Lago de água cristalina da Fazenda Borbulha atrai turistas, mas fica dentro da Rebio Nascentes da Serra do Cachimbo, unidade de proteção integral que não comporta atividade turística.

As águas cristalinas da nascente “borbulha”, em Novo Progresso, no sudoeste do Pará, são um convite tentador para cliques feitos especialmente para caçar curtidas em redes sociais. A página oficial da Secretaria de Estado de Turismo do Pará, por exemplo, não resistiu. No dia 28 de janeiro, a Secretaria divulgou uma foto da lagoa, com direito a convite para os seguidores irem ao local. O governo paraense só esqueceu de informar um pequeno detalhe: o empreendimento turístico, chamado de Fazenda Borbulha, funciona ilegalmente dentro da Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, uma unidade de conservação de proteção integral em que a visitação pública é proibida, portanto, não pode ter exploração turística.

Secretaria de Turismo do Pará @visitpara
Secretaria de Turismo do Pará @visitpara

Em maio de 2018, a fazenda foi embargada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) — órgão federal responsável pela gestão e fiscalização de unidades de conservação (UC) da União —, após técnicos constatarem a exploração comercial ilegal do espaço e ainda construções ilegais e dano ambiental. Apenas nesta fiscalização, o proprietário da fazenda, Antônio Zimar Oliveira Alencar, recebeu quatro multas que somam R$70 mil. 

Auto de infração
Auto de infração

Com base nas informações do ICMBio, o MPF pediu a abertura de inquérito na Polícia Federal em Santarém, em maio do ano passado, que segue em sigilo. O MPF informou que pediu esta semana à PF a abertura de outro inquérito, com base nas informações enviadas pelo ICMBio em outubro de 2020. Mesmo com tantas investigações e condenações, a Fazenda Borbulha continua recebendo visitantes normalmente. E com direito a divulgação nas redes sociais do Governo do Pará.

Dois anos antes, Alencar já tinha recebido uma multa de R$300 mil após fiscais do ICMBio apontarem um desmatamento de 25 hectares (uma área equivalente a 25 campos de futebol) próximo à área da Fazenda Borbulha. De acordo com o auto de infração, a área foi desmatada para receber gado da fazenda de Alencar.

A Rebio Nascentes da Serra do Cachimbo, de 340 mil hectares de área, foi criada em 2005, com indicação de prioridade de preservação em relatórios ambientais desde 1999, segundo o plano de manejo da UC. Além das nascentes que ajudam na formação das bacias dos rios Tapajós e Xingu, a unidade de conservação foi criada para preservar “um corredor ecológico entre os grandes blocos de áreas protegidas do Campo de Provas Brigadeiro Velloso (ao oeste) e as Terras Indígenas Menkragnoti e Panará (ao leste)”, detalha o relatório de autuação do ICMBio.

A Fazenda Borbulha fica completamente dentro da Rebio — tipo de unidade de proteção integral onde só é possível a entrada de pessoas para pesquisa ambiental, e com autorização do ICMBio. Alencar alega que adquiriu uma área de 605 hectares entre 2001 e 2004, antes da criação da UC. A sua defesa na autuação de 2016 afirma que o desmatamento ocorreu antes da criação da Rebio, então não estaria passível de punição. Mas os técnicos do órgão ambiental federal contestaram essa informação na autuação, e apontaram que o desmatamento foi realizado entre 2014 e 2016. Portanto, é ilegal.

Imagem satélite
Imagem satélite

Esse caso ainda rendeu duas condenações a Alencar na Justiça Federal de Itaituba: uma ambiental e outra criminal. Na denúncia por dano ambiental apresentada pelo Ministério Público Federal, Alencar foi condenado em 23 de agosto de 2018 a pagar R$18 mil de multa e a recuperar a área degradada. Na denúncia criminal do MPF, Alencar foi sentenciado em maio do ano passado a dois anos de prisão, mas, por ser réu primário, a pena foi transformada em pagamento de sete salários mínimos.

Os advogados alegam ainda que a Rebio nunca foi delimitada, mas a localização geográfica de cada pedaço da UC está informada no decreto de criação da unidade, publicado no diário oficial da União em 20 de maio de 2005; e também no seu plano de manejo, concluído em 2009.

Dono da Fazenda Borbulha é réu por trabalho escravo

Além das condenações e multas com a Justiça Federal e o ICMBio, Antônio Alencar também tem pendências na área trabalhista. Em 18 e 29 de julho de 2017, uma operação conjunta do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública da União e Polícia Rodoviária Federal no Pará encontrou 18 trabalhadores, sendo um menor de 14 anos, em condições análogas à de escravidão.

O empresário e seu filho, Bluny Rayan Carvalho Alencar, são réus na Justiça Federal em Altamira (PA) por submeter pessoas a trabalhos forçados e degradantes, e ainda por fraude em documentos trabalhistas. A denúncia criminal apresentada pelo MPF em Altamira, em março de 2019, detalha a situação dos trabalhadores encontrados nas fazendas Borbulha, Bananal, Pium e Fábrica de Caixas, todas de propriedade de Alencar e do filho, e localizadas nas imediações da BR-163, no sudoeste do Pará. 

