Durante a campanha, Igor Normando (MDB) e o Delegado Éder Mauro (PL) trataram superficialmente das mudanças climáticas e seus efeitos na cidade, segundo especialistas entrevistados pela InfoAmazonia. Candidatos à prefeitura abordam a questão ambiental em seus planos, mas não traçam estratégias claras para prevenção e adaptação aos impactos do problema.
Belém elege, neste domingo (27), o prefeito que irá preparar a cidade para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá de 10 a 21 de novembro de 2025. No entanto, a emergência climática não é um tema central nas campanhas eleitorais de Igor Normando (MDB) e do Delegado Éder Mauro (PL), os candidatos que disputam a gestão da capital paraense.
O plano de governo de Igor Normando, primeiro colocado nas pesquisas, é composto por dez itens. O quinto deles, intitulado “Meio Ambiente e Sustentabilidade”, contém uma página com um diagnóstico de problemas ambientais e meia página com ações para enfrentá-los.
Entre essas ações, destacam-se alguns programas, como o Cidade Verde, que propõe uma “intervenção paisagística para tornar Belém uma das cidades com mais área verde por habitante no país”, e o Embaixador Ambiental, que “seleciona jovens em situação de vulnerabilidade para atuar em ações de educação e proteção ambiental”.
No entanto, termos como “mudança climática” ou “aquecimento global” não são mencionados no plano do candidato emedebista, aliado do governador Helder Barbalho. Já a expressão “desastre ambiental” aparece de forma genérica, como uma palavra solta, misturada a outros temas: “implementar uma sala de controle de situação e monitoramento com infraestrutura avançada, sensores, dispositivos conectados e análise de dados para fornecer serviços urbanos mais eficientes, identificando áreas alagadas, congestionamentos de trânsito, descarte regular de lixo, áreas escuras, desastres ambientais e Wi-Fi em espaços públicos”, descreve um trecho sobre as ações consideradas “prioritárias/emergenciais”.
No caso do plano do Delegado Éder Mauro, há um eixo chamado “Desenvolvimento urbano e sustentabilidade ambiental”. Parte do que se chama de objetivo estratégico é “implantar práticas ambientalmente responsáveis que assegurem a conservação dos recursos naturais, a redução do impacto ambiental e a adaptação para os impactos da mudança climática”.
Ele também apresenta alguns nomes de programas, como Braços Verdes, que “visa revitalizar e despoluir os canais da cidade, por meio de medidas regulares de limpeza e manutenção dos canais”, e o Belém Recicla, que pretende “aumentar a taxa de reciclagem e reduzir o volume de resíduos destinados a aterros”, entre outra ações relacionadas ao lixo da cidade.
Em seu plano, Éder Mauro menciona a expressão “mudança climática” três vezes. Em uma delas, no contexto da COP30, ele a apresenta como uma oportunidade para “discutir como o mundo pode e deve contribuir para o desenvolvimento sustentável da região”. Nas outras duas menções, refere-se à adaptação ao problema, mas sem especificar as estratégias para isso.
Há, ainda, um dos itens em que propõe “impulsionar a transição energética de Belém, capitalizando sua localização geográfica e condições climáticas favoráveis, por meio da expansão do uso de energias renováveis, visando promover o desenvolvimento sustentável, reduzir as emissões de gases de efeito estufa e gerar empregos verdes”. No entanto, o candidato não explica como pretende reduzir as emissões, o que caracteriza um emprego verde nem quantos poderiam ser criados.
Eugênia Rosa Cabral, professora do programa de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA), afirma que “nossas cidades não estão preparadas para lidar com o problema do clima, não têm política municipal de enfrentamento. Por isso, é importante olhar a agenda dos candidatos”.
“Belém é uma cidade que encharca facilmente, porque fica próxima ao nível do mar. Mas aqui, nenhum dos dois candidatos têm relação com esse tema em sua história. Portanto, não temos elementos para apostar que qualquer um deles vá promover mudanças”, completa.
A trajetória recente de Éder Mauro, que é deputado federal, depõe contra suas possíveis boas intenções na pauta climática — até sua reeleição para a Câmara, em 2022, ele havia se posicionado de forma desfavorável ao meio ambiente e aos povos tradicionais em todas as votações nas quais participou, além de ter apresentado pelo menos dois projetos pró-garimpo, segundo levantamento da Repórter Brasil, o Ruralômetro.
Cabral afirma que vê com desconfiança qualquer linha que esteja escrita em seu plano de governo. “Entre o discurso e a trajetória política pregressa, há uma distância grande”. Já sobre Igor Normando, a professora afirma que ele ainda vai precisar mostrar o que pretende fazer, mas pelo menos “não é refratário ao tema”. Segundo ela, no contexto da COP30, o próximo prefeito pode se sensibilizar com a pauta, nem que seja por estratégia política, se for submetido a uma pressão constante de fóruns de discussão e outras instâncias. “A sociedade civil pode fazer a diferença”, diz.
A professora, que é espectadora dos programas eleitorais e debates, avalia que as discussões climáticas passaram longe dos microfones nessa campanha. “O que se fala, de maneira tangencial, é das bacias que precisam ser tratadas, para não agravar problemas como o alagamento da cidade, e das ruas que transbordam com as enchentes”, diz Cabral.
