Na cúpula de biodiversidade, que começou nesta segunda-feira (21) em Cali, na Colômbia, os 196 países membros da Convenção deveriam ter chegado com um documento explicando como irão cumprir as 23 metas acordadas há dois anos, destinadas a conter e reverter a perda de biodiversidade. No entanto, apenas 17% dos países entregaram o documento.
Por volta das 9h desta segunda-feira (21), começou oficialmente a 16ª Conferência das Partes (COP) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), a COP16. Durante o evento, que ocorrerá até sexta-feira, 1º de novembro, os delegados dos 196 países membros da Convenção discutirão, entre outros temas, formas de obter mais financiamento para a biodiversidade e criar mecanismos que promovam uma participação mais ativa dos povos indígenas e das comunidades locais.
Um dos temas mais relevantes desta COP16 é a revisão dos documentos conhecidos como NBSAP, sigla em inglês para National Biodiversity Strategies and Action Plans. Em português, são chamados de Estratégias e Planos de Ação Nacionais sobre Biodiversidade (EPANB), embora a sigla em inglês seja mais comum.
Simplificando, os NBSAP são documentos que cada um dos 196 países deve apresentar à CDB para demonstrar como planejam cumprir as 23 metas do Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal (que você pode consultar aqui), estabelecidas há dois anos. Essas metas, em linhas gerais, buscam conter e reverter a perda de biodiversidade no planeta.
Como explicou há alguns meses o Secretário Executivo Interino da CDB, David Cooper: “cada país precisa desenvolver sua estratégia e plano de ação nacionais para definir como vai implementar suas próprias metas e quais são os novos objetivos políticos. Assim, na COP16, eles devem apresentar esses planos, e a Secretaria analisará se as promessas feitas pelos países são suficientes para o progresso necessário a fim de atingir os objetivos e metas do Marco Global. Se não forem, veremos como podemos melhorá-los.”
O ideal, segundo uma das decisões adotadas ao final da COP15, é que os países revisem e atualizem seus NBSAP e os apresentem antes da COP16.
O problema, como alertaram várias organizações, como a WWF e o site britânico Carbon Brief, especializado em assuntos ambientais, é que a maioria dos países não cumpriu esse compromisso. Até o momento, apenas 33 dos 196 países membros da Convenção registraram seu NBSAP no site da CDB.
Em outras palavras, apenas 16,8% dos países estão cumprindo uma das “tarefas” mais importantes para esta cúpula. A Colômbia, sede do evento, está entre os países que não cumpriram o prazo. De acordo com um porta-voz do Ministério do Meio Ambiente, consultado por um veículo britânico, o longo processo de consulta “impediu que o país cumprisse o prazo.”
“Há uma lacuna preocupante entre o que foi prometido em Montreal e os planos que foram implementados até agora para reverter a perda da natureza até 2030″, afirmou no início de outubro Bernadette Fischler Hooper, diretora de Incidência Global da WWF, ao lançar uma ferramenta para monitorar esses planos. Para a WWF, “o fato de que apenas um pequeno número de países cumpriu sua obrigação é um sinal alarmante”.
Em uma entrevista publicada pelo Carbon Brief em 10 de outubro, a Secretária Executiva da CDB, Astrid Schomaker, reconheceu que o número não parecia “tão bom”. Naquele momento, apenas 20 países haviam publicado seus NBSAP. Segundo Schomaker, algumas das razões para esse baixo cumprimento incluem o curto prazo entre as duas COPs (menos de dois anos) e o fato de que muitos países “precisaram iniciar novos processos”, além de buscar financiamento.
“Então, o início nunca seria rápido. O importante é que o trabalho está em andamento. Tenho confiança em dizer que está acontecendo em todo o mundo. Assim, o que realmente estamos observando não é tanto o cumprimento do prazo, mas o progresso dos países, como eles estão dialogando com suas partes interessadas e gerenciando novos processos, como a inclusão dos conhecimentos tradicionais, por exemplo, envolvendo os povos indígenas, quando aplicável”, acrescentou Schomaker na entrevista ao Carbon Brief.
