Grupo de trabalho formado por parlamentares pró-mineração diverge sobre relatório da deputada Greyce Elias, que teria privilegiado grandes mineradoras e deixado de fora interesses das médias mineradoras, garimpeiros e municípios.
A proposta para um novo Código de Mineração que tramitou em ritmo acelerado na Câmara dos Deputados entre julho e novembro não será mais votada este ano como previam os deputados.
O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), precisou intervir para evitar uma derrota na votação do relatório da deputada Greyce Elias (Avante-MG), que estava prevista para ocorrer na manhã de quinta-feira (16), após um racha entre os membros do GT da Mineração, que consideraram que as demandas das médias mineradoras e de garimpeiros ficaram de fora.
Com o cancelamento da sessão, as discussões sobre o tema ficaram para 2022.
Apresentado sob críticas generalizadas no início de dezembro, o relatório da deputada Greyce prevê uma série de mudanças estruturais no Código de Mineração, que é de 1967. Entre as mudanças, pretende declarar a mineração como de utilidade pública e colocar os interesses da atividade como prioridade frente a outras demandas da população brasileira.
Na primeira versão do texto, a relatora propôs condicionar a criação de terras indígenas e unidades de conservação à autorização do setor de mineração. O relatório ainda prevê a dispensa de licenciamento ambiental para atividades consideradas de baixo impacto e aprovação automática de processos de mineração, chamado pelos parlamentares de “aprovação tácita”.
Líderes partidários (PSB, PT, PV, Rede, PCdoB, Psol e PDT), coordenadores de oito frentes parlamentares ligadas a meio ambiente, direitos humanos e comunidades tradicionais, além de várias entidades da sociedade civil já haviam divulgado uma carta aberta “em defesa de um novo Código de Mineração popular e socioambientalmente sustentável”.
Mas o relatório de Greyce não desagradou somente os setores preocupados com as questões socioambientais. Estados, municípios e associações municipais também criticaram a proposta nos artigos que concentram poderes sobre o tema na Agência Nacional de Mineração (ANM) e nos próprios empresários, retirando autonomia dos entes locais de opinarem sobre os projetos de mineração.
O racha entre os parlamentares do GT, formado por 16 deputados nomeados pelo presidente da Câmara, foi evidenciado na noite de terça-feira, 14, na sessão de discussões do relatório. Ao perceber que seria derrotada, Greyce tentou recuar, e propôs fazer novas mudanças no texto para ganhar tempo.
O coordenador do grupo, deputado Evandro Roman (Patriota-PR), não atendeu ao pedido da deputada e manteve a discussão e a sessão de votação, marcada para esta quinta-feira, 16.
Roman disse que a deputada não teria votos suficientes para aprovar o relatório e que, caso a proposta fosse rejeitada, um novo relator seria destacado para confecção da nova proposta. Roman e Greyce discutiram. E o deputado reclamou que a parlamentar teria excluído ele e demais deputados da elaboração do relatório.
Pelo menos 9 dos 16 deputados do GT manifestaram antecipadamente que votariam contra o relatório de Greyce. Airton Faleiro (PT-PA) foi um dos que anunciou voto separado. “Nosso voto faz uma análise crítica do texto e indica proposições para a continuidade – ou por meio de uma comissão especial – de construção do projeto de lei.”
O deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), membro do GT e um dos parlamentares com maior número de propostas incluídas no relatório final apresentado pela deputada Greyce, afirmou ao InfoAmazonia que o texto deveria ter sido votado, independente do resultado, e que uma das principais divergências é a “‘aprovação tácita’ após 180 dias sem posição da ANM”, que o deputado classificou como “algo perigoso”. Uma das propostas de Passarinho, que criaria a figura do garimpeiro microempreendedor, acabou excluída na segunda versão do relatório.
Para evitar a derrota anunciada, a deputada recorreu ao presidente Arthur Lira, que é quem tem poderes sobre a comissão, e conseguiu suspender a votação marcada para quinta-feira.
