Do valor total aprovado, nenhum real foi executado para preservação da floresta; rodovias receberam mais de R$ 4 milhões e agropecuária R$ 2,8 mi. Tendência segue governo federal, que teve o pior orçamento da pasta em 20 anos.
A bancada da Amazônia, composta por deputados federais e senadores dos nove estados da Amazônia Legal, aprovou 6 emendas para serem executadas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 2021, com total de R$1,8 milhão – 0,03% do valor das emendas aprovadas. Mas nenhuma delas foi executada. Dos mais de R$ 2 bilhões das 647 emendas realizadas entre janeiro e dezembro, nenhum real foi aplicado pelo MMA, órgão que concentra as principais ações de preservação e fiscalização através do Ibama e ICMBio. Em contrapartida, agropecuária e infraestrutura foram priorizadas nesses estados.
A postura de grande parte dos parlamentares da bancada da Amazônia segue tendência do governo federal. O orçamento executado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2021 já é o pior em 20 anos, segundo levantamento da Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC). Nesse mesmo ano de 2021, os índices de desmatamento bateram recordes históricos, a área de floresta derrubada (13,2 mil km²) já é a maior em 15 anos.
“Existe uma correlação direta do que nós chamamos de desmonte dos órgãos ambientais e o aumento crescente do desmatamento que estamos presenciando, tanto na Amazônia como no Cerrado. Não há recursos suficientes nem para fiscalização nem para o contingente de pessoal necessário para cumprir as ações”, afirma Luciana Barbosa, coordenadora do GT do Meio Ambiente da SBPC.
Nas emendas individuais e coletivas: para o orçamento de 2021, os deputados da bancada da Amazônia aprovaram: Emendas parlamentares são aprovadas pela Comissão do Orçamento, formada por deputados e senadores que analisam as propostas de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Lei Orçamentária (LOA) e Plano Plurianual (PPA). Após análise das emendas, os projetos são levados para aprovação em plenário. R$ 4,8 bilhões. Em ano de pandemia, quase metade desse valor (43%) teve como destino a pasta da Saúde. Infraestrutura ficou com a segunda maior fatia do orçamento, 12%. O setor agropecuário foi um dos campeões em quantidade de emendas com 57 propostas e um orçamento de R$ 155 milhões (3,2% do total) em emendas.
“Não chega a estranhar, mas é de fato lastimável esta disparidade entre emendas para o meio ambiente e emendas que beneficiam a base ruralista. Além de mostrar o sobrepeso da representação dos interesses deste setor no Congresso Nacional, mostra o quanto os parlamentares no geral não priorizam o meio ambiente como pauta relevante para seus mandatos. Meio ambiente não dá voto, lastimável esta visão, mas é real”, afirma Alessandra Cardoso, economista e assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Para a economista, os baixos valores em emendas destinadas ao meio ambiente “demonstra o quanto, no jogo político orçamentário, o meio ambiente é peça descartável.”
A bancada da Amazônia é composta por 91 deputados e 27 senadores dos 9 estados da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins).
MDB, PSD, DEM, PRB e PL foram os partidos que mais conseguiram executar emendas nos estados da Amazônia. Juntos, esses partidos ficaram com 50,2% das propostas já pagas pelo governo federal.
É praxe, todos os anos, cada ministério enviar à Câmara e ao Senado as principais demandas de cada pasta, um indicativo de quais ações devem ser priorizadas, podendo receber recursos através das emendas.
As emendas individuais e coletivas: as emendas individuais são de autoria de cada senador ou deputado; as coletivas são de autoria das bancadas estaduais ou regionais do Congresso têm execução obrigatória no orçamento federal. Para o exercício de 2021, cada parlamentar pôde apresentar R$ 16 milhões divididos em até 25 emendas. Além disso, as bancadas formadas por deputados e senadores dos estados, indicaram mais R$ 6,7 bilhões em emendas coletivas, chamadas emendas de bancada, normalmente destinadas a projetos que demandam volume maior de recursos. Além dessas, os parlamentares ainda têm direito às chamadas emendas especiais, popularmente conhecidas como “emenda pix”, que são repasses diretos para prefeitos e governadores sem vinculação direta com área ou programa – quase ¼ das emendas de 2021 (23%) foram destinadas dessa forma.
O total de emendas aprovadas pela bancada da Amazônia para 2021, incluindo essas três modalidades, soma R$ 16,3 bilhões (1,1% das despesas primárias: gastos realizados pelo governo para prover bens e serviços públicos à população, tais como saúde, educação, construção de rodovias, além de gastos necessários para a manutenção da estrutura do Estado (máquina pública) de 2020).
Apesar de serem obrigatórias, as emendas impositivas nem sempre são executadas no exercício do orçamento para o qual foram indicadas, e só podem ser executadas no próximo ano se o governo autorizar empenho dos valores até o fim do ano fiscal.
