O democrata e atual presidente dos EUA aterrissou em Manaus e mencionou milhões de dólares em investimentos no Fundo Amazônia e uma nova parceria público-privada. No entanto, especialistas entrevistados pela InfoAmazonia afirmam que Biden nem chegou a cumprir suas promessas anteriores e que Trump deverá diminuir ainda mais o apoio dos EUA à Amazônia.
No último domingo (17), Joe Biden se tornou o primeiro presidente em exercício dos Estados Unidos a visitar a Amazônia, em Manaus, mas o foco de ativistas e especialistas ambientais já estava no que deve acontecer no futuro, com o retorno de um outro político americano: Donald Trump.
A visita à capital do Amazonas ocorreu quase duas semanas após a atual vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, ter sido derrotada por Trump nas eleições presidenciais. Biden se reuniu com líderes indígenas, anunciou um apoio adicional de US$ 50 milhões ao Fundo Amazônia: Projeto que capta e investe recursos nacionais e internacionais para potencializar a conservação e o uso sustentável da Amazônia. e a criação da Coalizão Financeira de Restauração e Bioeconomia do Brasil, uma parceria público-privada que pretende investir US$ 10 bilhões em projetos de preservação até 2030.
Esses US$ 50 milhões extras prometidos ao Fundo Amazônia estão muito aquém do plano inicial do governo democrata. Em 2020, enquanto ainda estava em campanha para as eleições, Biden prometeu arrecadar US$ 20 bilhões para apoiar a Amazônia— quantia que nunca se materializou. Em 2023, informou que os EUA contribuiriam com US$ 500 milhões ao longo de cinco anos ao Fundo Amazônia. Na época, ele chegou a realizar um investimento inicial de US$ 50 milhões, quantia que decepcionou o governo brasileiro e os defensores do meio ambiente, sem nunca avançar além disso.
Em relação à Coalizão Financeira de Restauração e Bioeconomia do Brasil, Biden não deixou claro quais serão os próximos passos para a sua implementação. Analistas entrevistados pela InfoAmazonia afirmam que é provável que um novo governo republicano de Donald Trump impeça muitas das promessas anunciadas pelo democrata durante seu mandato.
Ashley Thomson, pesquisadora sênior da Global Witness, organização não governamental (ONG) internacional que atua na defesa dos direitos humanos, avalia que foi “uma hora ruim” para a visita: “acho que teria sido mais significativo se Biden tivesse feito isso há um ano”. Para a especialista, que atua com um foco em políticas ligadas ao desmatamento, o ideal seria que a administração de Biden “tivesse feito mais quando ele tinha poder” e que, no total, “não estamos perto” do dinheiro que o presidente democrata queria arrecadar para a Amazônia.
Planos que devem ser abandonados
Independentemente da frustração em relação aos valores repassados ao Brasil, o governo Biden implementou medidas importantes para reduzir o uso de combustíveis fósseis e estimular a transição para energia verde. A Lei de Redução da Inflação, legislação climática histórica sancionada em 2022, destinou bilhões de dólares para promover energia limpa, com o potencial de reduzir as emissões de carbono do país em cerca de 40% em relação aos níveis de 2005 até 2030.
Além disso, durante sua visita a Manaus, o presidente democrata anunciou que os EUA arrecadaram US$ 11 bilhões em financiamento climático internacional em 2024, um valor significativamente superior aos US$ 1,5 bilhão obtidos no primeiro ano de seu mandato. Em resposta à InfoAmazonia, o Departamento de Estado dos Estados Unidos disse que o governo americano “tem apoiado parceiros para conservar, restaurar ou gerenciar 82 milhões de hectares de terras como florestas tropicais” desde a COP26, em 2021, no primeiro ano do mandato de Biden, e que “mais da metade disso está na região amazônica”.
“Acho que esses são avanços incrivelmente notáveis”, disse Juliana de Moraes Pinheiro, coordenadora do Programa Socioambiental e de Transição Justa do Washington-Brazil Office, uma ONG americana. No entanto, há outras políticas de Biden em relação à Amazônia que incluem planos bem-intencionados, mas vagos e inacabados, segundo a especialista — e que a presidência de Trump provavelmente abandonará.
