Lançado em maio, o Instituto Amazônico do Mercúrio (IAMER) é um esforço conjunto de diversas instituições públicas para enfrentar a contaminação por mercúrio na Amazônia Legal. Em entrevista à InfoAmazonia, Maria Elena Crespo López, a coordenadora do projeto, explicou que os cientistas aplicarão a mesma metodologia em pesquisas de pelo menos cinco regiões diferentes.
Com o objetivo de produzir novos dados sobre a presença do mercúrio na vida das populações amazônicas, o Instituto Amazônico do Mercúrio (IAMER) foi recentemente lançado em um esforço coletivo de instituições públicas. A missão é unificar pesquisas e determinar a extensão dos danos causados pelo uso de mercúrio na Amazônia brasileira.
O novo IAMER é um projeto, financiado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), que reúne cinco instituições: Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), Universidade Federal de Rondônia (Unir), Universidade de Gurupi (UnirG) e Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). Cada uma delas implementará polos de trabalho que seguirão os mesmos protocolos e procedimentos metodológicos. Dessa forma, será possível comparar as diferentes regiões da Amazônia e entender quais localidades estão mais vulneráveis.
Nos últimos anos, pesquisas já mostraram a contaminação das populações ribeirinhas que vivem ao redor da Terra Indígena Yanomami e do rio Tapajós e do Lago de Tucuruí. No entanto, o impacto do mercúrio nos rios da Amazônia pode ser ainda maior e atingir também as populações das capitais, segundo a professora Maria Elena Crespo López, coordenadora do IAMER.
“Eu sempre faço um desafio: como você sabe que não está exposto, se nunca mediu o mercúrio no seu corpo?”, questiona López. No final de 2022, ela participou da construção da minuta que gerou o Projeto de Lei n° 1011, de 2023, que institui a Política Nacional de Prevenção da Exposição ao Mercúrio no país. O PL está tramitando no Congresso e, no momento, aguarda parecer da Comissão de Assuntos Sociais: A Comissão de Assuntos Sociais é responsável por opinar sobre proposições relacionadas a: relações de trabalho, sistema nacional de emprego, exercício de profissões, seguridade e previdência social, população indígena, assistência social, saúde, transplantes, pesquisa e tratamento médico, controle de medicamentos, saneamento, inspeção de alimentos, e competências do Sistema Único de Saúde. do Senado Federal. Foi a partir das discussões sobre o PL que a ideia do instituto começou a surgir.
López, natural da Espanha, é professora da UFPA desde 2006. Possui doutorado em Bioquímica pelo Instituto de Neurociências Doctor Oloriz da Universidade de Granada. Ela coordena o Laboratório de Farmacologia Molecular, que está inserido no Programa de Pós-graduação em Farmacologia e Bioquímica do Instituto de Ciências Biológicas da UFPA.
Nesta entrevista, a coordenadora do IAMER discute os resultados obtidos até agora, os riscos do mercúrio na Amazônia, como isso afeta os cidadãos de acordo com seus territórios e a importância de entender a complexidade do tema.
Leia a seguir a entrevista completa.
InfoAmazonia — Sei que vocês já trabalharam com populações do Tucuruí e do Tapajós. Você poderia falar sobre os resultados até agora?
Maria Elena Crespo López — Nós, do Laboratório de Farmacologia Molecular, da UFPA, trabalhamos especificamente em duas regiões. A região do rio Tapajós, que conhecidamente é uma das mais atingidas por garimpos, mas trabalhamos também na região de Tucuruí, no rio Tocantins, especificamente na população ribeirinha do lago do Tucuruí. Lá, por exemplo, não tem registro oficial de garimpos, mas a gente acabou descobrindo que as pessoas e os peixes estavam expostos a níveis ainda maiores do que os níveis do Tapajós.
Isso é uma das coisas que a gente está defendendo com nossos dados, que já está verificado na literatura científica. Há tanto tempo que a gente vem lançando e movimentando o mercúrio na Amazônia, que todo o ambiente da região tem uma carga de mercúrio muito grande. Então, qualquer alteração que você fizer no ambiente, como barragem ou queimadas, vai liberar o mercúrio de novo. Por que a floresta também é capaz de fixar mercúrio nas folhas e, então, pode ter queimada e voltar a liberar esse mercúrio que foi fixado nas folhas. Assim, todas essas coisas não precisam ter um garimpo muito perto. Além disso, o solo amazônico também já é muito rico em mercúrio.
Então, naturalmente, qualquer alteração também vai puxar esse mercúrio que está no solo, para que comece a circular pelo meio ambiente, consiga entrar na cadeia alimentar e possa intoxicar seres vivos, incluindo o homem.
Vocês pretendem identificar as causas do mercúrio nos rios?
Nós não vamos ser o instituto de fiscalização, nós somos um instituto de pesquisa, mas a ideia é, a médio prazo, gerar também mapas de risco e avaliações ambientais. A ideia é ter um entendimento maior do cenário, com as regiões que precisam de mais atenção do Estado, no sentido de ter mais do que a fiscalização, mas também apoio e suporte [às comunidades]. Por que muitas vezes, nas regiões em que vamos, não existe acesso ao posto de saúde e a coisas que na cidade consideramos essenciais.
Neste caso do Tucuruí, por exemplo, foi possível identificar algo?
Ainda não, porque precisamos fazer um levantamento ambiental completo, mas já existem muitos trabalhos que mostram que desde a construção da barragem [Usina Hidrelétrica de Tucuruí] os níveis de mercúrio são bem altos. Tem um estudo interessante, no Xingu, que eles conseguiram medir antes da construção da barragem e agora estão monitorando depois da construção. Desta forma, eles [os pesquisadores] vão conseguir quantificar especificamente o quanto a barragem está impactando.
