O projeto da Usina Hidrelétrica (UHE) Tabajara prevê um reservatório de 97 km² em Machadinho d’Oeste. Além das 9 terras indígenas, uma análise exclusiva da InfoAmazonia em parceria com o Brasil de Fato confirma a influência do empreendimento sobre sete áreas com registros de presença de grupos indígenas isolados.

Entre decisões judiciais e denúncias, o projeto da Usina Hidrelétrica (UHE) Tabajara segue de pé. A previsão de um reservatório de 97 km² sobre o rio Machado (Jiparaná), em Machadinho d’Oeste, Rondônia, irá afetar, segundo análise exclusiva da InfoAmazonia em parceria com o Brasil de Fato, sete áreas com registros de presença de grupos indígenas isolados.

São eles: 

  • Isolados Piripkura, da Terra Indígena (TI) Piripkura;
  • Isolados Kaidjuw, da TI Tenharim Marmelos; 
  • Isolados da Cachoeira do Remo
  • Isolados do Igarapé Preto, com registro de presença na TI Tenharim do Igarapé Preto; 
  • Isolados da Serra da Providência, na TI Igarapé Lourdes; 
  • Isolados do Rio Maici, na TI Pirahã;
  • Isolados do Manicorezinho, na Unidade de Conservação (UC) Floresta Nacional do Aripuanã.

Dentre esses, apenas os Piripkura tiveram o registro confirmado: Registros confirmados dizem respeito a grupos indígenas em isolamento cuja existência é comprovada pelo Estado brasileiro após um trabalho sistemático de localização. A confirmação de presença é conduzida pela CGIIRC por meio de uma metodologia rigorosa, que pode conciliar a condução de expedições e sobrevoos à análise de imagens de satélite para identificar as áreas tradicionalmente ocupadas pelos indígenas isolados. pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e, por isso, sua área de circulação é hoje protegida pela restrição de uso: Uma medida administrativa empregada pela Funai para proteger os povos isolados enquanto aguardam a efetiva demarcação de seu território.. A TI Piripkura está localizada em uma área com forte atividade do agronegócio, entre os municípios de Colniza e Rondolândia (MT), e é habitada por dois indígenas em isolamento voluntário, considerados os últimos representantes do povo Piripkura. Por ser um território ainda não demarcado, a restrição de uso aplicada em março de 2023 pela Funai é um instrumento para resguardar os Piripkura do contato com não indígenas.

Já os Kaidjuwa estão em fase de estudo: Um conjunto de evidências sugere a existência de um povo isolado, ainda sem informações suficientes para confirmar sua existência ou localização com precisão. Confirmar sua existência requer continuar o trabalho de localização e monitoramento, usando documentação sobre avistamentos e vestígios, além de estudos etnológicos ou historiográficos sobre o povo em questão. pela Funai e seguem sem a confirmação de registro, mesmo sendo os principais impactados pela construção da hidrelétrica pela proximidade da TI Tenharim Marmelos com o empreendimento (cerca de 200 metros), de acordo com a análise da reportagem. Os demais cinco grupos de isolados estão em fase de informação: Registros de informação são informações sobre a presença de um povo em isolamento oficialmente reconhecidas pela Funai que, após uma avaliação inicial para seleção e triagem, as incorpora em sua base de dados para posterior qualificação. Essas informações geralmente são levantadas pelas Frentes de Proteção Etnoambiental (FPE) durante o trabalho de localização e monitoramento, bem como junto a organizações indígenas e indigenistas atuantes em Terras Indígenas., etapa inicial do processo de reconhecimento.

