Porto Velho está em risco pela existência das barragens Jirau e Santo Antônio, rio Madeira acima. Se a primeira se rompe, a parede de água que desceria o rio iria imediatamente quebrar a barragem de Santo Antônio também.

A vazão de água máxima em Porto Velho alcançou 60.066 m3/segundo em 31 de março de 2014 [1]. Se a vazão fosse 40% maior, a capacidade do vertedouro de Santo Antônio seria ultrapassada, colocando a represa em risco de quebra; o mesmo se aplica para Jirau. Uma futura inundação que ultrapasse a enchente de 2014 por esta percentagem estaria dentro da faixa de possibilidade de ocorrer. A inundação de 2014 foi 23% maior que a inundação recorde anterior (que, em 1984, atingiu 48.878 m3/segundo: [2], Vol. 1, p. 2.85).

Deve notar-se que o risco para a cidade de Porto Velho não é limitado à probabilidade de uma inundação que exceda a capacidade do vertedouro na barragem de Santo Antônio. A barragem de Jirau, fechada em 2013, está localizada imediatamente acima do reservatório de Santo Antônio e, se a barragem de Jirau quebrasse, a parede de água que desceria o rio iria imediatamente quebrar a barragem de Santo Antônio também; cada um dos reservatórios tem mais de 50 m de profundidade. Outras barragens rio acima também são planejadas: Cachoeira Riberão (também conhecido como a barragem “Guajará Mirim”) e Cachuela Esperanza (na Bolívia). Cada uma destas tem seu próprio risco de fracasso, no entanto, como essas barragens ainda não foram construídas, elas poderiam ser projetadas com vertedouros maiores para acomodar o regime de clima alterado.

Espera-se que a mudança climática traga maiores extremos em eventos de precipitação. Um artigo na edição de outubro de 2015 da prestigiosa revista Climatic Change apresenta avanços recentes em modelagem do clima que mostram que a continuação do aquecimento global vai aumentar eventos extremos de precipitação [3].

As barragens de Santo Antônio e de Jirau já foram construídas. Não há uma segunda chance para reconstruí-las com vertedouros maiores e, por isso, são consideradas como um caso “sem solução – sem problema” onde os perigos para os quais não existe nenhum remédio são simplesmente ignorados. Mas, infelizmente, esses riscos não vão embora. A história da tomada de decisões e licenciamento de barragens do rio Madeira está repleta de lições para não serem repetidas [4-6]. O risco imprevisto para Porto Velho e o resto do baixo rio Madeira é apenas mais um.

Em 2007, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) fez uma série de mais de 150 peguntas às empresas empreendoras. As respostas das empresas incluem as seguintes perguntas:

 

Qual a importância de conhecer …. fenômenos associados como La Niña …. para o planejamento dos empreendimentos?”

Resposta: “…. a questão dos processos hidrológicos produzidos pelo fenômeno ENSO – El Niño/Southern Oscillation …. tem uma ocorrência cíclica na escala temporal e suas consequências em termos de produção hídrica e de sedimentos da bacia estão também refletidas nas séries hidrológicas históricas, e desta forma, consideradas nos projetos. …. O estudo desses fenômenos é muito mais útil como base para a previsão de clima, de precipitações e de vazões, atividades características da fase de operação das usinas, quando prognósticos de ocorrências futuras de vazões, podem gerar economia e segurança à geração hidrelétrica.” ([7], p. 9).

 

“Quais impactos podem ser causados nos e pelos AHEs [aproveitamentos hidrelétricos] propostos na ocorrência de elevadas chuvas instantâneas, de rápido crescimento do nível d’água …. . Quais medidas mitigadoras preventivas podem ser adotadas?”

Resposta: “…. tal análise é adequada somente no caso de bacias hidrográficas de pequenas dimensões ou de grandes declividades …. Não há possibilidade de chuvas instantâneas causarem um rápido crescimento do nível d’água no Madeira… .” ([7], p. 9).

 

Fica evidente que a preocupação das empresas é apenas com a segurança da geração de energia e não a segurança de Porto Velho. A possibilidade de mudanças climáticas fazer com que as “séries hidrológicas históricas” sejam inadequadas para prever o futuro também não entra em consideração, assim como a possibilidade de ter subidas rápidas de vazão, tais como a enchente de 2014 quando houve chuvas torrenciais sobre uma vasta área da bacia hidrográfica na Bolívia.

Infelizmente, um comunicado divulgado pela empresa Santo Antônio Energia, S.A. [8] indica que ela se recusa a reconhecer qualquer risco ou aprender as lições sobre a mudança do clima. Em vez disso, a empresa afirma que qualquer discussão sobre o tema é “irresponsável”, pois provoca “pânico” desnecessário na população de Porto Velho.

Os grandes planos para construção de barragens futuras na Amazônia fazem com que seja urgente que as lições da “Espada de Dâmocles” de Porto Velho sejam aprendidas [9].

– Esta matéria foi originalmente publicada no Amazônia Real e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.

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