InfoAmazonia e PlenaMata apresentam análise exclusiva de quase 700 mil tuítes sobre assuntos relacionados à floresta na semana de estreia dos candidatos à presidência na televisão, com sabatinas no Jornal Nacional e debate na Band repercutindo nas redes sociais.
A Amazônia e seus problemas são temas cruciais para o futuro do Brasil e do mundo, mas pouco aparecem no debate eleitoral. Existe uma repercussão vibrante sobre o assunto nas redes sociais, com influenciadores em diálogo com instituições, autoridades, estudiosos, jornalistas e curiosos. Do outro lado, os apoiadores do governo Bolsonaro, entre políticos, influenciadores e militantes, debatem o tema fechados numa bolha, com muito pouca interlocução com o público mais amplo.
Essas são as conclusões de uma análise exclusiva feita pelo InfoAmazonia e PlenaMata com quase 700 mil tuítes que mencionaram temas ligados à preservação da floresta – entre os termos analisados, estão “Amazônia”, “desmatamento”, “grilagem”, “queimadas” e “povos indígenas”.
Os dados foram coletados entre os dias 21 e 30 de agosto, das 20h à 0h. Nesses dias, os candidatos à Presidência da República inauguraram a fase decisiva de suas campanhas indo à televisão para se apresentar aos eleitores. Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT), Lula (PT) e Simone Tebet (MDB), os quatro melhores nas pesquisas, concederam entrevistas ao Jornal Nacional. Já no domingo (28), eles foram acompanhados pelos dois candidatos mais bem colocados na sequência – em quinto e sexto lugar –, Luiz Felipe D’Ávila (Novo) e Soraya Thronicke (União Brasil), e participaram do tradicional debate da Rede Bandeirantes.
Pelos dados coletados, a repercussão tem pouca participação de pessoas que vivem na região amazônica. “É difícil saber o número de pessoas que vivem na Amazônia e usam Twitter”, pondera Jader Gama, pesquisador da Fundação Escola Bosque (Funbosque), em Belém (PA). Ao mesmo tempo, observa, “muita gente mora na Amazônia, mas está alheia ao debate ambiental”.
Conversas longe da floresta
Durante a semana em que os candidatos começaram a mostrar seu rosto, a maior parte da conversa sobre a Amazônia no Twitter pareceu ter ocorrido longe da floresta, nas maiores capitais do país.
Líderes indígenas, ambientalistas e contas ligadas a ONGs com atuação na região amazônica aparecem no debate, dialogando e informando os interessados no assunto em todo o país. Mas, em termos de volume de contas engajadas na conversa, a região da floresta quase não aparece.
Parte dessa ausência, diz Victor Piaia, pesquisador da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV (FGV ECMI), pode ser explicada pelo fato de que muitos usuários recentes da rede não informam sua localização. No entanto, há também questões estruturais, como a falta de conectividade e diferentes hábitos de informação.
O mapa abaixo mostra a distribuição dos tuítes sobre problemas da Amazônia entre a tarde de 22 de agosto e a tarde de 30 de agosto.
O debate na TV
Como as questões que tocam à Amazônia e ao meio ambiente entraram na conversa?
Na TV, elas entraram muito pouco. Das 499 falas reunidas na transcrição das quatro sabatinas e do debate, temas relacionados aos problemas da floresta aparecem em 64 delas – e, ainda assim, não raramente são discutidas de maneira vaga.
Se no debate ocorrido na TV e nas entrevistas foram poucas as menções, no Twitter a conversa foi acirrada. Ao longo da semana, o Trendsmap: Ferramenta de monitoramento global de postagens feitas no Twitter, que permite busca por palavra e local localizou mais de 34 mil pessoas que usavam as palavras-chave relacionadas à Amazônia.
Os picos de popularidade das menções ocorreram exatamente durante as entrevistas e o debate, com o assunto se estendendo por horas e dias seguintes. Padrões semelhantes foram observados no debate de outros temas, segundo Piaia. “A população é instada a se posicionar e os eventos conseguem, à sua maneira, direcionar a atenção, criando um espaço único para a discussão desses temas. Essa percepção da ausência de menções à Amazônia nos debates e, ao mesmo tempo, o aumento do debate nas redes, mostra bem a convergência entre o espaço de discussão que as eleições abrem e a capacidade das redes de se mobilizar sobre temas relevantes.”
‘Galáxias’ isoladas debatem a floresta
O debate sobre a Amazônia nas redes sociais é tão dividido que há duas esferas distintas de conversa, como se fossem galáxias distantes. Elas usam referências distintas, têm dinâmicas diversas e até vocabulários diferentes.
Uma análise feita na ferramenta Gephi: Programa analítico que permite visualizar o grau de afinidade entre pares de usuários de uma rede com os dados das mesmas palavras-chave ao longo de toda a semana da exposição dos candidatos mostra que as menções aos temas relacionados à floresta se organizam de duas maneiras principais.
