Líderes da terra indígena viajaram a Brasília e comunicaram a diferentes órgãos federais as novas invasões de fazendeiros, queimadas ilegais, ameaças e ataques. Em março, o povo Parakanã havia recebido uma Certidão de Conclusão de Desintrusão das mãos da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e do secretário-geral da Presidência, Márcio Macedo.
Lideranças do povo Parakanã estiveram em Brasília na segunda-feira (12) para denunciar novas invasões e ameaças dentro da Terra Indígena (TI) Apyterewa, no Pará. O cacique Mama Parakanã e representantes da Associação Indígena Tato’a: Organização que atua na Terra Indígena Apyterewa e representa o povo Parakanã. se reuniram com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), a Casa Civil, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e a Polícia Federal (PF).
A nova denúncia ocorre cinco meses após as lideranças do povo Parakanã receberem, em 6 de março deste ano, uma Certidão de Conclusão de Desintrusão da terra indígena, documento do governo federal declarando a retirada dos invasores de dentro do território após anos de ocupação ilegal (leia mais no intertítulo Território sob ataque). A entrega foi feita pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e pelo secretário-geral da Presidência, Márcio Macedo.
“A desintrusão aconteceu, mas não adiantou nada. Os fazendeiros estão voltando, estão trazendo gado de novo”, disse o cacique Mama Parakanã, à InfoAmazonia. Ele relata que as invasões voltaram a ocorrer em junho e, em 5 de julho, houve um ataque mais grave: dez indígenas que haviam saído para coletar cacau dentro do território foram abordados por homens armados e agredidos fisicamente. Por conta disso, os integrantes do povo Parakanã deixaram de circular livremente na terra indígena.
Após a denúncia em Brasília, o MPI informou à InfoAmazonia que o MJSP irá dar continuidade à operação da Força Nacional no território e que a equipe em campo será ampliada. A última portaria de emprego da Força Nacional foi publicada em 10 de abril e determinou a atuação por 90 dias. O prazo acabou há um mês.
“Em diálogo com as lideranças, foram discutidas as medidas pós-desintrusão, voltadas para manter a articulação dos órgãos públicos responsáveis pela proteção do território, e obtidas informações sobre novas ameaças de invasão. Em tempo, a Polícia Federal informou às lideranças que está investigando a denúncia e que os relatos subsidiarão o processo investigativo e novas ações de fiscalização”, informou o MPI.
Ainda de acordo com o Ministério dos Povos Indígenas, o plano pós-desintrusão já está sendo executado, mas os detalhes permanecem em sigilo. “A execução deste plano segue com objetivo de manter a presença constante de servidores federais no território, de monitorar de modo presencial e remoto a área e de auxiliar as lideranças para atividades estratégicas de ocupação e proteção. O documento é sigiloso e cabe ao MPI a responsabilidade por sua governança”.
A Associação Indígena Tato’a denunciou à reportagem que, mesmo com as novas ações do governo federal, os fazendeiros continuam ateando fogo na TI Apyterewa. De acordo com dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados 88 focos de calor entre 1º de julho e 16 de agosto deste ano, em comparação aos 41 focos registrados no mesmo período do ano passado.
“O nosso povo está se reorganizando para ocupar o território, para fazer monitoramento e fiscalização. Todo o cacau que a gente recolheu naquele dia [do ataque], foi roubado. Agora, os fazendeiros estão entrando, estão tacando fogo perto das aldeias, não sei se estão limpando capim para retomar fazendas, mas estamos lutando pra não deixar eles ocuparem”, diz Wenatoa Parakanã, presidente da Associação Indígena Tato’a.
Wenatoa disse que, quando soube do ataque sofrido pelos indígenas em julho, procurou imediatamente a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Desde então, segundo ela, já ocorreram outros roubos de madeira e cacau, além de invasões com gado. “Houve uma troca de tiros entre eles [indígenas] e os fazendeiros. Não deu para ver o rosto das pessoas porque eles ficaram completamente cobertos, de luva, de máscara. Agora, só estamos andando no território se for com a Funai”, explicou.
Os indígenas pedem que o governo construa duas novas guaritas para que possam ter estrutura adequada, monitorar a entrada de pessoas na terra indígena e proteger as comunidades. “O problema está sério, precisamos de reforço do policiamento, da Força Nacional, da Polícia Federal. Tem muito pistoleiro, fazendeiro, gado entrando na terra indígena, o governo tem que tomar providência. Não está adiantando nada a desintrusão, foi isso o que fomos relatar [em Brasília]”, disse Mama Parakanã.
Segundo a Associação Indígena Tato’a, as lideranças estão trabalhando para conseguir recursos financeiros que viabilizem a reocupação do território. Wenatoa explica que é necessário construir aldeias centrais de apoio dentro da área. “O governo não pode simplesmente fazer a desintrusão e depois ir embora. Tem que fazer o trabalho completo, tem que ser bem concluído até a poeira baixar. Não queremos mais os invasores derrubando a floresta”.
Território sob ataque
“Vocês estão de novo no controle da terra que é de vocês”, disse o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macedo, durante a devolução simbólica do território em março deste ano. A operação de desintrusão começou em outubro de 2023 e foi concluída em cinco meses.
Em dezembro do ano passado, três pessoas foram presas por invasão e exploração econômica, associação criminosa, incitação a crimes de invasão, desobediência às ordens de desintrusão da área, roubo de gado e abate ilegal. A Força Nacional também derrubou barracas e fazendas. Em uma das operações, um fazendeiro retirou 1 mil cabeças de gado de uma única área.
As invasões dentro da TI Apyterewa já ocorriam pelo menos desde 1987. O território sofreu com invasões que o transformaram em um vilarejo com não indígenas praticando diversos crimes ambientais, sem fiscalização ou repressão. Em 2007, a terra indígena foi homologada, e em 2011 a Funai iniciou o primeiro processo de desintrusão, que levou à criação de um assentamento para reordenar as famílias dos invasores. Apesar disso, as ocupações continuaram.
Em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu uma ação do Ministério Público Federal (MPF) e determinou a retomada do último processo de desintrusão, que resultou na entrega da Certidão de Conclusão de Desintrusão neste ano.