‘Queremos estar no centro das discussões, nas mesas de negociação’, afirmam lideranças de comunidades tradicionais e organizações da sociedade civil em carta. A coalizão defende o direito de participar das decisões no debate climático global.

Em busca de mais participação e protagonismo nas decisões relacionadas ao clima e à Amazônia nas Conferências do Clima da Organização das Nações Unidas, especialmente na COP30, que ocorrerá em Belém em 2025, 39 organizações se uniram em uma coalizão chamada COP do Povo. O grupo é formado por líderes de territórios tradicionais, associações e movimentos sociais ligados aos povos da floresta. Eles se reuniram na capital paraense pela primeira vez na última sexta-feira (30).

Como resultado do encontro, uma carta foi assinada por todos os integrantes. Nela, as comunidades da Amazônia afirmam que, assim como em vários momentos da história, estão novamente sendo ignoradas no processo de construção da COP30: “queremos estar no centro das discussões, nas mesas de negociação, decidindo, opinando e argumentando sobre o que é melhor para nós e para o planeta”, destaca um trecho do documento.

Queremos estar no centro das discussões, nas mesas de negociação, decidindo, opinando e argumentando sobre o que é melhor para nós e para o planeta.

Integrantes da COP do Povo

Além disso, as organizações afirmam que o legado da conferência do clima não pode ser a continuidade da grilagem, o avanço do garimpo sobre territórios tradicionais e o assassinato de defensores socioambientais. “O maior legado desse evento no chão da Amazônia seria a demarcação dos territórios indígenas, a titulação dos territórios quilombolas, uma reforma agrária justa, e a fiscalização, proteção e decretação das unidades de conservação ambiental nos mais diversos biomas”, defendem.

A carta também questiona a Lei 14.701, que estabelece um marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Aprovada após o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar a tese inconstitucional no ano passado, a lei é uma tentativa do Congresso de contestar a decisão e avançar com o processo pela via legislativa. Segundo as organizações da COP do Povo, ela exemplifica o comprometimento questionável do país com a redução do desmatamento e a preservação da floresta, já que os povos indígenas são seus principais guardiões. 

Sobre o Pará, sede do evento no ano que vem, os integrantes da COP do Povo lembram que o estado já foi palco de chacinas como a de Eldorado dos Carajás, em 1996, quando 21 trabalhadores sem terra foram assassinados, e a de Pau D’Arco, em 2017, que resultou na execução de dez sem-terra. Segundo eles, o discurso atual do governador Helder Barbalho (MDB) sobre bioeconomia e mercado de carbono é uma forma de “lavagem verde”, pois não há consulta às comunidades, como prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Em vez disso, há um cerco de mineradoras transnacionais e do agronegócio aos territórios.

Belém será sede da COP30, em 2025. Foto: Fábio Bispo/InfoAmazonia

Tribunal do Povo

As pautas definidas para a ação da COP do Povo, além da defesa da participação das organizações na COP30, incluem denunciar grandes empreendimentos e as ameaças enfrentadas por defensores socioambientais, lutar por uma reforma agrária justa, pela titulação dos quilombos e pela demarcação das terras indígenas — em oposição à PEC 48, que tenta incorporar o marco temporal na Constituição — e mapear os financiadores da COP30. Um dos próximos passos da coalizão será a criação de um tribunal popular para julgar as empresas que estão destruindo a Amazônia.

“A COP do Povo não será apenas um evento, mas uma cadeia de ações que realizaremos desde os territórios, incluindo um ponto de grande importância: o Tribunal do Povo. Vamos colocar no banco dos réus as organizações que violam os territórios e os direitos humanos em nosso país”, conta Claudelice Santos, coordenadora do Instituto Zé Cláudio e Maria. O primeiro encontro da COP do Povo foi organizado pelo instituto — cujo nome homenageia o casal de lideranças assassinado em 2011 — com o apoio da organização não governamental Global Witness.

A COP do Povo não será apenas um evento, mas uma cadeia de ações que realizaremos desde os territórios, incluindo um ponto de grande importância: o Tribunal do Povo. Vamos colocar no banco dos réus as organizações que violam os territórios e os direitos humanos em nosso país.

Claudelice Santos, coordenadora do Instituto Zé Cláudio e Maria

A carta do grupo termina afirmando que não há justiça climática sem a proteção e a participação das comunidades que preservam os biomas. “A gente sabe que a COP não é democrática. Mas a COP do Povo é, e a gente vai fazer o máximo possível para que seja um grande movimento de participação popular. Não só visando a COP, porque o pós-COP nos preocupa. Como é que vai ficar esse grande território, Belém, o estado do Pará, a Amazônia, o Brasil depois da COP?”, questiona Claudelice.

Acesso à zona azul

As conferências climáticas costumam ser divididas em duas zonas: a zona verde, onde ocorrem eventos abertos ao público, e a zona azul, restrita às delegações dos países-membros, organizações internacionais e imprensa, onde de fato as decisões são tomadas. Poucos representantes comunitários costumam ter a credencial especial da Organização das Nações Unidas (ONU) que garante acesso à zona azul.

Alessandra Korap, liderança Munduruku e coordenadora da Associação Indígena Pariri, que representa aldeias do Médio Tapajós, participou do primeiro encontro da COP do Povo. Três anos atrás, ela esteve na COP26, em Glasgow, no Reino Unido. “Muita gente quer vir para a COP30 achando que vai conseguir entrar e falar. Na realidade, há poucos credenciamentos disponíveis. Isso é bem preocupante. A gente sabe que toda COP tem muita violência contra os povos tradicionais”, relata. Este ano, ela participará da COP29, em Baku, no Azerbaijão.

Embora os movimentos de base não tenham espaço à mesa de decisão, Alessandra afirma que os indígenas são persistentes e considera fundamental a presença dos povos para que a agenda climática aborde as questões que afetam os territórios. “Não tem como falar de clima se está ocorrendo seca. Não tem como falar de clima se algumas cidades estão afundando. Não tem como falar de clima se os indígenas estão sendo expulsos. Não tem como falar de clima se estão aprovando projetos de lei como a PEC 48, que insere o marco temporal na Constituição”, critica. 

Josias Dias dos Santos, o Jota, da Associação de Moradores e Agricultores Remanescentes Quilombolas do Alto Acará (Amarqualta), afirma que a união é necessária porque as causas defendidas pelas comunidades são coletivas, tanto em relação aos territórios quanto à Terra. “O planeta é um só; e se continuar nesse ritmo de destruição, não vai durar muito”, avalia. Enquanto as terras e as águas do povo Munduruku, de Alessandra, são ameaçadas pelo garimpo ilegal e pelo avanço do agronegócio de soja, as áreas do quilombo de Jota enfrentam a pressão de grandes empresas de dendê e mineração.

“Toda essa discussão envolvendo a COP, para nós, é marketing, são negócios, formas que as grandes corporações internacionais usam para justificar e maquiar as violações que cometem. Há uma grande contradição entre o discurso das empresas e políticos e a realidade que vivemos nos territórios. Por isso, queremos participar desse debate em todos os níveis, porque sabemos como manter o planeta vivo. As comunidades tradicionais sabem e já demonstraram isso”, afirma Josias dos Santos.

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Guilherme Guerreiro Neto

Guilherme Guerreiro Neto é jornalista baseado em Belém, Pará. Colaborador da InfoAmazonia, foi repórter dos especiais Engolindo Fumaça e Amazônia Sufocada. Atuou em duas edições do projeto de fact-checking...

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