Na parte mais numerosa do debate, existe uma vibrante conversa entre grupos nada homogêneos, que trocam informações, multiplicam conteúdos e servem como referências uns aos outros. São ambientalistas, jornalistas, políticos, influenciadores digitais e seus respectivos públicos, que interagem com uma nuvem vermelha que tem cerca de 25% das contas envolvidas no debate. O perfil mais referenciado nesse grupo – tanto com menções à arroba, quanto por RTs – é o do Lula.
De outro lado, há uma bolha de direita que praticamente só conversa entre si e pouco dialoga com imprensa, lideranças indígenas e ambientais, e instituições que atuam pela preservação da Amazônia. A nuvem azul tem cerca de 26% das contas, que interagem pouco fora do grupo.
Há de tudo nesses perfis: contas pequenas e grandes, pessoais e institucionais, influenciadores e militantes, jornalistas e empresas. Quanto mais os usuários interagem entre si, mais próximos ficam seus pontos, e é assim que o algoritmo identifica os agrupamentos. Dentro deles, os interesses temáticos e fontes de informação tendem a ser semelhantes.
É assim que podemos constatar que os bolsonaristas praticamente só conversam entre si sobre os temas que entraram na busca. Debatem temas da Amazônia, mas sem referenciar as fontes que dialogam do outro lado da rede. A distância entre as nuvens na imagem mostra que raramente existe alguma conta que fura a bolha e interage com a bolha da esquerda.
Trata-se de uma bolha muito mais centralizada, gravitando em torno de influenciadores de extrema-direita. O mais seguido é Filipe Martins, assessor especial da Presidência. Seu perfil foi o que mais atraiu interações durante as entrevistas de Bolsonaro e Lula ao Jornal Nacional. Ex-aluno de Olavo de Carvalho, ele ganhou notoriedade em 2021 por fazer um gesto identificado como supremacista em uma transmissão de vídeo, que justificou como sendo um momento de arrumar a lapela do seu paletó.
“A bolha bolsonarista é superconcentrada e autorreferente”, diz Piaia, que vê padrões recorrentes encenados pelos participantes da bolha em qualquer assunto.
“Muitas vezes o comportamento de rede está muito mais ‘automatizado’ na dinâmica rotineira dos clusters (grupos conectados) do que na opinião dos usuários sobre temas específicos que estão sendo discutidos”, explica. Ou seja, a opinião do usuário aparece de certa maneira subordinada à dinâmica de engajamento do grupo.
Essa visão ampliada de um pedaço da conversa nas proximidades de Bolsonaro mostra o quanto o grupo é homogêneo. Ocasionalmente, alguém de fora referencia o presidente, mas a maior parte da conversa fica entre os que mais interagem com ele.
Galáxia do Lula
Já a nuvem que gravita em torno do Lula conversa com grupos que circulam em torno de ambientalistas (verde), influenciadores mais ligados a temas políticos (verde claro), jornalistas (azul claro) e influenciadores mais ligados à cultura pop (amarelo) — reveja na segunda imagem do texto. Os dois últimos grupos circundam o núcleo central do debate, sendo referenciados por vários pontos dele e buscando engajamento com esses temas importantes no dia.
Em laranja, pendendo para o lado direito da nuvem, estão os debatedores que, na falta de classificação melhor, podem ser tomados como “terceira via”. O perfil mais proeminente é o de Ciro Gomes; Simone Tebet também está no grupo, mas não tem interações suficientes para sobressair e ser localizada no grafo. Além dos perfis identificados com o grupo, eles interagem principalmente com jornalistas e influenciadores, e eventualmente com o grupo que gravita em torno de Lula.
Cada grupo é formado por muitos perfis diferentes, com interesses que convergem em alguns pontos com os de outros grupos próximos. É uma federação de esferas que se reconhecem e dialogam. Seus participantes se referenciam, compartilham informações, conversam com outras “bolhas” – ainda que a maior parte das interações seja dentro dos seus próprios grupos.
Esta visão ampliada de um pedaço da conversa nas proximidades de Lula mostra o quanto os grupos se entrecruzam.
Para fins de comparação, a conversa referenciando Ciro Gomes aparece bem menos volumosa e com pouca interlocução.
Leia a seguir algumas observações sobre os debates digitais ocorridos durante as entrevistas dos dois candidatos melhor colocados nas pesquisas e o debate da Band.
Bolsonaro
Na sabatina do presidente Jair Bolsonaro ao Jornal Nacional, no dia 22, temas ligados à Amazônia apareceram em 28 falas. Foi a maior sequência dentre todos os eventos televisivos, respondendo por quase metade de todas as menções do assunto.
O atual presidente da República foi questionado sobre o aumento do desmatamento na Amazônia e o desmonte das garantias da fiscalização – e negou tudo. Criticou a destruição de tratores de infratores ambientais por parte das autoridades fiscalizadoras e chegou até mesmo a culpar os ribeirinhos pelos incêndios.
Enquanto isso, no Twitter, uma a cada cinco mensagens dentro das buscas, entre as 20h e a meia-noite, tratava de desmatamento. Uma a cada oito mencionava o Ibama. O pico das menções ocorreu entre as 20h45 e 21h, no final da entrevista. Nesse ponto, segundo o Trendsmap, o tom das mensagens era o mais negativo.
