Apenas 20 dos 142 municípios mato-grossenses frequentemente publicam reportagens sobre desmatamento, mudanças climáticas e queimadas, como mostra levantamento do Mapa Vivo de Mídias da InfoAmazonia.

O Mato Grosso reúne três diferentes biomas do Brasil: Amazônia, Cerrado e Pantanal. Ao mesmo tempo, lidera a produção nacional de soja e de carne bovina, com 14 municípios entre os 20 mais ricos do país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2023. 

Nada disso se dá sem custo ambiental: o estado possui a segunda maior área desmatada na Amazônia Legal ao longo da história, atrás apenas do Pará. Entre 1998 e 2024, foram perdidos 155,3 mil km² de floresta — o equivalente a três vezes a área do estado do Rio de Janeiro. Os dados são do Prodes, programa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que monitora o desmatamento por corte raso e calcula as taxas anuais na região.

Ainda assim, o estado carece de uma cobertura jornalística focada na pauta socioambiental. Dos 44 veículos que tratam do tema de forma geral, apenas nove possuem editorias dedicadas ao meio ambiente. Eles estão distribuídos em 20 dos 142 municípios mato-grossenses e frequentemente publicam reportagens sobre desmatamento, mudanças climáticas e queimadas, como mostra o levantamento  Mapa Vivo de Mídias da InfoAmazonia.

“O jornalismo ambiental em Mato Grosso enfrenta pressões que o fragilizam. Há uma urgência em tratar temas como o desmatamento, mas também a influência de grupos econômicos que controlam tanto a economia quanto o discurso público”, afirma Thiago Cury, jornalista, professor universitário e pesquisador sobre a educomunicação e meio ambiente da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).  

O pesquisador avalia que essa influência faz com que os veículos tradicionais priorizem destacar os dados econômicos positivos do agronegócio em detrimento de assuntos como concentração fundiária e degradação ambiental. 

“O poder econômico do agronegócio limita a circulação de informações críticas e desestimula a produção de reportagens ambientais. Isso afeta tanto grandes veículos quanto as mídias independentes, que têm menos recursos e proteção jurídica”, explica Cury.

Apesar dos obstáculos, algumas iniciativas resistem. 

Alô Chapada: comunicação comunitária coração do Mato Grosso

O Alô Chapada foi fundado pela jornalista Katiana Pereira dos Santos em 2020, em meio a pandemia de Covid-19. A proposta é supriruma lacuna de informações locais e criar um espaço para o jornalismo comunitário. 

No site, são abordados temas como a poluição das nascentes, o avanço do garimpo e a degradação ambiental causada por obras governamentais. Uma das reportagens denunciou o comprometimento de reservas naturais devido ao projeto de asfaltamento da rodovia MT-251. Katiana conta que a mobilização gerada pela publicação resultou na atuação do Ministério Público, que solicitou medidas para mitigar os impactos ambientais. 

Atualmente, a equipe é formada por Katiana, o publicitário Luiz Henrique Ramos, sócio e responsável pela área comercial, e Helena Wernicke, atuando na redação. O veículo é financiado pelo comércio local. 

“Eu acho que a resistência em cobertura às pautas socioambientais é por conta de sanções aplicadas a veículos que se propõem a fazer isso. Veículos que se propõem a acompanhar a pauta socioambiental e potencializar a voz dos movimentos de minorias que são marginalizados acabam tendo espaço de mídia cortado, ou sequer nunca recebem, não são convidados aos eventos, não têm as informações privilegiadas por parte de governo”

Katiana Pereira

Eh-Fonte é uma newsletter diária de notícias sem amarras com o poder público

Idealizado pelos jornalistas Adriana Mendes, Francisca Medeiros, Sônia Zaramella e Regina Alvarez, o E-Fonte surgiu como uma resposta à necessidade de um jornalismo independente e de qualidade, sem amarras com poderes públicos ou interesses privados em Mato Grosso. 

As jornalistas também tinham o  desejo de empreender em um modelo que estivesse na contramão do que viveram no mercado de trabalho. Com foco no jornalismo ambiental e político, a linha editorial do veículo tem se destacado pela cobertura de temas como desmatamento, queimadas e a luta por maior transparência nas políticas ambientais do estado.

“Na minha opinião, o principal desafio do jornalismo ambiental de Mato Grosso é a cobertura da política ambiental do Estado. Há uma necessidade de um acompanhamento das propostas, de organização, da Assembleia, e deixando claro, ao leitor, os benefícios daquela proposta e também as consequências”, afirma Adriana.

O trabalho do E-Fonte ganhou visibilidade ao ser uma das 15 iniciativas jornalísticas escolhidas para o programa de fortalecimento da comunicação do Google News Initiative em 2024. Além da newsletter, publicada de segunda a sexta-feira, o E-Fonte conta com colunas e reportagens especiais. Entre os desafios enfrentados pelo veículo, estão a busca por sustentabilidade financeira e a conquista de leitores que reconheçam o valor do jornalismo independente.  

Formad: mostrando pautas socioambientais ignoradas pela grande mídia 

A baixa cobertura socioambiental no estado fez com que instituições de ativismo ambiental buscassem preencher esse espaço, produzindo reportagens para atender à demanda de territórios e comunidades atingidas pelos danos ambientais gerados pela ação do agronegócio. 

O Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (FORMAD) é uma dessas instituições que tem buscado usar seu site para fazer uma comunicação socioambiental ativa. Criado em 1992, durante a Eco92, o Formad nasceu como uma rede de 38 organizações para desenvolver um trabalho integrado, envolvendo povos indígenas, comunidades quilombolas e defensores ambientais. 

Bruna Pinheiro, secretária executiva do Formada. Imagem: Arquivo Pessoal/ Arte: Disarme Gráfico

Segundo Bruna Pinheiro, jornalista integrante da Secretaria Executiva do Formad, nos últimos cinco anos, a comunicação socioambiental em Mato Grosso evoluiu significativamente graças, principalmente, ao trabalho de instituições independentes.

“O Estado é marcado por uma política anti-ambiental. Esse ambiente desfavorável inclui desde prefeitos e deputados estaduais alinhados a esses interesses até a aprovação fácil de projetos de lei anti-ambientais na Assembleia Legislativa. Também há ameaças a jornalistas, especialmente no interior, e um emparelhamento da imprensa, devido à dependência de recursos públicos para publicidade. Nosso trabalho é falar aquilo que a mídia tradicional não consegue, aquilo que jornalistas ameaçados não podem e aquilo que o governo não quer”, diz a jornalista.

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