Embora a WWF compartilhe a visão de Schomaker ao destacar os desafios enfrentados pelos países na apresentação dos NBSAP, a ONG ressalta que “as estratégias nacionais são o ponto de partida para restaurar a natureza e construir vidas e futuros melhores”. Por esse motivo, a WWF fez um apelo para que os governos acelerem o cumprimento desse compromisso.
Planos que precisam de mais recursos
Embora o número de planos seja pequeno, a WWF realizou uma análise de 18 NBSAP, incluindo os da China, Canadá, Austrália e alguns países da União Europeia. A organização concluiu que é “encorajador ver que alguns planos e objetivos nacionais são sólidos e definem ações claras, embora a maioria ainda careça de financiamento suficiente para sua implementação”. Essa conclusão se alinha com uma avaliação realizada pelo Órgão Subsidiário de Implementação em 8 de outubro, quando 19 países haviam apresentado seus planos. “Menos da metade deles inclui uma estratégia de mobilização de recursos ou menciona a intenção de criar uma no futuro”, destacou a análise da CDB.
Vale mencionar que o próprio CDB reconhece, no texto do Marco Global de Biodiversidade, que existe um déficit de financiamento para a biodiversidade de US$ 700 bilhões. A meta 19 busca mobilizar US$ 200 bilhões até 2030 para viabilizar a implementação desses planos.
Entretanto, a falta de recursos não é a única preocupação da WWF. A organização aponta que, em relação à qualidade dos planos, muitos parecem omitir formas claras e consistentes de medir o progresso. Sem esses mecanismos, a ONG alerta para o risco de uma falta de prestação de contas durante a implementação, o que foi uma das falhas das Metas de Aichi de 2011 a 2020, das quais nenhuma das 20 metas foi cumprida. A avaliação do CDB afirma: “Embora a maioria dos planos inclua um esquema de monitoramento e avaliação, menos da metade detalha como indicadores específicos serão utilizados para acompanhamento”.
Outro problema identificado pela WWF é a “participação ineficaz de todos os órgãos governamentais”. Schomaker, Secretária da Convenção, ressaltou que “os ministérios do meio ambiente não podem agir sozinhos” e pediu maior envolvimento dos outros setores. Sem essa integração, a WWF adverte que os planos podem não ter a influência política necessária nos próximos cinco anos, um período crucial para ações urgentes, conforme aponta o recente relatório Planeta Vivo da organização.
Apesar desses desafios, Lin Li, diretora de Política e Incidência da WWF, destaca um ponto positivo: “É promissor ver que, pelo menos ‘no papel’, os princípios de conservação inclusiva que fundamentaram o acordo continuam sendo o núcleo do marco na implementação nacional. Os planos estão sendo elaborados em grande parte com base em consultas e na participação da sociedade civil, academia, povos indígenas, comunidades locais e outros titulares de direitos, além do setor privado. E isso está acontecendo mais do que antes.”
Mais da metade dos países enviaram uma parte da tarefa
Nas decisões tomadas ao final da COP15, ficou acordado que os países que não conseguissem apresentar seus NBSAP deveriam enviar metas nacionais, um documento menos detalhado. Até o momento, 105 dos 196 países (53,5%) enviaram pelo menos uma meta. A Colômbia, por exemplo, apresentou duas em meados de setembro deste ano. Até agora, nem a WWF nem a CDB realizaram uma análise detalhada dessas metas, além de um balanço geral sobre as mais recorrentes nos documentos enviados pelos países.
Enquanto Schomaker se mantém otimista de que os NBSAP continuarão sendo apresentados durante a COP16, a diretora de Política e Incidência da WWF afirmou que esta cúpula de biodiversidade “deve ser um momento para impulsionar ações equitativas, promover soluções e aumentar a ação política para conter e reverter a perda da natureza até 2030. Apresentar planos de ação nacionais atualizados é o primeiro passo, e não queremos falhar logo no início.”
Esta reportagem é publicada graças a uma parceria entre El Espectador e InfoAmazonia, com o apoio do Amazon Conservation Team.