Mapa Vivo de Mídias – Amapá

AMAPÁ
Estado mais preservado é o que tem menos mídias atentas aos temas socioambientais

A oposição às restrições para explorar áreas protegidas e a influência empresarial na política e na mídia explicam a acanhada cobertura socioambiental.

 

O Amapá, estado mais preservado do país, com cerca de 72% do território ocupado por unidades de conservação e terras indígenas, é também marcado por conflitos socioambientais que chegaram com a mineração e a soja.

A concentração midiática acompanha a concentração populacional na capital Macapá e no município de Santana. O poder público e a mídia dão pouca atenção a comunidades rurais e tradicionais dos interiores do estado.

O rádio não comercial, que em alguns pontos da Amazônia atua como meio importante de luta e mobilização, no Amapá acaba restrito. Boa parte das rádios comunitárias do estado está sob o domínio de famílias envolvidas na política.

 
Terra Indígena Waiãpi, uma das áreas protegidas do estado mais preservado do país (Foto: Fábio Nascimento/Greenpeace)
 

A conexão de internet de melhor qualidade é acessível apenas para quem vive nas zonas urbanas. Em números absolutos, entre os cinco estados apresentados no mapeamento do InfoAmazonia, o Amapá é o que traz menos veículos com alguma cobertura socioambiental. Considerando toda a Amazônia Legal, o Amapá fica à frente apenas de Roraima.

 

mídias com cobertura socioambiental foram mapeadas no Amapá

mantêm seção específica sobre Amazônia ou meio ambiente

Cobertura do desmatamento

Em 2021, o desmatamento foi abordado em pautas sobre a degradação causada por exploração ilegal de madeira; também naquelas que apontavam os esforços de preservação e combate às derrubadas. Há textos sobre a relação que os guardiões da floresta mantêm com a natureza e sobre a biodiversidade do estado. Em outro exemplo, vemos uma reportagem sobre o primeiro ninho ativo com filhote de gavião real, espécie ameaçada por caça, desmatamento e soja.

O desmatamento também é abordado por sua relação com as mudanças climáticas, seja em reportagens que apontam municípios com ameaça de calor extremo e ou por textos sobre os acordos globais de combate às emissões de gases de efeito estufa.

O noticiário de queimadas foi mais pontual. A imprensa destacou, em 2021, o painel que monitora qualidade do ar e as queimadas em oito municípios do Amapá. Ao noticiar a privatização da Companhia de Água e Esgoto do Amapá, o site SelesNafes citou a afirmação do atual governador Waldez Góes (PDT) a respeito do saneamento básico ser o grande problema ambiental do estado, mais do que queimadas e desmatamento.

Comunidades e jovens ganham espaço

Para Gil Reis, diretor de comunicação do Instituto Mapinguari, a mídia tradicional do Amapá abre pouco espaço para questões socioambientais tanto pelo fato de estar atrelada a interesses de setores empresariais, quanto pela dificuldade de financiar coberturas que exigem deslocamento.

“É muito difícil mobilizar a mídia. Nós fizemos, ano passado, uma coletiva de imprensa com a comunidade da Casa Grande, de remanescentes quilombolas. É uma comunidade pertinho daqui de Macapá, mas completamente esquecida pelo poder público. Não tem ônibus, não tem internet, não tem escola, não tem posto de saúde. A única coisa que tem é conflito agrário. Quem apareceu foi a mídia independente, nenhum veículo tradicional,” diz Reis.

O Instituto Mapinguari é uma organização não governamental que atua na proteção, pesquisa e educação socioambiental no Amapá, com foco em áreas protegidas. Um trabalho tocado por jovens, iniciado sete anos atrás.

Há mais de dois anos, o Mapinguari começou um trabalho com comunidades quilombolas da Área de Proteção Ambiental (APA) do rio Curiaú. O Instituto desenvolve ainda oficinas de comunicação popular para a juventude.

“A gente tem uma grande problemática aqui porque a maioria dos quilombos do estado não tem acesso à internet. Então é importante a gente levar em conta o trabalho de mobilização e comunicação analógica”, explica Gil Reis. No quilombo do Curiaú, há mais de dez anos, o agricultor Sebastião Menezes, seu Sabá, escreve e edita um impresso chamado Jornal do Quilombo, que segue em circulação na comunidade.

Há outros exemplos desses meios de resistência. Graças a parcerias, uma iniciativa jornalística que partiu da universidade pública teve importância e repercussão em 2021.

Repórter Ingra Tadaiesky em pauta sobre famílias sem terra no Amapá (Foto: Agcom/Unifap)
 

Jornalismo socioambiental dentro da universidade

Uma experiência independente e promissora vem de dentro da Universidade Federal do Amapá (Unifap). Desde 2019, a Agência Experimental em Comunicação (Agcom) segue um posicionamento editorial que lança olhar para as questões socioambientais do estado. A Agcom é um projeto de extensão que funciona como agência experimental integrada ao curso de jornalismo da instituição.

Em 2020, diante das limitações impostas pela pandemia de Covid-19, o projeto precisou realizar coberturas jornalísticas a distância. No ano seguinte, o trabalho amadureceu, houve retorno cuidadoso às ruas e aumento na produção de notícias e reportagens. A Agcom, a essa altura, contava com seis bolsistas. Apoios informais garantiam o deslocamento dos estudantes para as pautas.

Passou a fazer parte dos produtos da Agência o podcast ‘Fala, Amazônia’, antes gravado pela Rádio Unifap. Outra linguagem utilizada pelo projeto foi o audiovisual, com a realização de uma websérie sobre mulheres negras do Amapá. O ano de 2021 marcou ainda parceria entre a Agcom e o Instituto ClimaInfo, que promoveu curso em Macapá para jornalistas sobre a cobertura das mudanças climáticas na região.

Em 2022, a Agência Experimental enfrenta a falta de bolsas, mas segue o trabalho com estudantes voluntários e ritmo menor. A professora Lylian Rodrigues, que coordena a Agcom, busca novas parcerias, como com a promotoria de meio ambiente do Ministério Público, para realização de ações ou publicações. “Para a Agcom continuar a ser o meio de comunicação político, socioambiental que a gente construiu e deseja que permaneça”, conta Rodrigues.

Além das produções, a Agência contribui para a formação de novos jornalistas interessados pelo socioambiental. “Todos os ex-bolsistas estão empregados. Um deles, inclusive, começou a atuar diretamente na comunicação socioambiental. Dentro da AGCom, ele conseguiu se articular com um projeto de agricultura familiar para a produção de vídeos. Então eles são tocados na formação de maneira a se direcionar na ação profissional”, comenta a professora.

 

Diante das dificuldades de pautar o meio ambiente mesmo em mídias comunitárias, o Mapinguari busca implementar o primeiro observatório de políticas socioambientais do Amapá.

O trabalho do Instituto, conta Reis, envolve um processo de conscientização, para o qual a mídia seria fundamental: “Por o Amapá ser esse lugar preservado, existe um certo ressentimento sobre não se poder explorar essas áreas. Primeiro é necessário, e isso é um trabalho que a gente faz, conscientizar a população da importância de mantermos essa preservação, e mostrar que é possível viver e tirar renda de áreas protegidas sem degradá-las”.