Programa de Antonio Denarium (PP) na TV mostra que o número de mortes violentas caiu no estado, o terceiro com maior número de assassinatos de indígenas no país em 2021.

Candidato à reeleição em Roraima, o governador Antonio Denarium (PP) exibiu no terceiro programa eleitoral o que considerou um feito em segurança pública: a queda de 34% no número de mortes violentas no estado no primeiro semestre de 2022. “Roraima ficou em primeiro lugar na redução da violência”, diz o locutor. A estatística é oficial, do Monitor da Violência, projeto do portal G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Mas que o programa não diz é que um ano antes a violência disparava no estado. E que o estado é o terceiro no ranking de assassinatos de indígenas.  

No primeiro semestre de 2021, Roraima registrou 40% de alta no número de mortes violentas, o pior resultado do país, segundo o mesmo monitoramento, que acompanha, via Lei de Acesso à Informação, o índice Mortes Violentas Intencionais (MVI) no Brasil.

Agentes da Polícia Federal fazem operação após terem sido recebidos a tiros por garimpeiros ilegais no rio Uraricoera, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, em maio de 2021

De janeiro a junho de 2021, foram contabilizados 125 assassinatos, contra 89 no mesmo período de 2020 —e o governo estadual atribuiu o saldo de violência à disputa de facções rivais pelo território do tráfico de drogas na região. Por isso a redução em 2022 para 83 assassinatos entre janeiro e junho torna-se expressiva em relação aos números do ano anterior.

A propaganda de Denarium também ignora a violência no campo, apesar de Roraima ficar em terceiro lugar no ranking de estados com o maior número de assassinatos de indígenas em 2021. Foram 32 mortes, aponta o “Relatório Violência Contra Os Povos Indígenas do Brasil”, do Cimi (Conselho Indigenista Missionário). Denarium, que é o favorito nas pesquisas (na última, divulgada em 20/9, ele aparece com 50% das intenções de voto), dedicou seu programa de campanha na TV de 31 de agosto ao tema da Segurança Pública, mostrando cenas de policiais em ação em zonas urbanas. Em 4 minutos e 24 segundos, Roraima foi apresentado como “um dos estados mais seguros do Brasil”.

Como fazemos o monitoramento:

O projeto Mentira Tem Preço, realizado desde 2021 pelo InfoAmazonia e pela produtora FALA, monitora e investiga desinformação socioambiental. Nas eleições de 2022, checamos diariamente os discursos no horário eleitoral de todos os candidatos a governador na Amazônia Legal. Também monitoramos, a partir de palavras-chave relacionadas a justiça social e meio ambiente, desinformação sobre a Amazônia nas redes sociais, em grupos públicos de aplicativos de mensagem e em plataformas.

Mas e a violência contra indígenas?

Alan Fernandes, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ressalta que a maior parte dos crimes contabilizados em Roraima se dá nas cidades, enquanto o interior do estado, o que inclui as terras indígenas, está no “limbo”. 

“As mortes que acontecem no campo, que têm indígenas como vítimas ou não, elas não entram nesses dados e sequer há uma atenção voltada para que entrem. Pela experiência de campo, parece que as Terras Indígenas e o interior de Roraima em si são bem obscuros, seja para produção de estatísticas ou de políticas”, avalia.

Sobrevoo registra áreas de garimpos ilegais dentro da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, em abril de 2021

A população indígena representa 11% dos 631 mil habitantes do estado, conforme o Censo de 2010 do IBGE, e ocupa 48% de seu território. Roraima tem 32 terras indígenas, entre elas duas que têm registros históricos de invasões, violência e assassinatos: a Terra Indígena Yanomami (9,3 milhões de hectares e 27 mil indígenas) e a Raposa Serra do Sol (1,7 milhão de hectares e 28 mil indígenas). 

Em 2021, Roraima só ficou atrás do Amazonas e do Mato Grosso em assassinatos de pessoas indígenas, segundo o relatório do Cimi, que acrescenta: esses três estados foram também os mais violentos para os indígenas em 2020 e 2019. O mesmo documento mostra também que o estado tem a segunda maior população carcerária indígena do país (248 pessoas presas) —atrás apenas do Mato Grosso do Sul (403)— e o segundo pior índice de óbito de crianças indígenas (149 mortes).

O governador de Roraima, Antonio Denarium, fala à imprensa no Palácio do Planalto. Candidato comemora queda nos índices de violência um ano depois que os mesmos números, sob seu governo, tinham disparado

Quem é Antonio Denarium?

À frente do governo de Roraima desde dezembro de 2018, Denarium assumiu o estado como interventor federal nomeado pelo então presidente Michel Temer (MDB) em meio a uma crise na segurança pública, com paralisação de servidores da área em protesto pelo atraso de salários e tensão em presídios locais. Foi a primeira intervenção federal desde a aprovação da Constituição Federal de 1988.

Até então um empresário pouco conhecido que surfou na onda bolsonarista, Denarium foi eleito governador com 53% dos votos no segundo turno das eleições de 2018. O secretário de Fazenda escolhido por ele na época da intervenção foi o general Eduardo Pazuello, então chefe da operação Acolhida, a missão militarizada de acolhimento a refugiados e migrantes da Venezuela que chegam ao Brasil por Roraima.

Essa reportagem faz parte do projeto Mentira Tem Preço – especial de eleições, realizado pelo InfoAmazonia em parceria com a produtora Fala. A iniciativa é parte do Consórcio de Organizações da Sociedade Civil, Agências de Checagem e de Jornalismo Independente para o Combate à Desinformação Socioambiental.  Também integram a iniciativa o Observatório do Clima (Fakebook), O Eco, A Pública, Repórter Brasil e Aos Fatos.

A autorização para republicação do conteúdo se dá mediante publicação na íntegra, o projeto Mentira Tem Preço não se responsabiliza por alterações no conteúdo feitas por terceiros.

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