Além do boto cor-de-rosa, aves, peixes e, claro, humanos estão sendo afetados. Foto de Maria Candice Arias. Reportagem parte do projeto Histórias Sem Fronteiras.
Por Eduardo Franco Berton e Gustavo Faleiros. Ilustrações Sérgio Castro
Uma reportagem-especial do InfoAmazonia publicada na última sexta, dia 12, revelou que após uma década da construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, novos impactos ambientais começam a surgir. De acordo com a investigação, uma população de 50 a 100 botos cor-de-rosa está encurralada entre as duas barragens.
A situação não é reconhecida publicamente pelas empresas que operam as duas hidrelétricas, mas foi alertada por pesquisadores e ativistas que recentemente revisaram centenas de pareceres técnicos e comunicações com o Ibama.
Entre os botos encurraldos, existem duas espécies distintas – o Inia Geoffrensis e o Inia Boliviensis. Embora sejam muito similares, são espécies distintas. Se nada for feito, no longo prazo, esta população encurralada de botos tende à desaparição. Os perigos são especialmente relevantes para o Inia Boliviensis, uma espécie que, como diz o próprio nome, é endêmica da Bolívia.
Por ser um impacto sobre a biodiversidade com dimensão transnacionais, a reportagem foi feita em parceria com a boliviana Rede Ambiental de Informações (RAI) com apoio do projeto Histórias Sem Fronteiras da organização Inquire First.
Leia aqui a reportagem completa e veja o vídeo especial
A construção das hidrelétricas no portentoso rio Madeira não deixou apenas encurralados os botos da Bolívia e do Brasil. Passados mais de 10 anos desde o início do barramento deste afluente do Amazonas, existem diversas pesquisas que revelam outros impactos sobre espécies de aves e peixes. Além disso, discute-se qual tem sido a influência destas grandes infraestruturas no ciclo natural de cheias e vazantes.
Áreas de inundação
Durante o processo de licenciamento ambiental das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, os técnicos da agência brasileira de proteção ambiental, o Ibama, apontaram que a potencial área alagada pelos futuros reservatórios estava sendo subdimensionada. E não apenas isso: algumas das populações que seriam afetadas estavam em comunidades ribeirinhas na Bolívia. Como medida de mitigação a este risco, os projetos das represas foram adaptados para funcionarem sem a necessidade de um grande espelho da água. São as chamadas usinas a fio da água.
Essa alternativa, entretanto, não foi totalmente eficaz. Um estudo publicado em 2017 na revista científica Remote Sensing Applications: Society and Environment, por Sheila M.V. Cochrane e outros pesquisadores, revelou que a área inundada foi pelo menos 64,5%, ou 341 km², maior do que originalmente previsto durante a fase de estudos. Para fazer esta comparação, os autores analisaram imagens de satélite entre 2006 e 2015. O artigo mostra ainda o preocupante dado de que, entre as áreas de inundação, 160 km² são de florestas nativas.
Redução da pesca
Quem também sofreu os impactos das hidrelétricas do rio Madeira foram os pescadores. Embora muitas pesquisas tenham colocado sua atenção na redução das populações de grandes bagres, algumas espécies-chave para o setor pesqueiro da Amazônia estão sumindo das redes. Nos últimos anos, estudos liderados pelo ecólogo Rangel Eduardo dos Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais, têm coletado informações junto à colônia de pescadores localizada no rio Madeira. As entrevistas com os pescadores apontam uma redução de 39% na disponibilidade das princípais espécies comerciais, entre elas o pacu, o jaraqui e a branquinha.
Aves perdem suas florestas
Para as aves da Amazônia, as várzeas e igapós são tão importantes quando os ecossistemas de terra firme. São ambientes que sofrem grandes transformações dependendo dos períodos de cheia ou vazante. Por isso, as espécies que os têm como habitat foram impactadas diretamente quando o pulso do rio foi alterado pelas barragens de Santo Antônio e Jirau.
O que ocorre é que em locais de alagamento permanente, o que era floresta se torna um cemitério de árvores, um “paliteiro”. O pesquisador brasileiro Tomaz Melo, doutorando do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) tem estudado o que representa a supressão de ambientes para diversas espécies.
Ele conta sobre o Uirapuru-laranja, uma espécie que na Amazônia vive em florestas de várzea maduras. Durante a pesquisa não se obteve nenhuma detecção nas áreas onde a floresta morreu. “O que pode indicar que toda a área alagada pelos reservatórios das usinas se tornou uma barreira para essa espécie”, diz Melo.
O grande bagre migrador
Entre as espécies mais afetadas pela construção das usinas de Santo Antônio e Jirau destaca-se a dourada, o peixe de água doce que realiza a maior migração jamais registrada, até 11 mil quilômetros em seu ciclo de vida. Embora as companhias já no processo de licenciamento ambiental tenham se comprometido a construir um mecanismo de transposição – a chamada “escada para peixes”, as evidências indicam que a medida não surtiu efeito. Estudos como os de Paul Van Damme e Marília Hauser mostram que, assim como as populações de botos, o grande bagre ficou isolado pelos barramentos.
A pesquisadora brasileira Carolina Doria, da Universidade de Rondônia (UNIR), afirma que os pesquisadores se sentem de “mãos atadas”. “Apesar de todos os estudos que publicamos e dos problemas que relatamos ao Ibama, não conseguimos qualquer encaminhamento”.