Candidato à reeleição em Roraima, Denarium (PP) fez uma gestão com dez trocas de secretários de saúde na pandemia, isenção de imposto para cloroquina e desrespeito ao sepultamento de crianças indígenas que morreram por causa da Covid-19.
No programa exibido no horário eleitoral gratuito na TV em 26 de agosto, a campanha do candidato Antônio Denarium (PP), atual governador de Roraima e líder nas pesquisas, creditou a ele um bom desempenho como gestor na pandemia de Covid-19. O jingle diz: “na pandemia [ele] mostrou o cuidado”. Mas a história é outra.
Ainda em 2020, Denarium disse à imprensa local que Roraima chegaria ao fim da pandemia com apenas 300 mortos. Apenas 25 dias depois da entrevista , o estado ultrapassou essa estimativa, contando 314 vítimas. No mesmo ano, Roraima chegou ao ranking que nenhum gestor gostaria de ter: o mais letal do país para a Covid-19.
O estado também foi palco do drama das mães Yanomami que durante a pandemia tiveram seus bebês sepultados sem seu consentimento em um cemitério de Boa Vista. As crianças haviam sido transferidas para a capital por apresentarem complicações graves de Covid-19. Mesmo recebendo atendimento hospitalar na rede pública (duas na rede estadual e uma na municipal), elas faleceram em decorrência da doença. As mães, do subgrupo Sanöma e que não falam português, pediram para realizar os rituais fúnebres de seu povo, de cremar seus mortos.
O caso dos bebês Yanomami teve repercussão internacional, e em março de 2022 as famílias obtiveram na Justiça Federal o direito à exumação e ao sepultamento dos corpos em suas aldeias. Na decisão, o governo do estado foi proibido de impedir as exumações. À época, a Defesa Civil de Roraima havia elaborado uma norma proibindo a população indígena de realizar seus rituais fúnebres, prevendo a exumação dos corpos somente após o fim da pandemia.
Como fazemos o monitoramento:
O projeto Mentira Tem Preço, realizado desde 2021 pelo InfoAmazonia e pela produtora FALA, monitora e investiga desinformação socioambiental. Nas eleições de 2022, checamos diariamente os discursos no horário eleitoral de todos os candidatos a governador na Amazônia Legal. Também monitoramos, a partir de palavras-chave relacionadas a justiça social e meio ambiente, desinformação sobre a Amazônia nas redes sociais, em grupos públicos de aplicativos de mensagem e em plataformas.
Cinco secretários de Saúde em seis meses de pandemia
No governo Denarium, Roraima teve dez secretários estaduais de Saúde, e passou por oito trocas de liderança em dois anos. O período mais intenso de trocas foram os seis primeiros meses de 2020, logo no início da pandemia: cinco secretários estiveram à frente — e saíram— da pasta.
Um deles foi afastado por suspeita de envolvimento em um esquema para compra superfaturada de 30 respiradores pulmonares por R$ 6,4 milhões, um valor que equivale a quase seis vezes o custo real dos aparelhos à época, segundo as investigações do Ministério Público Estadual.
Em alguns momentos da pandemia, a capital Boa Vista teve o pior índice de mortalidade de grávidas por Covid-19. E Roraima registra hoje a maior letalidade entre grávidas no levantamento do Observatório Obstétrico Brasil Covid-19: 48% das gestantes que tiveram a doença de 2020 até setembro de 2022 faleceram (foram 32 mortes).
Isenção de imposto para remédios ineficazes
Alinhado com o governo Bolsonaro, em março de 2021 o governador Denarium apresentou um projeto de lei, aprovado pela Assembleia Legislativa, para zerar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) em mais de 100 itens de combate à Covid-19, entre eles cloroquina, sulfato de hidroxicloroquina e azitromicina.
A questão é que em 2020 a comunidade científica já havia apontado que a cloroquina era ineficaz para o tratamento da Covid-19. Um desses estudos, publicado na Nature, concluiu que a eficácia e a segurança da hidroxicloroquina utilizada sozinha ou em combinação com a azitromicina no tratamento da doença não podem ser garantidas.
O mesmo projeto de lei também reduziu o ICMS para a aquisição de combustíveis de aviação no estado onde funciona parte de uma rede de logística aérea para abastecer garimpos ilegais em áreas protegidas da Amazônia.
Quem é Antonio Denarium?
À frente do governo de Roraima desde dezembro de 2018, Denarium assumiu o estado como interventor federal nomeado pelo então presidente Michel Temer (MDB) em meio a uma crise na segurança pública, com paralisação de servidores da área em protesto pelo atraso de salários e tensão em presídios locais. Foi a primeira intervenção federal desde a aprovação da Constituição Federal de 1988.
Até então um empresário pouco conhecido que surfou na onda bolsonarista, Denarium foi eleito governador com 53% dos votos no segundo turno das eleições de 2018. O secretário de Fazenda escolhido por ele na época da intervenção foi o general Eduardo Pazuello, então chefe da operação Acolhida, a missão militarizada de acolhimento a refugiados e migrantes da Venezuela que chegam ao Brasil por Roraima.
Procurada pela reportagem, a assessoria do governador Antonio Denarium não se manifestou sobre o assunto.
Essa reportagem faz parte do projeto Mentira Tem Preço – especial de eleições, realizado pelo InfoAmazonia em parceria com a produtora Fala. A iniciativa é parte do Consórcio de Organizações da Sociedade Civil, Agências de Checagem e de Jornalismo Independente para o Combate à Desinformação Socioambiental. Integram a iniciativa o InfoAmazonia, a produtora Fala, o Observatório do Clima (Fakebook), O Eco, A Pública, Repórter Brasil e Aos Fatos.