Emissoras enfrentam dificuldades para se manter no ar e pautas socioambientais podem gerar problema em áreas dominadas por ruralistas

Para as rádios localizadas na Amazônia, realizar uma cobertura de temas socioambientais não é tarefa simples. Dentre cerca de 400 rádios da região contatadas pelo levantamento do Mapa Vivo de Mídias da Amazônia, somente 47 responderam ao formulário da Rede Cidadã InfoAmazonia. Dessas, 40 emissoras têm em sua programação, com certa frequência, algum tipo de cobertura socioambiental. 

O contexto econômico, as grandes distâncias entre os estados da Amazônia, a falta de materiais e profissionais qualificados, o escasso contato com fontes especializadas, além da carência de recursos e novos investimentos, são alguns dos fatores que dificultam a presença de temas socioambientais nas rádios, segundo os veículos que agora integram o Mapa Vivo

Entre eles, está a rádio web Uxicará, cuja programação é transmitida também por meio de dois alto-falantes no meio da Vila Brasil Rio Arapiuns, comunidade que fica no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande, em Santarém, no oeste do Pará. A estação começou a funcionar em 2019, por iniciativa do coletivo de comunicação popular de jovens Guardiões do Bem Viver, e virou uma rádio web em 2023. 

A Uxicará defende o território em programas como o “Juventude cabocla”, que informa sobre mudanças climáticas e política. Há, também, uma parceria com a Escola Nossa Senhora Rainha que prepara programas que tratam do meio ambiente. No entanto, sem fontes de recursos financeiros, a estação corre risco de fechar. “Precisa manter a internet, trocar os cabos, os alto-falantes, melhorar a conexão para os comunitários”, pontua Aldeci Cardoso, colaborador da rádio.

A Rádio Uixicará, em Santarém – PA, transmite sua programação por alto-falantes no centro da Vila Brasil Rio Arapiuns, comunidade que fica no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande. Foto: Rádio Uixicará

No interior do Acre, em Sena Madureira, a rádio comunitária Avalanche FM está há cinco anos em funcionamento, buscando ouvir a comunidade e comunicar reclamações sobre as condições do atendimento à saúde e à educação. Temas socioambientais, como a seca e as queimadas que tomaram a região neste ano, também entram na pauta. O problema é que não é fácil denunciar os grupos geradores da destruição ambiental.

“Quando você aborda esses temas, irrita algumas pessoas. Políticos, pecuaristas, que não querem que você fale de queimadas, de desmatamento. Então, você sofre certa represália. Quando eles não conseguem te tirar do ar na rádio, procuram te enfraquecer na questão dos apoios”, conta Dirlei Oliveira, conhecido como Sorriso Show, jornalista e radialista da Avalanche. Ele também trabalha no site de notícias Yaconews, que faz parte do Mapa de Mídias.

Quando você aborda esses temas, irrita algumas pessoas. Políticos, pecuaristas, que não querem que você fale de queimadas, de desmatamento. Então, você sofre certa represália. Quando eles não conseguem te tirar do ar na rádio, procuram te enfraquecer na questão dos apoios.

Dirlei Oliveira, jornalista e radialista

Agronegócio, garimpo e medo

O cenário é arriscado também em outros estados, como o Mato Grosso. Itamar Perenha, presidente do Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso, explicou que o mandonismo, a dominação do poder por elites agrárias, dividiu muitas cidades. Além disso, boa parte das concessões de radiodifusão estão nas mãos dos grupos de poder.

Voltando no tempo, Itamar lembra que os povos locais acolheram muitos migrantes que chegaram em Mato Grosso, mas o clima foi mudando com o domínio do agronegócio e o avanço dos interesses econômicos sobre terras públicas. “Esse mecanismo de apropriação das terras subverteu o acolhimento”, afirma Itamar.

“O poder financeiro do agronegócio fez com que os migrantes assumissem a condução do poder político do estado.” De acordo com o dirigente sindical, uma das consequências foi o avanço do extremismo de direita nas cidades. Essas transformações políticas, sociais e ambientais afetam os comunicadores, indo além do domínio dos veículos de comunicação e colocando em risco sua segurança. Itamar conta que, ao assumir a presidência do Sindicato dos Jornalistas, em 2019, dois jornalistas foram assassinados e muitos já foram ameaçados.

Em outro estado da Amazônia Legal, o representante de uma emissora, que pediu para não ser identificado, relatou que os radialistas evitam tratar de pautas sobre garimpo por conta da tensão que a atividade gera na região. “A rádio fica receosa em tratar esses assuntos, porque a gente não sabe como as pessoas vão reagir”, diz.

Na rádio comunitária Transamazônica, de Porto Velho, em Rondônia, não impera esse tipo de autocensura. “Se a gente tiver que falar, vai falar sim”, afirma Neiva Calixto, diretora-presidente da estação. A situação crítica enfrentada pela emissora, que está no ar há 23 anos, é quanto à falta de verba e de profissionais. Depois da pandemia de Covid-19, quase todos os funcionários tiveram que ser dispensados.

Rádios em rede

A dificuldade de conseguir informações de fontes seguras, pontuada por algumas rádios, não é problema para a Universidade FM, que toca no dial 106,9 em São Luís, no Maranhão. A emissora FM educativa, em atividade desde 1986, tem à disposição para pautas, em programas como o Rádio Ciência Entrevista, pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão, instituição a qual é vinculada.

Aos domingos, a Universidade FM mantém na programação o “Orgânica”: “é um programa que tem notícias da semana, dicas de sustentabilidade, uma entrevista, um quadro com músicas temáticas da questão ambiental e uma reportagem jornalística”, detalha Paulo Pellegrini, coordenador de núcleos da rádio. O quadro funcional da estação conta com bolsistas e há política de captação de recursos para atualizar equipamentos.

Vencendo as grandes distâncias, a Rede de Notícias da Amazônia (RNA) faz circular produções qualificadas em sete estados da região. O trabalho da Rede começou em 2008, dentro da Rádio Rural, de Santarém. Hoje, o grupo tem sede própria e funciona como uma associação. Vinte emissoras são associadas da Rede, quatro delas fazem parte do Mapa de Mídias: Alvorada FM, Rio Mar FM, Caiari FM e Monte Roraima FM.

Cada estação associada, em geral ligada a alguma organização religiosa, produz materiais locais e envia para a sede. A partir dessas produções, são fechados e repassados às associadas, de segunda a sexta, o Jornal Amazônia Notícia e, nos finais de semana, o programa de educação ambiental Caminhos da Amazônia.

Em Santarém, uma equipe de quatro mulheres faz a Rede funcionar. Além dos produtos, a RNA realiza formações com profissionais das estações associadas. “A gente percebe que os comunicadores e jornalistas têm tomado consciência de que a Amazônia é múltipla e de que cada Amazônia conta uma história diferente”, considera Joelma Viana, gestora da RNA. A Rede não aceita financiamento de mineradoras, madeireiras, nem do agronegócio.


Este conteúdo faz parte do projeto Rede Cidadã InfoAmazonia, iniciativa para criar e distribuir conteúdos socioambientais produzidos na Amazônia.

Sobre o autor
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Guilherme Guerreiro Neto

Guilherme Guerreiro Neto é jornalista baseado em Belém, Pará. Colaborador da InfoAmazonia, foi repórter dos especiais Engolindo Fumaça e Amazônia Sufocada. Atuou em duas edições do projeto de fact-checking...

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