A acusação afirma que os réus “reduziram 18 pessoas, sendo uma delas adolescente de 14 anos de idade, a condição análoga à de escravo”, destacando que elas foram submetidas a “jornadas exaustivas” de até 10 horas. O MPF ainda cita as condições degradantes impostas aos trabalhadores, que tiveram que “dormir em barracos de lona, sem banheiros e condições mínimas de higiene”, em “colchões com capim”,e ainda “sem suprimentos básicos à saúde, como água potável”, e tendo que fazer “necessidades fisiológicas no mato”. 

Alencar e o filho “restringiram a locomoção dos trabalhadores”, informa a denúncia do MPF. A procuradoria ainda aponta que os trabalhadores “contraíam dívidas imensas com o empregador Antônio Zimar Oliveira Alencar, que os mantinha trabalhando até que o débito fosse quitado”. Se reclamassem, os trabalhadores sofriam ameaças de “uso de armas de fogo, bem como agressões físicas”, descreve a denúncia da Procuradoria.

MPF
MPF

Em 2019, Alencar foi inserido na lista suja de trabalho escravo divulgada pela Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia. A denúncia por trabalho escravo segue tramitando na Justiça Federal em Altamira. Tentamos contato com Alencar pelo telefone informado nas autuações do ICMBio, em duas oportunidades na tarde de quarta-feira, 4 de fevereiro; e também por redes sociais, mas não obtivemos retorno.

Sobre a postagem divulgando a Fazenda Borbulha, entramos em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Turismo do Pará. Insistimos durante toda a semana, por e-mail e telefone, mas também não tivemos resposta até a publicação desta reportagem.

Atualização: em nota encaminhada à reportagem na noite desta sexta-feira, 05/02, a Secretaria de Turismo do Pará “pede desculpas pelo compartilhamento nas redes sociais de sua página de experiências de turistas em local que não possui autorização legal para a atividade – a Reserva Biológica Nascente da Serra do Cachimbo”. A nota informa ainda que a secretaria “se opõe a qualquer forma de exploração ilegal de reservas ambientais e práticas sócio-ambientais incorretas”.

Atualização em 17/02/2021: No mesmo dia da publicação desta reportagem (05/fevereiro), postagens sobre a Fazenda Borbulha em redes sociais vinculadas ao Governo do Pará foram apagadas. No entanto, menos de uma semana depois, a publicação sobre a Fazenda Borbulha no perfil Visit Pará no Instagram foi reativada. Questionamos novamente a Secretaria de Turismo, que dessa vez informou que não apagaria a postagem por ser “praxe do Governo manter toda e qualquer comunicação no ar, mesmo que ela tenha gerado algum questionamento”. A resposta chama o arquivamento anterior de “equivocado” e comunica que manter as publicações “faz parte da política de transparência adotada pela gestão” do governador Helder Barbalho (PMDB). Mas se o governo paraense pretende ser transparente, precisa informar também em todas as postagens sobre a Fazenda Borbulha que o local funciona de maneira irregular, dentro de uma unidade de conservação de proteção integral que não comporta atividade turística comercial, e com o proprietário condenado por crimes ambientais e réu por trabalho escravo em atividades dentro do empreendimento. O post segue sem nenhuma dessas informações e com convite à visitação.

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1 comment

  1. Independente onde esteja ! O fato que o homem acaba com tudo ! É como as áreas de nascentes que dizem estar dentro das áreas urbanas ou seja, não é elas que estão dentro das áreas urbanas e sim nós que fomos para cima delas – e hoje a maioria contaminadas ! O governo tem que ter ciência que não dá conta de controlar todas as terras da união e manter esse tipo de área sem acesso sobretudo, depois de descoberto e ainda divulgado em rede social! Não adianta ter papel dizendo que é reserva que é da união se não tem guardiã , tem que agir ao menos tentar de forma correta ! Se não podem agir devem destinar a área a concessão a uma pessoa ou visinho da área que se comprometa formalmente a manter a preservação dentro de seus limites e ajudar a impedir o acesso a área como usar a ajuda do ente municipal e federal para impedir acesso ajudar denunciar quando não der conta! assim só fica em briga de papel e o principal que dizem que querem proteger está aí se acabando ! Ou sendo fonte de arrecadação de multa onde o dinheiro dessas multas no mínimo deveria servir para colocar placas proibitivas pelo próprio governo federal e até força policial se necessário no local ! Não conheço até onde o proprietário” da área está certo mas se a intenção dele é boa em proteger a área certamente ele não dá conta de impedir as pessoas de irem lá sozinho no nível que já está a divulgação !O brasileiro é assim, se “está todo mundo indo eu tbm vou não tem nada proibindo nenhuma placa “ ? ! Eu não conheço o local mas já ouvi muito falar e pretendo ir lá ver de perto se ainda continuar sem proibição real de acesso ‘ !

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