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Eis o que a inteligência artificial achou na Amazônia: áreas de garimpo dobraram

Amazon Mining Watch releva uma corrida pelo ouro sem precedentes. Temos dados, mas agora precisamos de governança nos territórios.

Desde a disponibilização do ChatGPT para o público, há um misto de deslumbramento e preocupação sobre como a inteligência artificial vai transformar nossas vidas. Todo esse frisson, que é aliás justificado quando se trata de uma nova tecnologia, muitas vezes tem ofuscado boas aplicações de modelos automatizados e preditivos.

Especialistas apontam que ainda estamos longe de chegar à inteligência artificial generativa, ou seja, quando uma máquina realmente está próxima de funcionar como um cérebro humano. Mas, neste momento, o que já se faz é ensinar e alimentar máquinas com bases de dados para que análises complexas possam ser feitas com muito mais rapidez e articuladas com palavras, imagens e gráficos compreensíveis ao olho humano.

E isso não é necessariamente algo novo. Modelos climáticos, que hoje estão na raiz dos debates sobre mitigação de emissões de carbono, são grandes algoritmos preditivos. O nosso Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) já utiliza, há alguns anos, softwares de detecção automatizada de polígonos de desmatamento em imagens de satélite. É isso que permite que tenhamos um sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter).

Em 2022, um grande garimpo invadiu completamente o curso superior do rio Mucajai e a aldeia Yanomami de Homoxi. Foto: Airbus DS/Earth Genome.

Na mesma linha, existe desde 2022 uma ferramenta que utiliza esses modelos de aprendizado de máquina para identificar áreas de mineração a céu aberto na Amazônia.

Começou, acreditem, com gincanas de estudantes no Brasil e nos Estados Unidos, nas quais os jovens identificavam áreas similares a garimpos em imagens satelitais de alta resolução. Esse “conhecimento humano” foi então incluído no comando à máquina. Algo como “encontre nas imagens dos últimos cinco anos outras feições como essas, e faça isso para toda a Amazônia!” — tudo isso foi dito com números e códigos!

A plataforma, criada em uma aliança entre a Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center, a Earth Genome e a Amazon Conservation, se chama Amazon Mining Watch, ou algo como monitor da mineração na Amazônia.

As análises são feitas sobre imagens de satélite Sentinel 2, da Agência Espacial Europeia, entre os anos de 2018 e 2023. A precisão das detecções é de 99,6%. Ou seja, a máquina praticamente não confunde as minas de ouro com outros usos da terra. Esses dados foram atualizados há cerca de um mês e o resultado não poderia ser mais preocupante: comparado a uma linha de base de 2018, o total de áreas de garimpo nos nove países da Amazônia dobrou entre 2019 e 2023.

O resultado não poderia ser mais preocupante: comparado a uma linha de base de 2018, o total de áreas de garimpo nos nove países da Amazônia dobrou entre 2019 e 2023.

Gustavo Faleiros, cofundador da InfoAmazonia e editor de Investigações Ambientais do Pulitzer Center.

Estamos falando de um crescimento de cerca de um milhão de hectares de terras devastadas. A linha de base em 2018 era de um total de 963.000 hectares. Isso é desmatamento, corte raso, causado pela atividade garimpeira, principalmente no Brasil, Peru, Venezuela, Guiana e Suriname. Já em 2023, a mesma análise revelava um adicional de 944.000 hectares. Um detalhamento dos dados atualizados pode ser encontrado no boletim MAAP, da Amazon Conservation.

A análise automatizada do Amazon Mining Watch é apresentada em uma mapa interativo em que as áreas de garimpo são marcadas por polígonos amarelos. Foto: Cortesia/AMW

Somando esses dois números, pode parecer que 1,9 milhão de hectares de floresta desmatada pelos garimpos não seja muita coisa. Se compararmos com o total derrubado a cada ano apenas no Brasil para fins agropecuários, a diferença de escala é brutal. Não há um ano na série histórica de desmatamento do Brasil em que menos de 1 milhão de hectares tenham sido derrubados. A destruição da Amazônia é voraz!

Mas vai além das árvores derrubadas a crise dos garimpos. A corrida pelo ouro criou uma crise social e ambiental sem precedentes para a Amazônia, seja no Peru, no Brasil ou no escudo das Guianas. Além das matas destruídas, os rios e as pessoas estão contaminados.

Por um lado, existe uma população empobrecida que se lança nos garimpos, faz a linha de frente no conflito com os indígenas e acaba por contaminar comunidades inteiras com o mercúrio, o produto sem o qual o garimpeiro na Amazônia não pode sobreviver. Sem utilizar o mercúrio para a faísca de ouro perdida no cascalho, a atividade não se paga.

Para entender o problema, é importante assistir o mais novo filme de Jorge Bodansky, Amazônia, a Nova Minamata. Com a experiência de mais de 50 anos retratando as transformações da região, Bodansky chama a atenção para a enorme crise de saúde que se instalou na floresta. Crianças e mães indígenas adoecidas pelos níveis de mercúrio no sangue acima do recomendado.

Por outro lado, temos barões dos garimpos atuando em conluio com organizações criminosas para financiar operações cada vez sofisticadas de balsas mineiras nos rios da Amazônia e a compra de retroescavadeiras para atuar no coração das terras indígenas. O especial da InfoAmazonia, Amazon Underworld, revelou em detalhes como funciona o esquema ilegal na fronteira do Brasil com a Colômbia.

Estas duas pontas da cadeia estão trabalhando para um mercado internacional extremamente dinâmico, com empresas pouco transparentes. Estima-se que 70% de todo ouro retirado da Amazônia brasileira e exportado não tem origem legalmente comprovada. Junte-se a isso que o preço do metal precioso, desde a pandemia, não para de bater recordes, e o incentivo para a corrida desenfreada está dado.

Um time de jornalistas de vários países, sob a coordenação do meio peruano Convoca, publicou há poucas semanas um grande especial detalhando como atuam empresas fantasmas na Colômbia e no Equador para enviar ouro à Índia e aos Emirados Árabes Unidos. Na mesma série, uma investigação de Hyury Potter, publicada na Repórter Brasil, mostrou que, no Brasil, alguns passos importantes foram dados com o fim da declaração de boa fé no momento da venda do ouro no mercado financeiro. Porém, isso também gerou um desvio do ouro brasileiro para a Venezuela.

Então, como domar este monstro com tentáculos locais e globais?

O que estamos vendo agora é que temos avanços na tecnologia e que o trabalho árduo de jornalistas e ativistas foi capaz de escancarar os impactos da atividade garimpeira nos territórios e fazer as conexões com os interesses de corporações e governos. O passo que ainda falta ser dado é uma maior governança sobre o mercado. Neste caso, não há inteligência artificial que resolva.

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Gustavo Faleiros

Gustavo Faleiros é cofundador da InfoAmazonia e editor de Investigações Ambientais do Pulitzer Center.

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  1. O ouro tem que ser explorado mesmo, vai deixar pra quem o ouro é do brasileiro mesmo,ne pra da pra estrangeiros não.

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