Desde o início, o Estudo de Impacto Ambiental: Documento que deve trazer todas as informações para a instalação de um grande empreendimento. Ele é um estudo complexo em que a empresa vai mostrar quais são os potenciais riscos: possíveis populações atingidas, espécies de animais e plantas que existem no local, além de outros fatores físicos e biológicos. (EIA) da UHE Tabajara já previa a TI Tenharim Marmelos dentro da área de influência do empreendimento. No entanto, a região também é próxima de outras TIs e dominada por vestígios de indígenas isolados. Para mostrar se a usina atingiria esses grupos, a reportagem cruzou a base de dados do Observatório dos Povos Indígenas Isolados (OPI) — que monitora informações sobre ameaças e pressões sobre os povos indígenas isolados —  com as delimitações de impacto de acordo com medidas impostas pela Justiça. 

Para as referências de indígenas isolados que estão dentro de TIs e UCs, o OPI adota um limite de 40 km ao redor do território, o mesmo previsto pela Portaria Interministerial 60/2015, que estabelece a área de influência de hidrelétricas e rodovias na Amazônia Legal. É com base nessa medida que a Funai deve sinalizar ao Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) quais são as terras indígenas que serão impactadas e precisam ser estudadas. Já para os grupos isolados fora de áreas protegidas, como o caso da Cachoeira do Remo, com limites territoriais formais não definidos, o limite é de 50 km a partir do registro de referência, para fins exclusivos de monitoramento. 

Processo de reconhecimento de isolados pela Funai

A Funai contabiliza oficialmente 114 registros da presença de grupos indígenas isolados no país. 28 destes tiveram o registro confirmado e os demais estão em processo de investigação pela Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) por meio da atuação de 11 Frentes de Proteção Etnoambiental (FPE), com 29 bases espalhadas pelo país. Unidades descentralizadas da CGIIRC, as FPEs são responsáveis pelas ações de localização, monitoramento, proteção e vigilância e, em contextos excepcionais, contatos com os povos isolados.

Os estudos necessários para a confirmação de presença de um registro podem se estender  por décadas, para a produção de conhecimento sobre as dinâmicas de mobilidade e territorialidade, modos de vida, história recente e pertencimento étnico-linguístico desses povos. A confirmação mais recente de um registro de isolados aconteceu em setembro de 2021, no município de Lábrea (AM).

Após uma série de relatórios, laudos e denúncias sobre a usina (leia mais em ‘Estudo de impacto rejeitado’), duas decisões judiciais são base para a análise: 

  • Em 2022: o MPF e o MPE-RO abriram uma ação civil pública e, com base nela, a Justiça Federal determinou que sete terras indígenas fossem incluídas nos estudos de impacto da hidrelétrica, além da Tenharim Marmelos. São as seguintes TIs: Jiahui e Pirahã (ambos povos de recente contato); Tenharim Rio Sepoti; Tenharim do Igarapé Preto; e Ipixuna e Nove de Janeiro, onde vivem os Parintintim; e a Igarapé Lourdes, onde vivem os Arara e Gavião.
  • Em 2023: a Justiça Federal voltou ao assunto e determinou a realização de novos estudos de impacto ambiental contemplando os 8 territórios (a Tenharim Marmelos + os 7 novos exigidos na decisão de 2022), e com uma avaliação integrada de impactos por parte da Funai na porção sul da TI Tenharim Marmelos, devido aos indícios da presença de povos isolados, sendo que essa região está a cerca de 200 metros do reservatório. 

Enquanto o licenciamento não tem novos “capítulos”, a reportagem investigou a localização desses territórios em relação aos impactos já previstos, tanto pelas decisões judiciais, como pela OPI. Além de oito terras indígenas já identificadas na decisão de 2022 e em pedido para inclusão nos estudos em 2023, com destaque para o forte impacto na TI Tenharim Marmelos e grupos Kaidjuwa, a análise também aponta impacto na TI Piripkura, que não foi considerada nem nos estudos do projeto, nem nas decisões judiciais. 

A população indígena estimada nas nove TIs identificadas na área de influência do empreendimento é de aproximadamente 3 mil pessoas dos povos Tenharim, Jiahui, Arara, Gavião, Parintintim, Pirahã e Piripkura, de acordo com a base de dados Povos Indígenas do Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA).