Após sequência de medidas contra a pauta ambiental e a tentativa de passar a ‘boiada’, candidatos mudam o discurso durante a campanha, mesmo que sigam defendendo a exploração econômica dos territórios de povos tradicionais.
Após um desmonte generalizado nas pautas ligadas à causa ambiental, a temática “povos indígenas” tem sido abordada por todas as principais candidaturas presidenciais em 2022. Até os candidatos ligados à direita adotam tom protocolarmente positivo ao tratar do tema. Nem sempre foi assim, porém, especialmente no caso do presidente Jair Bolsonaro (PL), de Simone Tebet (MDB) e de Soraya Thronicke (União Brasil). Embora usem palavras mais suaves e até afáveis para se referir aos indígenas, os três seguem defendendo a exploração econômica de seus territórios.
Análise do InfoAmazonia e PlenaMata de tuítes dos candidatos, publicados nos últimos anos e obtidos pelo Twitter, mostra que os três costumavam fazer críticas fortes à demarcação de terras indígenas. Com a campanha eleitoral e, no caso de Bolsonaro, após a crise da Covid-19, o tom das falas mudou ao menos levemente, maquiando o conteúdo.
Segundo Eloísa Machado, professora da FGV Direito, a demarcação de terras indígenas é fator central para a existência e respeito aos povos. A resistência de grupos políticos a esse preceito constitucional, segundo ela, tem um fundo econômico.
“Infelizmente, as terras indígenas – e, consequentemente, os povos indígenas – têm sido alvo de ataque por parte do Legislativo e do Executivo, mais preocupados em defender interesses pouco republicanos e um modelo de desenvolvimento predatório e desigual”, diz. “É lamentável que parlamentares e candidatas ao mais alto cargo do país não mostrem lealdade ao texto constitucional”.
A coleta de dados tem períodos diferentes para cada candidato, visto que a plataforma tem uma limitação da extração por volume. Assim, candidatos que participam pouco dos debates no Twitter acabam tendo um período maior de abrangência do que outros mais assíduos. No caso do presidente Jair Bolsonaro, mensagens anteriores foram obtidas em projetos independentes (leia mais sobre eles no final da reportagem) e checadas em sua autenticidade pela reportagem do PlenaMata.
Mudanças de tom
O presidente Jair Bolsonaro passou a chamar os indígenas de “irmãos” após as críticas recebidas no combate à Covid-19, mas parte significativa das menções que ele faz aos indígenas fala em “integrá-los” à sociedade. Na sua campanha de 2018, prometeu que não demarcaria terras indígenas – e cumpriu, implementando uma agenda pró-exploração desses territórios.
Desde 2020, com as críticas devido às mortes dos povos tradicionais devido ao coronavírus, a maior parte das menções a indígenas no Twitter de Bolsonaro tem tom institucional, provavelmente preparado por assessores. Ele defende a mineração nessas terras, mas, em menções mais recentes, busca apontar o dedo para os governos FHC e Dilma, que teriam propostas similares. Também mantém a agenda integracionista.
“O presidente da República continua usando a máquina pública brasileira para promover uma política anti-indígena, através da edição de atos normativos, da destruição das instituições voltadas à defesa dos povos indígenas e também de discursos que incitam a violência contra povos indígenas – como faz quando celebra garimpeiros, por exemplo”, diz Machado.
Em 2019, a maneira como Bolsonaro trata a questão indígena, em atos e palavras, foi analisada em denúncia apresentada pelo Coletivo Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) e pela Comissão Arns à Procuradoria do Tribunal Penal Internacional (TPI). O documento, assinado por Eloísa Machado e outros colegas, incluindo o advogado indígena Luiz Eloy Terena, solicita análise sobre os ataques sistemáticos e incitação a genocídio, por parte do presidente da República, contra os povos indígenas.
Desde dezembro de 2020, os fatos relatados estão formalmente sob avaliação preliminar de justificação. Após essa fase, Bolsonaro pode ser julgado no TPI, que tem a possibilidade de condená-lo por crimes contra a humanidade e genocídio indígena.
