Folha de S.Paulo e Los Angeles Times e é membro do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos...

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