Renda e IDH melhoraram nos governos focados na chamada florestania; entre 2002 e 2019, período criticado pela candidata do MDB, PIB do Acre cresceu em média 3,5% por ano, contra 2,3% do Brasil.
Em época de eleição, o debate entre preservação ambiental e crescimento econômico ganha corpo no Acre. De um lado ficam os candidatos que dizem ser possível explorar os recursos florestais de modo sustentável; de outro, os que culpam a chamada “florestania” (junção das palavras cidadania e floresta para designar desenvolvimento a partir de produções que deveriam ser sustentáveis) dos 20 anos de governos petistas pelo que consideram a situação de pobreza vivida pela população acreana.
A candidata ao governo acreano Mara Rocha (MDB), deputada federal ligada ao agronegócio, usou o horário eleitoral para atrelar a florestania à miséria. Na corrida eleitoral, ela está em terceiro lugar, com 6% das intenções de voto, atrás do candidato à reeleição Gladson Cameli (PP), com 54%, e de Jorge Viana (PT) —ex-governador que adotou a florestania no seu plano de governo—, com 25%, segundo a pesquisa da Rede Amazônia.
Em 7 de setembro, Mara disse: “O estado tomou o caminho inverso da produção com a tal ‘florestania’, que trouxe a fome, a miséria e a falta de perspectiva para a nossa gente.” Não é verdade.
“Nos governos da ‘florestania’, a economia cresceu”, diz o economista Orlando Sabino, professor aposentado da Universidade Federal do Acre, que estuda os movimentos da economia local nas últimas décadas. Segundo o economista, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) acreano entre 2002 e 2019 foi o sétimo maior do Brasil. Nesse período, o PIB estadual cresceu, em média, 3,5%, contra 2,3% do Brasil como um todo.
Os indicadores econômicos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que em 2012 a renda média per capita no Acre era de R$ 606 (o equivalente a R$ 1.437 hoje, com correção pelo IGP-M) —esse é o dado mais antigo da série. Em 2018, último ano da “florestania”, foi para R$ 909 (atuais R$ 1.520); em 2021, caiu para R$ 888 (R$ 955).
Como fazemos o monitoramento:
O projeto Mentira Tem Preço, realizado desde 2021 pelo InfoAmazonia e pela produtora FALA, monitora e investiga desinformação socioambiental. Nas eleições de 2022, checamos diariamente os discursos no horário eleitoral de todos os candidatos a governador na Amazônia Legal. Também monitoramos, a partir de palavras-chave relacionadas a justiça social e meio ambiente, desinformação sobre a Amazônia nas redes sociais, em grupos públicos de aplicativos de mensagem e em plataformas.
Além disso, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Acre, que era de 0,402 em 1991, subiu para 0,517 em 2000 e chegou a 0,663 em 2010, último ano do Censo. A escala vai de 0 a 1 e considera critérios como renda, educação e longevidade —quanto mais perto de 1, melhor é o indicador.
Entre 2002 e 2019, o PIB do estado saiu de R$ 2,9 bilhões (valor que hoje corresponderia a R$ 8,2 bilhões) para R$ 15,6 bilhões, segundo Sabino. “A renda cresceu 18,3%, a educação, 109%. Para dizer se a florestania representou um retrocesso ou não, precisamos avaliar esses dados. Para mim, eles são positivos”, afirma Sabino.
Para o cientista político Israel Souza, professor do Instituto Federal do Acre e autor de “Desenvolvimento Sustentável no Acre: Leituras Críticas”, a florestania, que também fez as atividades de pecuária e madeireira crescerem 300%, não dinamizou a economia. “Minha crítica é que, em razão da preocupação com a floresta, a economia teria ficado engessada e não se desenvolveu, e que a contraparte seria o investimento total no agronegócio”, afirma.
Posicionar-se contra a florestania é estratégico em um estado que elegeu Jair Bolsonaro em 2018, com 77,22% dos votos (a maior votação proporcional no segundo turno). Segundo pesquisa Ipec/Rede Amazônica, em setembro de 2022 o presidente tem 53% das intenções de voto dos acreanos, contra 33% do candidato que lidera as pesquisas eleitorais no país, Luiz Inácio Lula da Silva.
Procurados, os candidatos Mara Rocha e Jorge Viana não responderam até a publicação desta reportagem.
O que é “florestania”?
O conceito de “florestania” significa aplicar os princípios de cidadania aos povos da floresta. Essa história começa em 1999, quando o engenheiro florestal Jorge Viana (PT) assumiu o governo do Acre, onde foi eleito para dois mandatos. Ancorado em um berço político de movimentos de resistência dos seringueiros contra a transformação da floresta em fazendas de gado —herdada do ativista Chico Mendes—, seu governo tentou colocar em prática a exploração dos recursos naturais (como o manejo sustentável da madeira e a extração de borracha, castanha, sementes e frutos locais) como indutora da economia.
Quem é Jorge Viana?
Jorge Ney Viana Macedo Neves, 63 anos, é engenheiro florestal. Sua trajetória política no Acre se deu dentro do Partido dos Trabalhadores (PT): pelo partido, foi eleito prefeito de Rio Branco (1992), governador do estado (1998 e 2002) e senador (2010). A partir de ideias concebidas por Chico Mendes e Marina Silva na luta dos movimentos seringueiros, idealizou o “governo da floresta” em sua gestão no estado. Com boa avaliação, em 2006 elegeu seu sucessor, Binho Marques (PT). No Senado, foi relator do novo Código Florestal.
Quem é Mara Rocha?
A jornalista Cylmara Fernandes da Rocha Gripp, 49 anos, cumpre seu primeiro mandato como deputada federal e trocou o PSDB pelo MDB para concorrer pela primeira vez ao governo do Acre. Por muitos anos, foi apresentadora de um telejornal da TV Gazeta/Record e, aos domingos, apresentava o programa “Acre Rural”, voltado ao agronegócio. Em 2018, foi a deputada mais bem votada do estado, com mais de 40 mil votos. Aliada ao bolsonarismo, é autora do Projeto de Lei 6.024, criticado por ambientalistas por beneficiar moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes que transformaram áreas de floresta em fazendas de gado.
Essa reportagem faz parte do projeto Mentira Tem Preço – especial de eleições, realizado por InfoAmazonia em parceria com a produtora Fala. A iniciativa é parte do Consórcio de Organizações da Sociedade Civil, Agências de Checagem e de Jornalismo Independente para o Combate à Desinformação Socioambiental. Também integram a iniciativa o Observatório do Clima (Fakebook), O Eco, A Pública, Repórter Brasil e Aos Fatos.
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