Com concentração da imprensa na capital, jornalistas encaram desafios logísticos e financeiros para cobrir a diversidade do estado.
Roraima possui 52 municípios, abriga o maior território indígena do Brasil, a Terra Indígena Yanomami, e enfrenta graves problemas socioambientais, especialmente relacionados ao garimpo ilegal e ao avanço do agronegócio. Apesar dessa realidade complexa, o levantamento do Mapa Vivo de Mídias da Amazônia realizado pela InfoAmazonia revelou a existência de apenas nove veículos de comunicação com cobertura socioambiental no estado, entre veículos de imprensa tradicional e independente. Dentre eles, oito estão na capital, Boa Vista, e apenas um no interior.
O Correio do Lavrado, veículo que atua pelas redes sociais, é o único que possui uma editoria dedicada à Ciência e ao Meio Ambiente. Todos os outros mapeados produzem conteúdos sobre temas ambientais, abordando assuntos como desmatamento, queimadas, garimpo e mudanças climáticas, mas sem uma sessão exclusiva para isso. Seis dos nove veículos cobrem temas ambientais de forma contínua ou diária, enquanto três abordam o assunto mensalmente.
A mídia tradicional em Roraima, composta pelos veículos Rede Amazônica e Folha BV, aborda os temas ambientais com um foco em dados, como a fiscalização dos focos de queimadas. Recentemente, essa cobertura tem dado ênfase particular na densa nuvem de fumaça que cobre a capital devido ao aumento do fogo. Esse problema é agravado pela seca e pelas mudanças climáticas, e as reportagens frequentemente abordam o impacto direto na vida do povo roraimense, com especial atenção para os efeitos na saúde da população.
Os olhos do mundo em Roraima, mas onde estava o jornalismo local?
Em janeiro de 2023, o Brasil e o mundo voltaram suas atenções para Roraima após a crise sanitária Yanomami vir à tona. O caso ganhou repercussão com a reportagem do Fantástico, da Rede Globo, que expôs a gravidade da situação enfrentada pelos indígenas. Em meio a isso, muitos internautas questionaram: onde estavam os jornalistas locais de Roraima, que não vinham cobrindo o problema?
Na verdade, eles estavam cobrindo, mas o problema não ganhava visibilidade fora do estado. Em 2020, o g1 Roraima e a Rede Amazônica produziram mais de dez reportagens detalhando os desafios enfrentados pelos povos indígenas na região, incluindo matérias sobre desnutrição infantil e os impactos do garimpo na Terra Indígena Yanomami.
Em maio de 2021, Valéria Oliveira, editora do g1 em Roraima, publicou uma reportagem extensa sobre a situação dos Yanomami. Para isso, ela passou uma semana imersa no território, testemunhando de perto a tragédia enfrentada pela comunidade. “Vi toda a calamidade que o povo vivia. É doloroso ver as pessoas questionando: ‘onde estavam os jornalistas de Roraima que não denunciaram esse caso?’. Na verdade, sempre estivemos aqui, sempre denunciamos a invasão do garimpo no território Yanomami e os efeitos desse crime na saúde e no modo de vida dos indígenas”, afirma a jornalista.
O garimpo exerce grande influência em Roraima e conta com defensores em diversos setores políticos e sociais. O governador do estado, Antônio Denarium (PP), tem se posicionado publicamente em defesa da atividade e foi o responsável pela proposição de um projeto de lei que liberava o garimpo em terras indígenas e outro que autorizava o uso de mercúrio na mineração. As ações foram amplamente divulgadas pela imprensa local, ganhando repercussão nacional e internacional. Ambas as leis foram posteriormente derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que as considerou inconstitucionais.
Correio do Lavrado: jornalismo independente e humanizado
Os veículos independentes locais têm desempenhado um papel fundamental ao trazer visibilidade para as questões amazônidas. É o caso do Correio do Lavrado, que nasceu do desejo de contar histórias e pautas pouco abordadas pela mídia tradicional em Roraima.
Fundado pelos jornalistas Vanessa Vieira e João Paulo Pires, o projeto começou a tomar forma em 2017 e foi oficialmente lançado em fevereiro de 2019. Desde então, o jornal vem se destacando por sua abordagem focada em temas como migração, educação e os desafios enfrentados pelas populações indígenas e ribeirinhas, além de cobrir questões ambientais.
“A gente sempre focou em pautas humanizadas, tentando contar as histórias por um outro viés, não apenas o que os jornais comerciais fazem. Nosso foco são as populações que não são vistas, não são ouvidas nos jornais, onde mais uma vez, o dinheiro fala mais alto”, afirma Vanessa. Contudo, o Correio do Lavrado enfrenta grandes desafios estruturais.
A geografia do estado, que apresenta grandes distâncias e áreas de difícil acesso, torna caro e complexo o deslocamento. Há ainda a falta de uma rede de conexão de dados digital sólida, dificultando a comunicação. Os problemas de conexão de internet e telefonia são recorrentes mesmo na capital.
