Acordos para regularizar a pecuária no Pará avançaram e servem agora de modelo para adequar as cadeias produtivas de outros estados amazônicos. Pará é líder da iniciativa.
Um balanço recente do Ministério Público Federal mostrou novos avanços na regularização da pecuária no Pará, líder nacional na produção de gado. A adequação é estratégica para atender exigências socioambientais crescentes de mercados interno e global. A partir da experiência paraense, a ONG Amigos da Terra – Amazônia Brasileira avalia ser possível auditar a produção e o comércio de carne bovina em todos os estados da Amazônia.
Para Mauro Armelin, diretor-executivo da ONG, as inspeções realizadas pelo Ministério Público Federal (MPF) sobre a pecuária paraense desde 2009 devem alcançar toda a Amazônia. Segundo ele, ações estendidas aos demais estados permitirão que melhorias na pecuária regional ocorram de forma horizontal. “Já há informações em quantidade e qualidade suficientes para que a variável ambiental seja definitivamente incorporada às compras de produtos da pecuária”, ressaltou.
As auditorias divulgadas na última semana mostram que a grande maioria das principais empresas ligadas à produção e ao comércio de gado, carne ou couro produzidos no Pará estava isenta de crimes como desmatamento ilegal, trabalho escravo, invasões de terras públicas, de populações indígenas e tradicionais. O balanço analisou as transações comerciais de frigoríficos entre janeiro de 2018 e junho de 2019.
“O processo no Pará mostra que é possível avançar com eficiência na regularização do setor. Mas há muita assimetria entre os estados. Tocantins e Mato Grosso têm bons resultados, enquanto em Rondônia o controle é praticamente zero. O MPF poderia mobilizar conjuntamente vários setores nos demais estados e reduzir impactos da pecuária em todo o bioma”, destacou Armelin.
Uma análise do Imazon mostra que cerca de 90% da área desmatada na Amazônia é ocupada por pastagens. Segundo um balanço do MapBiomas, a área com pastagens plantadas cresceu 200% na Amazônia entre 1985 e 2020. O território ocupado hoje é de 56,6 milhões de hectares, equivalente à área da Bahia.
As companhias avaliadas pelo MPF somam 70% da produção pecuária paraense, mas o restante não pode ser desprezado e deve ser integrado tão logo possível às auditorias, defende Armelin, da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira. “Frigoríficos já disputam as compras por animais legalizados e isso deve atingir 100% da produção estadual. Não se pode desprezar 30% da produção num mercado do tamanho do Pará”, completou.
O monitoramento do MPF é previsto em Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) assinados desde 2009 por empresas e órgãos de fiscalização ambiental para regularização da pecuária no estado. As mais de 2,5 milhões de cabeças de gado em São Félix do Xingu, no Pará, são um dos maiores rebanhos do Brasil. No mesmo estado, Marabá, Cumaru do Norte e Novo Repartimento também abrigam grandes manadas, como mostrou o InfoAmazonia.
“Nossa avaliação é de uma melhora geral, na média, entre as empresas. Quase todas ajustaram sistemas para melhorar o monitoramento de suas compras. As companhias com resultados insatisfatórios ainda não têm um controle adequado, isso é claro. Estamos cobrando as melhorias e adotaremos as ações que forem necessárias para tanto”, ressaltou o procurador Ricardo Negrini.
Segundo ele, a regularização ambiental e social da pecuária paraense e da própria Amazônia fluirá com processos mais simples para adequação das fazendas. “Fazendeiros ainda preferem insistir nos ilícitos em vez de resolver seus problemas ambientais, de maior custo e complexidade”, disse. “Desmates e fogo estão geralmente vinculados à pecuária e à soja. Por isso também é necessário mais controle e punição sobre fraudes e ilícitos desses setores”, defendeu o procurador.
Outras medidas incluem o possível rastreamento por satélite de cada cabeça de gado, medida hoje usada quase que somente para atestar a regularidade ambiental de produtos exportados, o acesso público à documentação usada para o transporte e a comercialização de gado, a GTA – Guia de Trânsito Animal, e também dos Cadastros Ambientais Rurais (CAR). Esses registros eletrônicos são obrigatórios para proprietários e posseiros rurais desde a publicação da legislação florestal federal de 2012.
“Os TACs são grandes ferramentas para a adaptação das práticas produtivas e das empresas à legislação socioambiental. Cumpri-los prepara o terreno para uma implantação completa do Código Florestal. Com isso, no futuro nem precisaremos de novos acordos para regularização do setor”, avaliou Mauro Armelin.
Resultados positivos são esperados igualmente para os negócios. “A regularidade ambiental da produção de carne já é um critério de compra para muitos supermercados”, ressaltou o diretor-executivo da ONG. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) apoia as auditorias do MPF sobre a pecuária paraense.
“Empresas que descumprem ou evitam os acordos para regularização ambiental podem ter empréstimos suspensos pelos bancos e sofrer boicotes nos mercados nacional e internacional. Aos poucos, as companhias entendem que o melhor caminho é buscar o MPF e regularizar suas atividades”, finalizou o procurador da República Ricardo Negrini.
Mas políticas públicas ainda fomentam uma produção associada ao desmatamento na pecuária amazônica. O estudo Do pasto ao prato, do Instituto Escolhas, aponta que a pecuária é fortemente subsidiada e tem alto impacto ambiental: os subsídios anuais giram em torno de R$ 12,3 bilhões, ou 79% dos R$ 15,1 bilhões arrecadados em impostos na cadeia da carne bovina nacional. As 218,2 milhões de cabeças de gado no país emitem tantos gases de efeito estufa quanto toda a Inglaterra, ou 462 milhões de toneladas de CO2.
O dinheiro público deve incentivar aumento da produtividade e recuperação de áreas já desmatadas, defende Sérgio Leitão, diretor-executivo do Escolhas. “O governo deve fazer a sua parte e negar financiamento para quem desmata. É o jeito certo de mostrar que o dinheiro público não financia o desmatamento”, ressaltou em comunicado da entidade.
Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.