Após as perguntas dos entrevistadores na TV, as falas dos candidatos eram contestadas com fervor e ironia por indígenas, políticos, jornalistas, ambientalistas e outros interessados no tema.
De um lado, influenciadores de direita criticavam as perguntas do Jornal Nacional.
Na outra teia, que consistia na maior parte do debate, pessoas ligadas à floresta e ao meio ambiente, além de influenciadores críticos ao governo, manifestaram espanto com as afirmações.
As falas do presidente, especialmente suas incoerências, pautaram o debate. E, como se fossem galáxias separadas, os dois grupos não interagiam durante aquelas quatro horas. Esse padrão se repetiu nas outras três entrevistas e no debate (ver abaixo).
Lula
Ao falar ao Jornal Nacional no dia 25, o ex-presidente não foi questionado sobre a Amazônia. Foi questionado sobre o agronegócio e a proximidade entre seu partido, o PT, e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Foi Lula quem tomou a iniciativa de mencionar a Amazônia, ao criticar a falta de preocupações ambientais de parte do agronegócio.
O tema durou oito falas, entre perguntas e respostas, e nelas Lula fez duas afirmações que repercutiram nas redes: uma crítica ao atraso de parte do agronegócio e uma refutação da imagem do MST como invasor de terras, lembrando que cooperativas ligadas ao movimento hoje são importantes produtoras de arroz orgânico.
No Twitter, um a cada 12 comentários dentro das buscas, entre as 20h e a meia-noite, mencionava o agronegócio. Um a cada 14 tratava de desmatamento. O pico das menções aos temas buscados ocorreu logo depois da entrevista, às 21h10. Foi logo depois que a conta do próprio entrevistado desenvolveu o tema do agronegócio em um tuíte que fazia distinção entre os empresários sérios e os que desmatam. “O atual presidente tinha um ministro do Meio Ambiente que dizia que era para passar a boiada”, lembrava a mensagem.
Segundos depois, o ex-juiz e ex-ministro bolsonarista Sérgio Moro, hoje candidato ao Senado pelo Paraná, também fez questão de se manifestar sobre a entrevista.
No debate entre os usuários, também se viu dois universos diferentes. Agora, até a conta oficial de Jair Bolsonaro, entrevistado dias antes e segundo colocado nas pesquisas, postou críticas a Lula.
Enquanto isso, na bolha da direita, as menções de Lula ao “agro fascista” repercutiram com voracidade.
Na bolha ao lado, o MST repercutiu as falas do ex-presidente sobre sua produção de alimentos.
Nas quatro horas coletadas, o debate da direita ficou centralizado num número relativamente pequeno de influenciadores, com menos de 5% das contas que participavam do debate (canto inferior direito). Do restante, a maioria era formada por políticos de esquerda, ambientalistas, jornalistas e influenciadores que dialogavam e compartilhavam informações (canto superior esquerdo).
Debate da Band
Só doze menções a temas relacionados à Amazônia ocorreram durante o debate, e um terço das falas foi de um candidato que mal aparece nas pesquisas. O ex-presidente Lula tomou a iniciativa de perguntar sobre a inconsistência ambiental das práticas do agronegócio ao candidato Felipe D’Ávila (Novo), três dias depois de criticar parte do setor no Jornal Nacional.
D’Ávila fez uma defesa incondicional do empresariado agrícola e Lula comentou: “Olha, nenhum empresário sério que conhece a questão da relação comercial no mundo vai fazer queimada ou vai destruir os biomas brasileira, seja Pantanal, Amazônia, Caatinga. Entretanto, nós temos gente do governo que até incentiva, nós tivemos ministros que diziam deixar a boiada passar.”
Na plateia do debate, o ex-ministro Ricardo Salles, que sugeriu a “passagem da boiada” com medidas ambientais impopulares durante uma reunião em 2020, tentou entrar em confronto físico com o deputado federal André Janones (Avante), que assessora a campanha de Lula nas redes sociais. Vídeos gravados por jornalistas e outros presentes se espalharam rapidamente pelas redes.
Com toda essa agitação, as pessoas mais citadas no Twitter em conexão com temas da Amazônia foram Lula (29% dos tuítes), Bolsonaro (16%), além de Salles (9%) e Janones (7%). Em termos de temas, o mais citado foi o desmatamento (30%). Depois da entrevista de Lula, influenciadores e políticos de direita já tinham à disposição prints e links sobre os dados do desmatamento no governo do candidato petista, e passaram a distribuir esse material.
Os outros candidatos presentes (Bolsonaro, Ciro Gomes, Simone Tebet e Soraya Thronicke) não tocaram no assunto. D’Ávila voltou a responder sobre o agronegócio em pergunta de uma das jornalistas convidadas para o debate. Veja os tuítes abaixo:
Comentários na conta de Lula:
Críticas a Lula:
Críticas ao agronegócio:
Críticas à falta de perguntas sobre Amazônia e desmatamento:
Reportagem do InfoAmazonia para o PlenaMata, em parceria com a Sala de Democracia Digital da FGV ECMI, uma iniciativa de monitoramento e análise do debate público na internet.