Cassol foi condenado em última instância há 4 anos por fraude em licitação pública. No entanto, o ministro Nunes Marques, do STF, concedeu liminar atendendo aos pedidos da defesa do ex-governador que quer contar com o apoio do agronegócio e do Palácio do Planalto na corrida para o governo do estado.
Foi por meio de fotos com o presidente Jair Bolsonaro (PL) e vídeos onde distribuía Ivermectina e pregava o uso de solda elétrica como método de cura à Covid-19 que o empresário e político Ivo Cassol (PP) viralizou entre o eleitorado bolsonarista e reconstruiu sua imagem política.
Condenado por fraude em licitação pública em 2013, com decisão confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018, Cassol estaria inelegível até 2026.
Mas a defesa do ex-governador (2003-2010) e ex-senador (2011-2018) encontrou uma brecha para driblar a Lei da Ficha Limpa e forçar uma redenção do político nas urnas. Cassol foi condenado a quatro anos de prisão em regime aberto por direcionar a contratação de uma empresa para pavimentação e obras de engenharia quando era prefeito de Rolim de Moura, em Rondônia. Na ação, o Ministério Público Federal apontou que a empresa pertencia ao próprio Cassol, mas estava em nome de laranjas. Após revisão, a pena foi substituída por prestação de serviços à comunidade, multa de R$ 201,8 mil, e inelegibilidade do político por oito anos.
No entanto, em novo pedido de revisão, o político alegou ter cumprido integralmente a pena e pediu a suspensão da inelegibilidade para poder concorrer nas eleições deste ano. No início de agosto, às vésperas das convenções partidárias, o ministro Nunes Marques, do STF, concedeu liminar atendendo aos pedidos da defesa de Cassol, permitindo a inscrição do candidato nas eleições de 2022.
A decisão de Nunes Marques deve ser apreciada pelo plenário do Supremo nos próximos dias. Mesmo assim, em campanha desde 18 de agosto, a candidatura de Cassol já gera expectativas entre garimpeiros, mineradores e agronegócio e a população rondoniense, e ele não tem economizado artilharia para capturar a atenção do eleitorado.
Na convenção do PP que confirmou seu nome para corrida ao governo do estado, Cassol disparou contra as áreas de preservação do estado, seguindo na mesma linha do que prega Bolsonaro, sinalizando que sua gestão vai atender as demandas do agronegócio.
“Chega de ex-governadores que criaram mais 11 parques estaduais de reserva. Nosso estado tem mais de 76% de preservação, fora o que os agricultores ainda preservam”, disse aos presentes, emendando: “Nossa Secretaria de Agricultura vai voltar a ser do forte”.
Em uma das suas primeiras entrevistas já como candidato, Ivo Cassol afirmou que uma das qualidades de seu governo foi a construção de estradas para ligar diversas regiões de Rondônia, o que facilitou o escoamento da produção agrícola e pecuária do estado, e prometeu abrir novas rodovias e acessos no estado caso seja eleito. “Eu vou fazer em quatro anos o que não fizeram em 12 anos”.
Cassol não concorre a uma eleição desde 2010, quando foi eleito a senador também por meio de uma decisão liminar. Na época, declarou um patrimônio de R$ 29 milhões. Nas eleições deste ano, segundo dados informados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o patrimônio de Ivo Cassol é de R$ 134 milhões, um crescimento de 350% em 12 anos.
Ouro, diamante e energia: os negócios da família Cassol
Migrantes de Santa Catarina para Rondônia no final da década de 1970, onde começaram a vida com serrarias, fazendas e fábricas de móveis, a família Cassol se tornou uma potência política e econômica na região. Juntos, Ivo Cassol e os irmãos Dalva, Cesar, Darcila, e Jaqueline Cassol (deputada-federal e candidata ao Senado este ano), ao lado de seus cônjuges e filhos, comandam dezenas de empresas do ramo de energia, mineração e até agropecuária.
As empresas do Grupo Cassol detêm concessões públicas para exploração de ouro, diamantes e calcário, além de também manterem negócios na Bolívia, onde lideram as tratativas para construção de uma ponte entre Brasil e Bolívia com a promessa de escoar, além do próprio calcário, a produção das regiões Norte e Sudeste do país para o Pacífico. Em 2019, César Cassol, irmão de Ivo Cassol, liderou uma comitiva de empresários e políticos brasileiros para intermediar uma conversa entre Bolsonaro e o embaixador da Bolívia, José Kinn Franco.
As empresas da família Cassol possuem pelo menos 43 pedidos registrados na Agência Nacional de Mineração (ANM), 19 desses projetos são para exploração de ouro, dois para minerar cobre, um para diamantes e 18 para exploração de calcário.
Um dos principais negócios da família é a geração de energia —com a primeira usina inaugurada em 1989— por meio de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), que possuem um sistema de licenciamento ambiental mais flexível, emitido pelos órgãos ambientais do estado. Alguns desses projetos são acusados por comunidades ribeirinhos e indígenas de causarem grandes impactos ambientais nos rios de Rondônia, como é o caso das PCHs do Rio Branco. Este conjunto de PCHs impacta a alimentação e o uso do rio como via de transporte na Terras Indígenas Rio Branco e Massaco : habitadas por Aikanã, Arikapú, Aruá, Djeoromitxí, Kanoê, Makurap, Tupari e povos em isolamento, onde existem 14 aldeias, com aproximadamente 2 mil pessoas.
