Fico triste só de pensar que se essa doença chegar até os Hupd’äh, assim como nas demais etnias
Essas técnicas de prevenção de lavar as mãos e usar álcool em gel entre os Hupd’äh não existem, por isso espero que esse vírus nunca chegue em nossa cidade e entre esse povo
por Liliane Lizardo Baré
Pertencente ao grupo indígena Baré. Mestre em Antropologia Social pelo PPGAS/UFAM e atualmente doutoranda pelo mesmo programa. Atua como assessora no DSEI de São Gabriel da Cachoeira.
O povo hupd’äh é considerado como “povo de recente contato”. Segundo a FUNAI, povos de recente contato são aqueles que mantém relações de contato permanente ou intermitente com segmentos da sociedade nacional e que independentemente do tempo, apresentam singularidades em sua relação com a sociedade nacional e seletividade na incorporação de bens e serviços.
Os Hupd’äh são grupos que mantem fortalecidas suas formas de organização social e suas dinâmicas coletivas próprias. São caçadores e coletores seminômades, exímios conhecedores da floresta, gostam de habitar o meio da mata. Os Hupd’äh do médio rio Uaupés, especificamente do igarapé Japu e Cabari, moram em aldeias localizadas no centro da floresta, numa distância, em caminhada pelas trilhas na mata, de aproximadamente 3 horas.
Durante a época de final de ano, há uma grande quantidade de Hupd’äh que desce para cidade em busca de retirada de documentos e atrás de benefícios, assim como para receber a Bolsa Família.
Porém, com a chegada da pandemia do covid 19, foi informado a eles que esta nova doença estava-se aproximando do município de São Gabriel da Cachoeira/AM, assim como foram passadas informações da gravidade da
doença e algumas formas de prevenção.
Como se sabe, os povos indígenas, especificamente o povo Hupd’äh, têm o hábito de cumprimentar o outro com o
aperto de mão e o contato corporal, que, caso seja negado, isso pode ser uma afronta à pessoa ou ao povo, que pode entender que a pessoa não gosta dele, que tem nojo ou algo desse tipo.
A preocupação com essa nova doença é como lidar com ela, na medicina tradicional, quais plantas e qual benzimento usar para se curar.
O medo é que esse vírus chegue até o povo indígena e devasta essa população que já e vulnerável. A vantagem é que eles vivem no meio da floresta, onde o acesso é difícil, a natureza os protege. Em época de seca não há como entrar
e ter acesso as aldeias hupd’äh do médio Uaupés, com isso entende-se que não irão pessoas até eles, a não ser as equipes de saúde.
Entretanto, para o índio não existe fronteira, então podem vir hupd’äh da Colômbia através da
trilha no meio da floresta, já que vivem em região da fronteira entre Brasil e Colômbia.
Há anos atrás, com a epidemia de varíola, sarampo e coqueluche, morreram muitos velhos hupd’äh. Atualmente, se conta que essas doenças entraram em suas aldeias pelos humanos. Como exemplo, pode-se citar o caso
do Japu, onde, segundo os hupd’äh, um homem com sarampo chegou até o igarapé com uma seringa e injetou a doença nas pessoas.
Para se protegerem refugiaram-se na floresta. Na trilha da aldeia Água-viva Iauaretê existe um lugar chamado padó conhecido como “local de apodrecimento do sarampo”, marcado por uma epidemia cuja morte das pessoas infectadas foi no meio do mato.
Esse é um exemplo em que os Hupd’äh atuais podem tomar para enfrentar o coronavírus, como no passado, se dividir em grupos menores e se isolar no interior da floresta.
A tática de isolamento e distanciamento social já é uma estratégia dos Hupd’äh, ir para o mato, no meio da floresta em famílias, manter a roça no mesmo local, ir na roça buscar apenas o necessário e retornar à floresta.
Porém, a preocupação é com o auxilio emergencial, que já estão acostumados, descer para cidade com o intuito de receber o dinheiro. A falta de alimentos necessários nas aldeias como sal, sabão, os itens básicos e essenciais,
também podem fazer com que procurem a cidade, pois compram esses alimentos com o dinheiro desses benefícios sociais. Mesmo assim, eles estão sendo orientados pela Funai e equipes do DSEI a permanecer nas aldeias para
evitar que alguém possa se contagiar.
A preocupação é como o coronavírus está se espalhando rápido pelo Brasil, e especialmente no Amazonas. As comunidades indígenas se assombram, o medo é que sejam dizimadas pela Covid 19, como aconteceu com as
epidemias anteriores. Em dias de caxiri, as pessoas compartilham a mesma cuia, e essa seria uma forma direta de transmissão desse tipo de doença, o que é muito preocupante.
Essas técnicas de prevenção de lavar as mãos e usar álcool em gel entre os Hupd’äh não existem, por isso espero que esse vírus nunca chegue em nossa cidade e entre esse povo. Fico triste só de pensar que se essa doença chegar até os Hupd’äh, assim como nas demais etnias, e levar ao óbito um deles, como será difícil ter que queimar o corpo e não ser velado para ter a despedida, como será grande o sofrimento dos familiares.