Outro grande desafio é a busca por independência financeira. Para evitar comprometer a linha editorial, o Correio do Lavrado decidiu não aceitar anúncios de políticos e entidades governamentais, uma prática comum na mídia de Roraima. Por isso, Vanessa e João Paulo buscam outras formas de financiamento, como editais e prêmios, e sustentam o projeto em grande parte com recursos próprios.
O medo de represálias também persegue os jornalistas. “Nos últimos anos, houve uma grande descredibilização da imprensa e dos jornalistas, o que leva a ataques por parte das pessoas em alguns lugares. Embora nunca tenha sofrido agressão física, já vi colegas passarem por isso, o que traz um certo pessimismo sobre o futuro da profissão”, afirma a co-fundadora do veículo.
Em 2023, o site saiu do ar por alguns meses devido a um ataque cibernético. Hoje, ele está passando por uma reformulação e em breve será relançado. O Correio do Lavrado continua seu trabalho através de outras plataformas, priorizando fazer um jornalismo de qualidade, mesmo com poucos recursos. A equipe afirma que, mesmo com as limitações, vale a pena investir no jornalismo independente e transformador.
Amazoom: uma lupa na Amazônia
O Amazoom é um portal de notícias ligado a Universidade Federal de Roraima (UFRR). Ele foi criado em 2013 como parte de uma iniciativa do Ministério da Cultura para promover a cultura amazônica e caribenha e, um ano depois, se tornou um laboratório de comunicação alternativa e experimental na região.
O nome “Amazoom” reflete a proposta de “dar um zoom” nas questões, culturas e vivências locais, valorizando a diversidade de saberes e tradições da Amazônia. Com uma abordagem que integra questões ambientais, sociais e políticas, o Amazoom enxerga a Amazônia como um ecossistema cultural e natural interconectado. Entre os temas mais abordados, estão os direitos indígenas, os movimentos sociais, a luta contra o garimpo ilegal e a proteção ambiental.
“É muito caro pra gente a questão indígena. É muito evidente a relação com os movimentos sociais e passou a ser cada vez mais evidente a questão ambiental. Então, a gente tenta tratar dessas questões ambientais, mas não como convencionalmente se trata, separadas do resto das coisas do mundo”, fala o professor Dr. Vilso Junior Santi, coordenador do Amazoom.
Em 2017 o Amazoom lançou a plataforma digital onde os estudantes da UFRR recebem uma formação prática em jornalismo que prepara os alunos para trabalharem em organizações de comunicação, ONGs e agências humanitárias que lidam com questões de direitos humanos, meio ambiente e migração.
No entanto, a falta de equipamentos modernos e de suporte técnico adequado limita a capacidade de produção. O laboratório opera com apenas dois computadores funcionando e equipamentos que precisam ser atualizados, o que demanda o uso de computadores e celulares pessoais de estudantes e colaboradores para realizar as atividades.
Além dos desafios técnicos, o Amazoom se vê em uma disputa de narrativas sobre temas críticos na região, como o garimpo ilegal em terras indígenas, assunto delicado e amplamente defendido por parte da população local.
Rádio Parente: voz, resistência e conexão da comunidade em Roraima
Dentro das iniciativas mapeadas pela InfoAmazonia, a única que não está situada na capital do estado é a Rádio Parente. Fundada em 2009 no município de Cantá, é uma rádio comunitária criada como resposta à exclusão das comunidades indígenas e ribeirinhas nos meios tradicionais de comunicação e com o objetivo de oferecer liberdade e independência buscando promover o acesso à informação e combater a desinformação, além de dar espaço às opiniões e preocupações das populações marginalizadas, especialmente da comunidade de Santa Cecília, onde está sediada.
“A rádio serve como um canal de notícias para a comunidade, compartilhando informações locais, regionais e nacionais, sempre com um olhar voltado para como esses temas impactam a realidade de nossa região”, afirma Afonso Parente, fundador e diretor da rádio.
A programação aborda temas diretamente relacionados ao cotidiano da comunidade. Questões como desmatamento, exploração ilegal de terras e mineração, que afetam a subsistência e a cultura das comunidades indígenas e ribeirinhas, são pautas recorrentes.
O Brasil apresenta um longo processo pela concessão da licença de transmissão para rádios comunitárias, Afonso acredita que essa burocracia não considera a realidade das pequenas comunidades mas que o esforço é recompensado ao ver o veículo entre as poucas rádios comunitárias que sobrevivem em Roraima.
Um desafio permanente é a manutenção da estrutura da rádio que depende de doações e apoio de pequenas organizações, com isso é difícil manter e atualizar os equipamentos enquanto busca expandir suas atividades. Apesar disso, o diretor afirma que é o comprometimento da equipe que os permite continuar desempenhando um papel crucial na defesa e promoção das identidades locais.
“Oferecemos espaço onde os anciãos compartilham conhecimentos ancestrais e onde as práticas tradicionais são valorizadas e disseminadas. Isso contribui para que a identidade cultural se mantenha viva e para que a comunidade sinta orgulho de sua herança, permitindo que as gerações mais novas tenham contato com esse patrimônio”.