Desde 1991, são noticiadas irregularidades envolvendo os projetos energéticos do Grupo Cassol. Neste ano, o Ministério Público do Estado chegou a abrir investigações com base em denúncias formuladas por índios, FUNAI e IBAMA, mas não há informações sobre o desfecho desses casos.
Ivo Cassol chegou a ser multado pelo Ibama por desmatar 160 hectares sem autorização, na fazenda Kajussol, em Santa Luzia D’Oeste, e foi investigado por extração de diamantes na Terra Indígena Roosevelt, mas o processo acabou arquivado. Desde 2020, o Grupo Cassol mantém autorização para explorar diamantes nos municípios de Espigão D’Oeste e Pimenta Bueno, em região próxima à Terra Indígena Roosevelt.
Produção de fertilizantes impulsionada
A ligação de Cassol com o agronegócio também tem origem nos negócios da família. Pelo menos 18 projetos de mineração do Grupo Cassol, liderados pelo irmão Cesar Cassol, são para exploração de calcário, utilizado para produção de fertilizantes agrícolas.
Na gestão de Jair Bolsonaro, esses projetos foram viabilizados a partir da emissão de Guias de Utilização (GU) que permitiram a operação de usinas antes mesmo da conclusão dos processos para lavra do mineral na Agência de Mineração.
As Guias de Utilização são um tipo de autorização excepcional, que até 2020 só eram emitidas para que fosse analisada a viabilidade de projetos de mineração, em fase experimental, sem a segurança jurídica da concessão definitiva. Mas com a resolução 37/2020, baixada pela gestão Bolsonaro, as regras para a emissão das Guias de Utilização mudaram, criando um atalho para as mineradoras.
Com as Guias de Utilização emitidas pela ANM, as empresas do Grupo Cassol inauguraram a segunda usina de calcário, no município de Nova Brasilândia D’Oeste (RO). O grupo também pediu autorização antecipada para exploração de ouro na cidade de Parecis.
E mesmo que as GUs permitam a exploração reduzida, de 20 mil toneladas por ano, o Grupo Cassol anunciou a nova usina já em pleno funcionamento com capacidade de 500 mil toneladas por ano para produção de fertilizantes que vão abastecer as regiões agrícolas do Mato Grosso, Rondônia e Acre. Em julho deste ano, a ANM autorizou um aumento da produção com a GU para 500 mil toneladas anuais.
Em maio do ano passado, quando esteve na inauguração da ponte do Abunã, na BR-364 sobre o rio Madeira, com a presença de Bolsonaro, Cassol disse que a ponte irá melhorar a logística para distribuição do calcário. “O agricultor comprava o calcário no Acre, por exemplo, e o frete era um absurdo”, comentou.
No município de Parecis, onde o grupo tem projetos para exploração de ouro e calcário, também está prevista a construção de uma pista de pouso para facilitar a logística de distribuição da produção.
Em 2008, quando Ivo Cassol era governador, durante visita a uma usina de calcário interditada pelo Ibama, disse que se não liberassem a exploração de calcário no estado, o desmatamento aumentaria. Em 2015, o grupo inaugurou a primeira usina para produção do minério em Parecis. Com o passar dos anos, e mesmo com a liberação das minas de calcário da família, o desmatamento em Rondônia não dá trégua. Rondônia é o segundo estado da Amazônia Legal que mais sofreu com o desmatamento em unidades de conservação e território indígena (TI) nos últimos anos.
Em 2019, a deputada Jaqueline Cassol, irmã de Ivo Cassol e candidata ao Senado nas eleições de 2022, solicitou a liberação de recursos para a distribuição de calcário no estado de Rondônia. A deputada conseguiu, através de verbas extra orçamentárias, R$ 3 milhões para o transporte do minério que visa atender produtores rurais do estado. “O Governo possui o calcário, mas não consegue entregar aos agricultores. Com este recurso, será possível levar o produto aos trabalhadores da agricultura familiar, fortalecendo o solo e aumentando a produtividade”, disse a deputada na época.
À reportagem, o candidato Ivo Cassol disse que o crescimento patrimonial de 350% na última década “se deve ao fato de, como gestor, ter feito as melhores escolhas, ter realizado investimentos bem sucedidos, em razão de sua grande habilidade em observar o mercado e saber definir uma estratégia de negócios”. Cassol ainda afirma que todos os seus rendimentos estão devidamente declarados, “pois é de origem honesta e fruto de um trabalho ao longo de décadas”.
Sobre a investigação aberta para apurar extração ilegal de diamantes em terras indígenas, Cassol disse que foi inocentado por não haver provas contra ele. Já sobre os impactos ambientais causados pelas PCHs do Grupo Cassol, a empresa tem afirmado que os estudos ambientais e de componentes indígenas estão sob avaliação do órgão ambiental.
O candidato ainda afirmou que se eleito vai rediscutir as reservas legais e parques.