Pesquisa mostra que derrubada de floresta reduziu vazão de água e geração de energia em hidrelétricas no Centro-Oeste e Sudeste do país. Apesar dos impactos ambientais e na conta de luz, governo quer novas usinas e barragens no rio Tapajós.
O desmatamento da Amazônia reduziu as chuvas e a geração em hidrelétricas na região central do Brasil e aumentou a conta de luz devido ao acionamento de termelétricas a gás natural. É o que concluiu uma pesquisa feita pela engenheira ambiental brasileira Fernanda Massaro Leonardis, orientada por cientistas das universidades de São Paulo (USP) e do Porto (Portugal).
A Amazônia perdeu 730 mil km² desde 1988, ou 17% do bioma, conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A área equivale a quase três vezes à do estado de São Paulo. Em queda até 2012, o desmate cresceu nos anos seguintes e vem quebrando recordes no governo Bolsonaro. Em 2021, foram destruídos 13,2 mil km², 22% a mais do que no ano anterior e a maior taxa desde 2006.
Com a vegetação encolhendo, ventos que sopram do Atlântico carregam menos umidade lançada pela floresta na atmosfera para o Brasil e países vizinhos, os chamados “rios voadores”. Com essa “fábrica de chuvas” debilitada, falta água para agricultura, indústria e geração de energia. Fenômenos como El Niño e La Niña e o desmate em outros biomas também influem nas chuvas e nas estiagens na América do Sul.
A escassez de água reduziu a produção de energia nas 11 usinas escolhidas para o estudo: Mascarenhas de Moraes, Furnas, Água Vermelha, Marimbondo, Três Marias, Serra da Mesa, Emborcação, Nova Ponte, Itumbiara, Corumbá e Queimado. Elas somam 70% da geração no subsistema Centro-Oeste e Sudeste. Como estão próximas às cabeceiras dos rios, o nível de seus reservatórios depende sobretudo das chuvas reforçadas pela umidade da Amazônia.
“Analisei essas usinas porque sofrem influência direta dos ‘rios voadores’ e não são afetadas pela água de outras barragens para produzir eletricidade”, explicou a pesquisadora. “Os efeitos do desmatamento na Amazônia são cumulativos e, se isso não for freado, a situação se tornará pior para a geração de energia e outros setores no país”, alertou Fernanda Leonardis.
Seu trabalho evidencia que a vazão média nestas hidrelétricas encolheu 37% a partir de 2013, passando de 98,5 mil metros cúbicos por segundo para 63 mil metros cúbicos por segundo em 2020. Nesta época, o desmate na Amazônia crescia e as usinas usavam mais água pela redução de tarifas residenciais e industriais decretada no governo Dilma Rousseff. O nível das barragens não se recuperou desde então.
A demanda nacional por energia cresce desde o início dos anos 2000, logo após o “apagão” que deixou grande parte do país sem energia. Na época, quase 90% da eletricidade nacional vinha de hidrelétricas. A taxa é hoje de 64%, conforme mostrou o InfoAmazonia. O restante é suprido por fontes eólica, solar e nuclear, mas sobretudo por termelétricas a gás, que ampliam os impactos econômicos e ambientais.
Estimativas do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) mostram que as emissões de gás carbônico, poluente que aumenta a crise climática global, cresceram 121% de 2020 para 2021 no Brasil devido à queima de combustíveis fósseis em termelétricas. As usinas foram acionadas para compensar a menor geração em hidrelétricas com a falta d’água. A conta mensal de luz dos brasileiros também é impactada. A falta de chuvas e o acionamento de térmicas fizeram os gastos familiares mensais com energia crescerem 114% desde 2015 segundo, mostra o balanço da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia (Abraceel).
“A decisão dos governos de ampliar investimentos em termelétricas reduz o espaço para crescimento das fontes solar e eólica, mais rápidas e baratas para instalar e com menos impactos socioambientais. Também torna a matriz energética nacional mais dependente de combustíveis fósseis”, ressaltou Ricardo Baitelo, gerente de Projetos do Iema.
Mas a redução de chuvas e de vazão nas hidrelétricas relacionada ao desmate não sensibilizou o governo a abandonar projetos de grande impacto. Um “jabuti” inserido na privatização da Eletrobras quer ampliar o uso de gás natural no país e ameaça a floresta amazônica com mais desmatamento, inclusive em áreas protegidas, conforme reportagem do InfoAmazonia. O governo Bolsonaro sancionou, em janeiro, uma lei garantindo contratos para a geração com carvão mineral até 2040.
Diante deste cenário, Baitelo avalia que o país precisa descentralizar e diversificar suas fontes de eletricidade para assegurar um desenvolvimento econômico sustentável e com menor impacto sobre pessoas e ambientes naturais.
“Produzir energia solar, com biomassa ou biogás, pode suprir cidades e populações rurais e isoladas, aquecer outras economias e reduzir a dependência de grandes hidrelétricas distantes dos consumidores, na Amazônia e restante do país. Também precisamos investir mais em eficiência em equipamentos domésticos e industriais”, destacou.
Este mês, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) prorrogou até 2023 o prazo para estudos sobre questões técnicas e econômicas voltados à construção das usinas de Jamanxim (881 mil kW), Cachoeira do Caí (802 mil kW) e Cachoeira dos Patos (528 mil kW), na Amazônia. Segundo as estatais, a energia poderia atender 5,5 milhões de famílias.
As hidrelétricas ficarão na Bacia do Tapajós, onde avança o desmatamento e a contaminação de terras, águas e populações pelo mercúrio dos garimpos de ouro. Sua construção contraria a tendência de que a Amazônia não abrigue mais grandes usinas, por seus desmedidos impactos socioambientais, a exemplo de Belo Monte.
Um relatório feito por entidades indígenas e ambientalistas, apresentado em outubro passado, aponta que os projetos de 43 hidrelétricas, barragens, rodovias e portos na região, beneficiarão especialmente a produção e a exportação de soja, carne e outras commodities às custas da destruição da floresta tropical e de suas populações.
O documento pede que o Estado brasileiro atenda “integralmente as leis e normas nacionais e internacionais relativas aos direitos dos povos indígenas” e que as empresas considerem “os impactos ambientais e sociais nas análises de risco e que alinhem claramente sua due diligence (auditorias internas) às normas e aos padrões nacionais e internacionais de direitos humanos”.
“Projetos como o das usinas no Tapajós foram arquivados por seus impactos e não fazem sentido diante das crises econômica e do clima, que pedem uma matriz mais segura e resiliente. Empresas estão abandonando esses projetos no Brasil e no mundo, inclusive por compromissos para reduzir o desmatamento e conter as mudanças climáticas”, destacou Ricardo Baitelo, gerente do Iema.
O Ministério de Minas e Energia não atendeu aos nossos pedidos de entrevista até o fechamento da reportagem.
Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.