“As emendas são de livre escolha e adesão dos parlamentares. Mas a execução depende de viabilidade técnica [avaliada pelos ministérios durante o ano de execução]”, explica Josiara Diniz, assessora de orçamento no Senado.
Diniz afirma que o caráter impositivo das emendas oferece segurança aos parlamentares e aos órgãos que vão receber o recurso. “Antes, ao apontar inviabilidade técnica, o recurso poderia ser remanejado dentro do orçamento para outra área. Com a impositividade, o parlamentar continua com direito ao recurso e pode remanejar para outra emenda até o fim do ano fiscal”, explica.
O volume baixo de emendas destinadas ao Meio Ambiente e com nenhum valor executado até dezembro de 2021, segundo a professora Luciana Barbosa, fere os princípios da Constituição e o próprio discurso que alguns parlamentares e governos tecem sobre a preservação da Amazônia:
“Essa redução sistemática representa uma incompatibilidade com os princípios preconizados pela Constituição Federal em seu artigo 225, no qual consta que a manutenção da conservação da biodiversidade nos diversos biomas brasileiros deve ser prioridade. Estamos caminhando para uma situação climática grave, as pessoas já estão deixando os locais onde vivem por questões ambientais”, alerta Barbosa.
Pontes e máquinas agrícolas
A principal função de um deputado é legislar e fiscalizar a administração federal. Mas emendas impositivas, na prática, dão aos parlamentares um poder semelhante ao de prefeitos, governadores e do presidente, de prometer e executar obras públicas. Não raro, deputados marcam presença e discursam em lançamentos de obras realizadas com apoio de emendas.
A bancada da Amazônia aprovou R$ 247 milhões para obras de infraestrutura, como investimentos em rodovias e BRs, a maior parte deste recurso é proveniente de emendas de bancadas e é 137 vezes maior do que o destinado pelo mesmo grupo de deputados para o Meio Ambiente. A agropecuária recebeu indicação de R$ 131 milhões para incentivo e pesquisas agrícolas – desse valor, R$ 2,8 milhões já foram executados.
Nove deputados da bancada amazônica destinaram verbas para questões indígenas, fora do Ministério do Meio Ambiente. Foram R$ 37 milhões aprovados para execução da FUNAI, Direitos Humanos e Educação e Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), incluindo auxílio aos indígenas na pandemia. Mas apenas R$ 24,6 mil desse recurso foi executado até dezembro de 2021.
Do total destinado aos indígenas, a deputada Wapichana (REDE) foi a que fez mais proposições e conseguiu aprovar R$ 6 milhões para povos de Roraima, onde garimpeiros ameaçam a terra Yanomami e crianças morrem de desnutrição. Mas nenhuma das emendas da deputada destinada aos indígenas foi aplicada em 2021.
Orçamento do Meio Ambiente é o pior em 20 anos
A não indicação de emendas parlamentares para a área ambiental segue as prioridades do governo federal, que teve a pior aplicação de recursos para a gestão ambiental (como é indicada no orçamento a ação que inclui combate ao desmatamento, queimadas e gestão das áreas protegidas) em oito anos. O orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA) teve o menor valor executado em 20 anos.
A verba aplicada para recuperação de áreas degradadas, que em 2019 foi de R$ 2,1 bilhões, este ano foi de apenas R$ 354 milhões (até 1º de dezembro). O total efetivamente investido para preservação e conservação ambiental, também competência do MMA, foi de R$ 70 milhões, quase metade do valor de 2019, quando chegou a R$ 134 milhões de recursos aplicados.
A SBPC, a exemplo de outras organizações, encaminhou sugestões ao governo federal para a construção do orçamento de 2022. Segundo a entidade, o agravamento do cenário de degradação ambiental e desmonte de leis em 2020 e 2021 implicam em uma recomposição do orçamento para 2022 com especial foco no aporte financeiro ao ICMBio e IBAMA “para políticas de combate ao desmatamento e incêndios, bem como para a Implementação e Monitoramento da Política Nacional Sobre Mudança do Clima e Combate à Desertificação”.
Em uma tentativa de reverter a imagem negativa que construiu na gestão do meio ambiente nos dois primeiros anos de governo, a previsão orçamentária para o MMA em 2022 estima um aumento de 34,3% na verba, o que representa R$ 798,9 milhões de reais a mais para a pasta do que em 2021.
Mesmo assim, segundo análise do Inesc, se comparados aos valores orçados e executados em 2021, os recursos destinados para o meio ambiente ainda serão insuficientes para atender a demanda necessária.
Questionamos a presidência e o Ministério do Meio Ambiente sobre a execução das emendas parlamentares, mas não recebemos retorno aos questionamentos enviados.