A manobra deu sobrevida ao relatório e dá tempo para que Greyce articule uma possível terceira versão do documento em 2022. No gabinete da deputada, a esperança é de uma reorganização do GT, inclusive com a possibilidade da troca de membros. Greyce não quis dar entrevistas.
Conflito de interesses
Os deputados também levantaram suspeitas sobre o relatório de Greyce, apontando que o texto poderia apresentar vícios e conflito de interesses pelo fato de ela ser casada com Pablo Cesar de Souza, o Pablito, empresário ligado a empresas de mineração. Pablo disse que desfez as sociedades com o setor de mineração, e negou privilégios ao setor no relatório da esposa.
A deputada também recebeu críticas da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig), estado que representa na Câmara. A entidade reproduziu reportagem do Brasil de Fato, que mostrou que Greyce e cinco deputados do GT receberam dinheiro de donos de mineradoras. A deputada rebateu o levantamento afirmando que as doações são “legais e referendadas pela Justiça Eleitoral”.
Em uma última tentativa de mudar o posicionamento dos parlamentares, na manhã de quarta-feira, véspera da sessão de votação, a deputada classificou como “rasas” as manifestações contrárias ao relatório.
“O espírito do grupo, quando foi criado, era um e hoje é outro”, declarou a deputada. “Não precisamos de forma açodada fazermos uma discussão rasa e que demonstra que o interesse, a princípio, parece que não é fazer uma entrega para o setor”, insistiu Greyce.
Greyce disse que é compromisso do seu mandato apresentar o relatório para um novo Código de Mineração, nas palavras da deputada: “um gesto para o setor, desburocratizando com segurança jurídica”.
“Intervenção de cima”
Instituído em junho deste ano por ato do presidente da Câmara, que nomeou os 16 deputados do GT da Mineração, incluindo relator e coordenador, o grupo realizou 17 audiências públicas e ouviu cerca de 70 pessoas até o final de novembro. No entanto, as discussões foram concentradas em especialistas e lideranças ligadas à mineração.
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP), que participou das últimas reuniões do GT como liderança do partido —com espaço de fala, mas sem poder de voto— sugeriu o encerramento do grupo e a retomada da discussão em 2022 através de uma comissão especial da Câmara.
“O que houve foi uma intervenção de cima. O compromisso do GT era votar o relatório esse ano e, quando perceberam que o relatório da deputada Greyce não seria aprovado, o presidente da Câmara interveio para acertar as coisas na ala governista”, disse Ivan Valente ao InfoAmazonia. “Não faz mais sentido manter o GT, nem a relatora”, disse o deputado do PSOL.
Oposição e organizações socioambientais defendem que o tema seja discutido por meio de uma comissão especial em 2022, com representação regimental de todos os partidos, diferentemente do que ocorreu no GT, onde a base é predominantemente governista.
“Um grupo de trabalho é algo que trabalha para que haja algum consenso. Além do que, o relatório apresentado só beneficia grandes mineradoras. É um absurdo a proposta de aprovação tácita de projeto minerário, entre outras coisas que foram propostas”, emendou Valente.
Rito acelerado barrado
O rito proposto pretendia tirar do relatório final do GT um projeto de lei que poderia ser levado para discussão direto no plenário, ainda este ano, contrariando os pedidos das bancadas e organizações que querem uma discussão mais ampla sobre o tema.
Mesmo assim, as manobras da deputada Greyce para manter vivo o GT e seu relatório foram encaradas como meia vitória. “Há uma crise entre os grupos de poder, mas ainda não está bem claro quais são os interesses por trás desse racha”, opinou Jarbas Vieira, do MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração.
“O adiamento da votação do relatório de fato é bom, pois ganhamos prazo para tentar fazer essa discussão de forma mais ampla e democrática”, emenda Jarbas Vieira.
Tentamos contato com o deputado Roman, mas a assessoria informou que estava com dificuldades para entrar em contato com o parlamentar. Arthur Lira não retornou aos pedidos do InfoAmazonia.