Levantamento mostra que falhas nos sistemas de controle dificultam identificação sobre origem da madeira extraída, o que aumenta chances de exploração criminosa. Melhorar transparência dos dados é fundamental para legalizar a cadeia produtiva.
Uma análise de organizações não governamentais revela que não é possível diferenciar a exploração autorizada da ilegal em cinco dos sete estados que mais produzem madeira na Amazônia. A falta de transparência e a precariedade das informações nos sistemas públicos ampliam as suspeitas de que produtos consumidos no país e exportados têm origem criminosa.
O balanço das entidades incluiu Acre, Amazonas, Amapá, Rondônia, Roraima, Mato Grosso e Pará, de onde sai quase toda a madeira extraída na região. Apenas os dois últimos têm meios próprios para controlar a retirada de madeiras, e os demais usam o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor): Sistema implantado pelo Ibama que controla a origem e a circulação nacionais de produtos florestais como madeira e carvão, do Ibama [saiba +].
Criado em 2014 para monitorar a origem de madeiras, carvão e outros produtos florestais, o Sinaflor carece de aperfeiçoamento. Segundo o pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) Dalton Cardoso, ele não possui dados completos ou confiáveis. Sem informações amplas e qualificadas sobre planos para manejo florestal, não é possível avaliar a legalidade da exploração madeireira na Amazônia, a principal fonte de madeira no país.
“A precariedade das informações nos níveis estadual e federal aumenta a possibilidade de crimes na cadeia produtiva da madeira. As inconsistências de informações geram brechas para que produtos ilegais sejam ‘esquentados’ e comercializados juntamente aos legalizados”, constatou. O Imazon integra a rede de entidades Simex, que cruza imagens de satélite com informações de órgãos públicos sobre planos de manejo para identificar quando há exploração ilegal de madeira. A extração regularizada ocorre geralmente com mais organização em meio à floresta. A extração ilícita degrada a vegetação e costuma preceder a eliminação total da mata.
De acordo com Marco Lentini, coordenador de projetos do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), as fraudes para ‘lavar’ madeiras ilegais ocorrem basicamente com a aprovação de planos de manejo ‘inflacionados’, com quantidades de árvores acima do que realmente existe na área a ser explorada, ou por meio da manipulação das taxas para conversão de toras em madeira serrada pelas indústrias – geralmente, 35% das toras viram madeira serrada, mas esse índice pode ser superdimensionado.
“Isso acontece por corrupção ou por falhas humanas não fiscalizadas. Os modelos de controle sobre produtos florestais permitem ‘esquentar’ madeiras ilegais facilmente, legitimando a exploração em parques nacionais e outras unidades de conservação, terras indígenas e quilombolas”, ressaltou o engenheiro florestal.
Essas regiões foram alvo de 280 km2 de retirada de madeiras entre agosto de 2019 e julho de 2020. Entre as mais afetadas estão o Parque Nacional dos Campos Amazônicos (AM), Tenharim Marmelos (AM), Batelão (MT) e Aripuanã (MT). A Terra Indígena Baú teve a maior área ilegalmente explorada em áreas protegidas no Pará, com 1,58 km2 (158 ha) de madeiras extraídas.
O balanço do Simex também aponta que madeiras foram retiradas de 4.640 km2 dos sete estados da Amazônia avaliados no período – área três vezes superior à da cidade de São Paulo. Do total, 50,8% (236 mil ha) foram explorados em Mato Grosso. Amazonas e Rondônia dividem o ranking das três maiores áreas exploradas por madeireiros na região.
O estudo revelou também que ter um sistema próprio para controlar o manejo de florestas não isentou o Pará de suspeitas na extração de madeiras nativas. Uma análise do Imazon mostrou que 55% dos 50,2 mil hectares explorados no estado entre agosto de 2019 a julho de 2020 não tinham autorização. A retirada de madeiras se concentrou no sudeste paraense, forte alvo de desmatamento ilegal e de obras de infraestrutura, como mostrou o InfoAmazonia, e em imóveis com Cadastro Ambiental Rural (CAR), onde a identidade dos responsáveis é conhecida por órgãos públicos.
Alto consumo interno
Os cerca de 10 milhões de m3 anuais em toras hoje retirados da Amazônia lotariam 250 mil carretas, conforme o Imaflora. Enfileiradas, cobririam cerca de 5.500 quilômetros, mais do que os 4.400 quilômetros de norte a sul do Brasil.
Dados públicos organizados pelo Imaflora mostram que o mercado interno é o maior consumidor. Menos de 10% da produção brasileira é exportada. O restante acaba em residências, indústrias e obras, sobretudo nas regiões Sudeste e Sul e, cada vez mais, na própria Amazônia.