Tal ausência de debate não surpreende a professora titular de Arquitetura e Urbanismo da UFPA, Ana Claudia Cardoso. “A maneira como a organização política é operada está forçando coalizões que concentram cada vez mais poder, com uma representação cada vez mais forte dos segmentos ligados ao poder econômico. É mais fácil ser negacionista e fingir que não precisamos lidar com problemas novos, como as mudanças climáticas, do que incorporar essa nova realidade”.
Cardoso critica o que chama de “políticas do século 19”, como a prática de fazer macrodrenagens e grandes intervenções em áreas alagadas, para serem absorvidas pelo setor imobiliário. “Belém é uma cidade das águas, com uma prática histórica de negar isso, de tamponar rios”. Uma diretriz mais condizente com o século 21, segundo ela, precisaria salvaguardar mais espaços para a natureza e regular a forma como um proprietário pode ocupar seu lote, entre outras medidas focadas no interesse coletivo: “o debate ainda não alcançou essa esfera”, afirma.
Mesmo com todas as tragédias recentes devido às enchentes e à seca na Amazônia, os planos de governo dos dois candidatos não mencionam fortalecer a Defesa Civil, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) ou qualquer projeto para prevenir e lidar com desastres e eventos extremos. Além disso, um levantamento da Associação Abaré Escola de Jornalismo revelou que, entre os candidatos à prefeitura das nove capitais da Amazônia, apenas quatro propuseram a criação de um Plano de Adaptação Climática.
Apesar disso, Cardoso acha que “não adianta ser reativo”, porque o risco sempre haverá uma vez que já se ocupou áreas que nunca deveriam ter sido ocupadas em Belém. Na visão dela, o que poderia ser eficaz é rever as políticas de gestão de uso e ocupação do solo. “Falta planejamento, uma gestão cotidiana da cidade com prefeituras distritais ligadas a essa orientação do cuidado com o espaço da vida cotidiana. Independentemente de quem vença, esse é um nó”.
Em meio a todos esses desafios ambientais, tais temas precisarão disputar espaço com outros que figuram, com propostas relativamente concretas, nos capítulos relativos à sustentabilidade e meio ambiente dos dois candidatos. É o caso do cuidado com animais domésticos.
Igor Normando promete “reforçar a área da proteção e defesa animal, garantindo no hospital veterinário atendimento adequado, estimular a doação, combater maus-tratos e restringir a quantidade de animais abandonados nas ruas”. Éder Mauro fala em “fortalecer a política municipal de proteção e bem-estar animal, através da readequação e melhoria do Hospital Veterinário Municipal, o cadastramento, microchipagem, adoção e ressocialização de animais e fiscalização do mau trato aos animais”.
A pauta do clima é de esquerda?
Embora o atual prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, seja do PSOL, o campo progressista ficou fora do segundo turno, o que pode ser considerado um motivo para o sumiço da pauta climática na disputa eleitoral. Geyza Pimentel, professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR), vê razões ideológicas no distanciamento de alguns políticos da Amazônia em relação ao tema, que não seria bem visto “pelo público e pelos partidos, porque a pauta do clima e do meio ambiente já foi carimbada como uma pauta de esquerda.”
“Qual governo vai enfrentar a questão da matriz hegemônica energética e do transporte? É mexer com a roda, é mudar o formato da roda. Estrategicamente, nenhum candidato pratica uma ação contundente para resolver o problema, para não assustar o eleitor, que ainda acredita que é preciso assegurar o emprego acima de tudo”. A professora lembra que o Pará é forte na produção de gado bovino, mineração e óleo de palma, atividades potencialmente prejudiciais ao meio ambiente.
Segundo Cardoso, o que existe é uma organização das agendas políticas a “curtíssimo prazo”. “O debate das mudanças climáticas requer visão de médio e longo prazo. Se ao longo da nossa vida houver um aumento de 7 graus na temperatura, esses políticos olham e dizem: ‘E eu com isso?’. É tão distante que eles se veem como impotentes”.
Outro ponto importante na discussão é o Plano Diretor, que serve para orientar o desenvolvimento urbano. A versão atual de Belém, de 2008, é uma “colcha de retalhos que aproveita regulamentações antigas”, na definição de Ana Claudia Cardoso, e não aborda todos os problemas da cidade. Adicionalmente, segundo ela, o plano é alterado “toda vez que surge uma oportunidade econômica de grande escala”, como a implantação de “atacarejos” no Bairro dos Jurunas, na zona norte de Belém.
Cardoso conta que está envolvida atualmente no processo de elaboração de um Plano Diretor mais robusto, que seja realmente orientador e assimilado pela gestão pública, e espera poder dar continuidade, seja quem for o próximo prefeito.
Atualmente, são pelo menos 50 pontos críticos para alagamentos, segundo dados da Secretaria Municipal de Saneamento (Sesan). Belém tem uma das menores taxas de arborização de vias públicas do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e destina para a gestão ambiental apenas 0,46% de suas receitas correntes líquidas (R$ 72 milhões entre 2021 e 2024, valor inferior ao de Manaus e Boa Vista).