Simone e Soraya
Antes de Simone e Soraya serem presidenciáveis, elas manifestavam muita preocupação com a indenização de agricultores que ocupavam terras potencialmente demarcáveis para povos indígenas.
Simone postava fotos recebendo ruralistas preocupados com o tema e com colegas senadores. Uma imagem, que agora voltou a circular nas redes sociais, mostra a candidata fazendo o V da vitória quando a PEC das terras indígenas foi aprovada, em 2015; hoje, ela fala em investigar crimes contra indígenas e em defender os direitos dos povos indígenas.
Antes:
Depois:
Soraya pautava suas declarações sobre o tema nas falas de Bolsonaro, que no último debate do SBT a acusou de oportunismo; hoje, lamenta que os indígenas estejam “abandonados pelo governo” e fala que eles merecem “trabalhar e prosperar”.
Antes:
Depois:
“Não é possível imaginar que um discurso assimilacionista e integracionista seja favorável aos povos indígenas”, diz Eloísa Machado.
Outros candidatos
No conjunto de mensagens coletadas, Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT) só se manifestam de maneira positiva a respeito da causa indígena – quando se manifestam. Como suas contas têm alto volume de tuítes, porém, o período coletado é limitado pela plataforma, então só foi possível observar menos de um ano de mensagens em cada caso.
Lula fala em proibir o garimpo em terras indígenas, critica a transformação da Funai em um órgão anti-indígena durante a gestão Bolsonaro e promete a criação de um ministério dos Povos Originários. Solidarizou-se em seu Twitter com a família deixada pelo indigenista Bruno Pereira, assassinado com o repórter Dom Phillips quando investigavam casos de violência contra indígenas na Amazônia.
Ciro por diversas vezes mencionou membros do movimento indígena pedetista e apontou o fato de que o jornalista Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira foram mortos investigando casos de violência contra indígenas. Também costuma lamentar casos de violência direcionada contra os povos.
Felipe D’ávila (Novo) não tocou no assunto. Dos candidatos a vice, Geraldo Alckmin (PSB, vice de Lula) falou no assunto lamentando a postura de Bolsonaro e Marcos Cintra (União Brasil, vice de Soraya) criticou a demarcação de terras. Menos visados no debate público, não sofrem tanta pressão para se posicionar sobre a maior parte dos temas.
Metodologia – como coletamos os dados
A maior parte dos tuítes analisados nesta reportagem foi coletada por meio da própria plataforma do Twitter, via API. Foram coletados 33 mil tuítes dos presidenciáveis e seus companheiros de chapa, dos quais 129 mencionavam palavras-chave relacionadas à questão indígena. Ocorre, porém, que a plataforma impõe restrições de volume para coleta. Assim, dos candidatos que utilizam mais a rede social e portanto geram um volume maior de dados, o período coletado acabou sendo menor.
Para suprir o pouco alcance da plataforma, no caso do presidente Jair Bolsonaro, o PlenaMata consultou projetos independentes. Um usuário da plataforma Kaggle, que oferece desafios de programação, organizou uma coleção de quase 10 mil tweets de Bolsonaro, publicados ao longo de 10 anos, a interessados em experimentar com técnicas de processamento de linguagem natural. Destes, 49 tratavam do assunto. A autenticidade de todos os tuítes utilizados nesta reportagem foi verificada na plataforma, e os que não estavam mais publicados (por terem sido apagados, por exemplo) foram desconsiderados.
Não há acervos semelhantes para mensagens de qualquer outro presidenciável. Com o acervo de Bolsonaro, porém, é possível ver as diferenças em como ele se referia aos indígenas antes e depois da crise da Covid, quando foi acusado de promover uma espécie de genocídio indígena por meio de ações e omissões de política pública.
Reportagem do InfoAmazonia para o PlenaMata, em parceria com a Sala de Democracia Digital da FGV ECMI, uma iniciativa de monitoramento e análise do debate público na internet.