Entre 1998 e 2018, o consumo de produtos com madeira industrializada saltou de 1,5 milhão de m3 para 2,2 milhões de m3 na região. O aumento pegou carona no crescimento do poder aquisitivo da classe média e da demanda da construção civil. Mas os mercados seguem fechando os olhos para produtos com indícios de ilegalidade.
“Concessões para manejo e produção certificada atendem menos de 10% da demanda nacional. Tudo acima disso tem uma legalidade muito cinzenta. A maioria dos consumidores não demanda produtos com origem certificada, e o baixo nível de exportações não estimula uma ampla regulamentação da produção madeireira”, ressaltou Lentini, do Imaflora.
Madeiras ilegais são mais baratas do que as legalizadas, pois sua produção não arca com planos de manejo, taxas trabalhistas, impostos e outros custos pagos por produtores autorizados. Segundo o pesquisador Dalton Cardoso, do Imazon, a concorrência desleal torna o mercado formal pouco atrativo e desmotiva quem quer fazer o certo.
“Não dá para dizer que esta é uma realidade em toda a Amazônia, mas demonstra que o manejo sustentável e legalizado de florestas precisa de mais e melhores políticas públicas, e que a fiscalização deve ser muito mais rígida sobre a criminalidade regional”, disse.
Além de um rastro de destruição ambiental, a exploração madeireira ilegal e outras formas de degradação da floresta estão associadas à violência contra populações rurais, indígenas e tradicionais. Conforme reportagem do InfoAmazonia, as agressões contra pessoas e populações com vidas atreladas à conservação da Amazônia disparou no governo atual.
O problema é comum a outras regiões. Relatório da Global Witness mostra que a exploração madeireira foi o setor mais ligado aos assassinatos de ativistas e lideranças do campo, respondendo por 23 casos (10%). Ou seja, o desmatamento é uma das principais fontes de violência contra esses indivíduos e povos.
Por um mercado legal de madeira
Segundo o Imaflora, ao menos 180.000 km2 (18 milhões de hectares) de terras públicas federais e estaduais poderiam ter manejo florestal na Amazônia. A madeira produzida nestas áreas atenderia toda a demanda industrial nacional. Ou seja, seguindo normas ambientais, a extração de madeira pode ser uma atividade econômica viável que não condena a floresta.
“A indústria madeireira avança na Amazônia deixando áreas exauridas em busca de mais recursos naturais. As madeireiras são a ponta de lança da destruição da floresta. Estradas abertas com a venda de madeiras nobres levam desmatamento, gado e outras atividades ao coração da floresta. Temos que frear essa fronteira ilegal”, resaltou Lentini, do Imaflora.
Procurada, a Secretaria de Meio Ambiente do Pará não contestou as análises da Rede Simex, mas afirmou, em nota, ter autorizado e monitorar, com imagens de satélite, a exploração de 340 mil hectares de florestas em 2019 e 2020. A fiscalização também teria sido intensificada e levado à apreensão de mais de 9.000 m3 de madeira ilegalmente explorada, 299 motosserras, 117 tratores e outras máquinas. “De acordo com dados do Deter, o estado do Pará teve uma redução de 12% no desmatamento, no período de agosto de 2020 a julho de 2021 em relação ao período do ano anterior”, descreveu o órgão ambiental. A secretaria também informou que “mais de 65% das áreas florestais do Pará estão sob jurisdição do governo federal”, indicando que não estariam sob sua responsabilidade. Mas, segundo a Constituição, a proteção do meio ambiente compete a órgãos municipais, estaduais e federais, sem distinção.
Questionados sobre medidas adotadas para reduzir a ilegalidade da exploração madeireira, o Ibama e o Serviço Florestal Brasileiro não atenderam nossos pedidos de entrevista até o fechamento da reportagem.
Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.
Importante corrigir a matéria. Desde 2018 o Ibama disponibiliza os dados do SINAFLOR e DOF no Portal de dados Abertos do órgão (http://dadosabertos.ibama.gov.br/organization/instituto-brasileiro-do-meio-ambiente-e-dos-recursos-naturais-renovaveis). São 13 massas de dados do SINAFLOR e 4 do DOF. Ademais, os arquivos vetoriais do SINAFLOR estão disponíveis em: http://siscom.ibama.gov.br/. Estatística compilada dos sistemas estão na publicação: Produção Madeireira de Espécies Nativas Brasileiras: 2012 a 2017 (http://www.ibama.gov.br/flora-e-madeira/publicacoes). Em breve teremos novos lançamentos de Painéis Analíticos para consulta pública e interna cruzando-se dados destes sistemas para maior transparência à sociedade.
Importante corrigir o comentário acima. A reportagem não trata de acesso aos dados, mas da qualidade dos mesmos. E, como citado, o Ibama e o Serviço Florestal Brasileiro não atenderam aos pedidos de entrevista até o fechamento da matéria.