O mito grego de Dâmocles pode ser utilizado para representar a situação de Porto Velho, localizada imediatamente abaixo da barragem de Santo Antônio, no rio Madeira. Porto Velho assim está sob um risco permanente.

O mito grego de Dâmocles pode ser utilizado para representar a situação de Porto Velho (população estimada de 502.748 em 2015). A capital do estado de Rondônia está localizada imediatamente abaixo da barragem de Santo Antônio, que bloqueou o rio Madeira em 2011. No mito grego, Dâmocles ocupava uma posição privilegiada, mas em troca dessa posição ele foi sentenciado pelos deuses a ter uma espada eternamente pendurada acima da cabeça, suspensa por um único fio de cabelo do rabo de um cavalo. Para Porto Velho, as barragens do rio Madeira representam um risco semelhante.

Os vertedouros das barragens de Jirau e Santo Antônio foram projetados com base no registro histórico dos níveis de enchente, dessa forma, as estruturas dos vertedouros permitiriam a passagem de um volume de água esperado na maior enchente que é esperada a cada 10.000 anos (FURNAS et al., 2006, Vol. 2, p. IV-48). É bom lembrar que o alto nível da água no rio abaixo da usina de Santo Antônio no pico da enchente recorde de 2014 reduziu a diferença entre os níveis da água acima e abaixo da barragem até o ponto que as turbinas não podiam funcionar, obrigando a empresa a passar todo o caudal do rio através do vertedouro [1]. Mesmo sem as águas de uma inundação excepcional, o fechamento forçado de turbinas pode causar um aumento súbito do nível de água no reservatório, como ocorreu em um incidente na usina de Jirau em julho de 2015 quando a conexão para a linha de transmissão foi interrompida inesperadamente [2].

A usina de Jirau foi obrigada a ter um vertedouro com capacidade para 82.587 m3/segundo (ANA Resolução 555 de 19 de dezembro de 2006, Art. 2), isso corresponde à inundação instantânea máxima esperada para ocorrer uma vez em 10.000 anos ([3], Vol. 2, p. IV-48). O fluxo correspondente para Santo Antônio é de 83.952 m3/segundo ([3], Vol. 2, p. IV-139). O projeto do vertedouro para cada barragem foi baseado no registro histórico dos níveis de inundação.

No entanto, a enorme enchente do rio Madeira de 2014 mostrou que o registro histórico de inundações já não representa o clima atual, muito menos o que é esperado para o futuro com as mudanças climáticas [4-5].

O aumento da temperatura média global ainda não passa de 1°C desde o início da revolução industrial em 1750 e, mesmo que todas as negociações sob a Convenção de Clima fossem dar certo, chegaria ao dobro disso até 2100 – e o relógio não para em 2010. Aumentos várias vezes maiores são possíveis antes que as cargas atmosféricas de gases de efeito estufa pudessem ser rebaixadas, sobretudo considerando as emissões a partir de estoques “naturais” de carbono que seriam liberadas pelo próprio aquecimento global (e.g., [6], p. 89)[7].

 

– Esta matéria foi originalmente publicada no Amazônia Real e é republicada através de um acordo para compartilhar conteúdo.

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