Qual a expectativa para que os resultados do instituto possam gerar ações e políticas concretas?
Precisamos nos preparar para uma maratona, não para uma corrida de metros. A Agência Europeia do Meio Ambiente afirmou que, mesmo se todas as emissões de mercúrio feitas pelo homem parassem amanhã, levaria décadas ou até séculos para diminuir o mercúrio. Mais do que diminuir, na verdade, voltar a fixá-lo no solo, para que não fique movimentando e entrando na cadeia alimentar. Então, a gente tem um longo caminho pela frente para conseguir tratar do problema adequadamente.
Fora todos os fatores envolvidos para encontrar o modelo econômico de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. O garimpo é uma atividade que passa de geração para geração, que existe há centenas de anos na Amazônia e a gente tem que encontrar um caminho sustentável, porque é um problema complexo, com muitas camadas e a gente tem que entender que precisa de profissionais de muitas áreas diferentes.
Aqui no Brasil o uso do mercúrio só é permitido para atividades regularizadas. Você acredita que seja necessário proibir completamente?
Não é suficiente proibir. Na Colômbia, eles acabaram de passar pela experiência de proibir nacionalmente o uso da mercúrio e aparentemente não teve quase impacto porque não resolveram significativamente os níveis de mercúrio, não reduziram significativamente as atividades ilegais. É por isso que eu falo, há que se ter muito cuidado com as soluções e estar nesse diálogo direto com as pessoas da Amazônia, com as populações vulneráveis, até garimpeiros e suas famílias.
Se a ideia é encontrar soluções realistas e realmente eficazes, a gente precisa pensar que isso é uma mudança de pensamento do amazônida. Então, com proibição ou apenas fiscalização, talvez não seja o melhor caminho. Precisamos trazer o amazônida como protagonista e como parte da solução, não apenas como parte do problema.
Quais as metas estabelecidas para este primeiro momento?
Inicialmente, nós já temos metas a curto prazo, que são implementar polos [de pesquisa] e definir que esses polos tenham todos os mesmos protocolos, todos a mesma metodologia. Então, a gente vai conseguir comparar os dados de Rondônia com os dados do Amapá, por exemplo, isso é uma coisa que até agora era impossível, devido ao uso de diferentes equipamentos, diferentes técnicas. Era muito difícil fazer essas comparações. Também temos como meta imediata a avaliação de populações, cada polo tem um número de pessoas que precisam ser avaliadas, tanto de populações urbanas quanto rurais.
Por que vocês optaram por incluir as populações tradicionais que vivem mais próximas aos rios, mas também as populações de áreas urbanas?
Eu sempre faço um desafio: como você sabe que não está exposto, se você nunca mediu o mercúrio no seu corpo? A gente tem que entender que morando aqui na Amazônia, a gente vai estar exposto, e isso a gente demonstrou, por exemplo, numa análise dos peixes vendidos aqui em Belém. Algumas espécies tinham a mesma quantidade de mercúrio que as vendidas no Tapajós.
Qual é a diferença? Não é porque você come um peixe com um pouco mais de mercúrio que automaticamente vai ficar doente. A boa notícia é que o corpo consegue eliminar o mercúrio aos poucos. A ideia é dar tempo ao corpo para conseguir eliminar esse metal. Nas cidades, o problema é menor porque a gente consegue ter um acesso a uma dieta mais diversificada. No caso de populações ribeirinhas, indígenas e até dos garimpeiros, a vida deles é peixe todo dia, no café da manhã, almoço e janta. É um acúmulo de mercúrio que o corpo não consegue dar conta. O corpo consome muita quantidade e não consegue eliminar a tempo.
Como não assustar as pessoas com essas informações?
A gente não pode deixar de comer peixe. É um alimento muito importante, porque tem muitos nutrientes e muitas vitaminas. É como eu estou falando, o problema na cidade não chega a ser um problema gigantesco porque a gente tem uma dieta mais diversificada, a questão é que populações vulneráveis e especialmente a populações afetadas pelas mudanças climáticas, tem a sua diversidade na dieta muito reduzida.
As folhas das árvores também fixam mercúrio, então, quando existe um aumento da temperatura e maior número de queimadas, você vai estar mobilizando mais mercúrio. Então, as mudanças climáticas também favorecem isso. Enfim, há uma série de fatores, que estão todos combinando, todos envolvidos uns com os outros e a gente tem que entender essa complexidade para realmente chegar a uma solução.
O que significa para vocês ter um trabalho desenvolvido dentro da academia que está diretamente ligado com uma questão urgente?
É muito importante a independência da universidade. Obviamente, você precisa da questão política para depois conseguir implementar políticas públicas, mas a independência da ação universidade nos permite criar iniciativas, como esse projeto é lei [PL n° 1011], como o IAMER, que independente do governo que estiver no momento, irão perdurar. Então, a nossa aposta é por uma coisa que perdure muito além da vivência de um projeto, muito além de um governo. Precisamente por entender que o problema durará por décadas, não vai ser só por quatro anos. A gente precisa se organizar nesse sentido.
As universidades conseguem, por ter essa independência, fazer perdurar essas ações. Além disso, devido à capilaridade que elas têm na sociedade amazônica, qualquer ação de conscientização tem um impacto muito maior. Elas têm uma capilaridade tanto na formação de todos os profissionais da Amazônia, chegando onde o Poder Executivo não está chegando.
Hello.
Good luck 🙂