É o caso da recomendação assinada por Biden em 2022, que orientava o Departamento de Estado dos EUA e outros órgãos executivos a adotar medidas de combate ao desmatamento internacional. No entanto, essas recomendações careciam de políticas específicas e viáveis, segundo Thomson, da Global Witness. A especialista afirmou que o governo democrata não conseguiu “apresentar opções políticas realistas”.
Thomson afirma que outra política que despontou nos EUA em relação à Amazônia está ligada às novas regras aprovadas este ano pela Comissão de Valores Mobiliários: A Securities and Exchange Commission (SEC) é a agência do governo dos Estados Unidos que regula o mercado de valores mobiliários e protege os investidores. dos EUA (Securities and Exchange Commission, em inglês), que exigem que as empresas de capital aberto divulguem seu risco climático. As regras foram enfraquecidas durante o processo de consulta pública, e o rascunho final não exige que as empresas revelem os impactos do desmatamento em suas cadeias de suprimentos. Thomson destacou que essa decisão permite que empresas do agronegócio ocultem quase todas as suas emissões significativas.
Esses e outros movimentos pró-meio ambiente realizados nos últimos quatro anos pelos democratas devem se tornar cada vez mais raros. Com o domínio republicano na Presidência, no Senado e na Câmara dos Deputados dos EUA, o governo americano deverá aumentar as emissões de gases de efeito estufa, negar financiamento ao Fundo Amazônia e a outros fundos de preservação, além de enfraquecer as tentativas de regulação a empreendimentos destrutivos e exploratórios na Amazônia e no mundo.
“Ter um negacionista do clima, um admirador de combustíveis fósseis [como presidente] nos EUA, que é o maior produtor de petróleo do mundo, é muito estressante”, disse Pinheiro, do Washington-Brazil Office. O histórico de Trump inclui a reversão de mais de 100 regulamentações ambientais durante seu primeiro mandato. Agora, ele promete revogar a Lei de Redução da Inflação e aumentar drasticamente a produção de petróleo. As políticas de Trump podem resultar em mais 4 bilhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa, segundo um estudo da CarbonBrief, um veículo do Reino Unido que investiga política e ciência climáticas.
É possível também que o resultado da eleição americana influencie o progresso internacional no combate às mudanças climáticas, enfraquecendo o movimento climático global após a perda do apoio dos EUA, uma das nações mais influentes. Trump, que adotou uma política externa mais isolacionista em seu primeiro mandato, já prometeu retirar os EUA novamente do Acordo de Paris.
Para James Green, presidente do Conselho de Administração do Washington-Brazil Office, é improvável que os EUA desempenhem um papel significativo na COP30, prevista para ocorrer em Belém em 2025: “Nem sei se enviaremos representantes sérios para a COP”.
Clima longe da pauta nas eleições
As mudanças climáticas tiveram pouca relevância nas discussões da corrida presidencial nos EUA. Segundo uma pesquisa do Pew Research realizada antes da eleição, o tema foi o 10ª ponto mais importante para os eleitores americanos, com apenas 37% dos eleitores registrados considerando-o “muito importante” para seu voto.
Para Daniela Dias, coordenadora da Amazônia SOS, uma ONG brasileira dedicada à conservação da Amazônia, o movimento climático precisa se tornar mais acessível e engajar mais pessoas e setores: “acho que a falha histórica que a gente carrega é não conseguir fazer com que essa discussão seja intersetorial, que ela saia desse nicho… com esse novo cenário, o retrocesso é esse: não conseguir estabelecer um diálogo intersetorial entre países.”
Diante do impacto abrangente das mudanças climáticas — exemplificado pelos dois furacões que inundaram o sudeste dos EUA e pela seca que atinge a Amazônia —, ativistas e especialistas afirmam que essa abordagem precisa mudar. “É muito lamentável porque todos perdemos”, disse Pinheiro. “Todos, no planeta inteiro.”