Em meio à paralisação, o presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira Especialista em Meio Ambiente (Ascema) explicou à InfoAmazonia que os servidores ambientais estão desistindo da carreira e que é necessária uma reestruturação para tornar a atividade atraente de novo.
No início de 2023, os servidores federais da área ambiental iniciaram uma mobilização interna para pedir melhorias nas gratificações, nos salários e na perspectiva de carreira. Em outubro, as conversas foram se definindo e, em 2 de janeiro de 2024, os funcionários do Ministério de Meio Ambiente (MMA) e seus órgãos vinculados – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – começaram a paralisação dos serviços de campo. Hoje, estão mantendo os trabalhos administrativos, mas foram interrompidas as ações de combate à crimes ambientais, a desintrusão em terras indígenas e os serviços de identificação de áreas vulneráveis às queimadas.
Em entrevista à InfoAmazonia, o presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira Especialista em Meio Ambiente (Ascema), Cleberson “Binho” Zavaski, explicou que a evasão de servidores nos últimos anos aumentou e que a carreira deixou de ser atrativa. De acordo com a Ascema, um a cada seis servidores empossados no último concurso público do Ibama, em 2022, já deixaram seus cargos. O equivalente a 18% dos 568.
Com tantos riscos que precisam ser enfrentados em campo e no cotidiano das funções dos servidores ambientais, o que eles defendem é uma reestruturação de carreira: uma mudança em todos os salários base da categoria, considerando a hierarquia das classes de trabalho, a complexidade, o tempo de serviço e o mérito profissional. A sugestão ao governo federal é que haja uma equiparação à remuneração dos servidores da Agência Nacional de Águas (ANA).
Zavaski afirma que o risco de danos ao país é grande. Segundo ele, até o fim de 2025, mil servidores do Ibama devem se aposentar, de um total de 2,9 mil. Sem uma carreira atrativa, Binho avalia que mais evasões ocorrerão e que o país pode passar por um “colapso ambiental”, com tantos serviços importantes sendo afetados.
Leia a seguir a entrevista completa.
InfoAmazonia – Como começou a paralisação, imagino que vocês estivessem planejando isso desde o ano passado? Teve um estopim?
Cleberson “Binho” Zavaski – Começamos a mobilização desde 2023. Na verdade, desde a transição do governo. Houve uma retomada da pauta ambiental no país e com essa retomada da governança, os servidores retomaram também diversas atividades que antes eram paralisadas ou negligenciadas. A gente sabe toda a história da boiada que tentaram passar.
Então, a diminuição do desmatamento, a diminuição das queimadas, o combate ao garimpo ilegal, foram todas políticas e práticas que este governo [Lula] apresentou para toda a sociedade com o apoio constante e permanente dos servidores que se dedicaram durante todo esse período. É importante dizer o que os servidores da área ambiental, junto com o governo, fizeram que realmente os dados aparecessem. Desde outubro do ano passado, tivemos, então, uma escalada de apoio dos servidores, uma escalada dessa mobilização, foi quando houve a primeira reunião de negociação.
Você pode explicar quais são as principais reivindicações?
A principal reivindicação é a reestruturação da carreira. A nossa carreira tem 22 anos e nunca teve uma reestruturação, desde 2002. Nesses 22 anos, nós tivemos a criação de órgãos extremamente importantes, como foi ICMBio, como foi o Serviço Florestal Brasileiro. As competências e atribuições foram bastante ampliadas. No que diz respeito à governança ambiental, o próprio Ministério do Meio Ambiente ampliou bastante essas suas atribuições de competências e usando os mesmos servidores. Por que, na verdade, quando a nossa carreira foi criada, nós tínhamos 8.855 mil cargos para servidores especialistas em meio ambiente e hoje nós temos praticamente 4.900 cargos somente ocupados.
Esses cargos só podem ser ocupados por servidores concursados, né? No mês que vem está sendo realizado o chamado concursão, o Enem dos concursos, e não temos uma vaga sequer pro Ibama e ICMBio, e nem para o Serviço Florestal Brasileiro. Nós estamos pedindo a reestruturação para que a nossa carreira se torne novamente atrativa, também estamos pedindo a diminuição do fosso [desigualdade] entre servidores das carreiras, dos cargos auxiliares para técnicos e técnicos para analistas. Ou seja, a parametrização, que seria elevar a nossa condição de vencimento e a nossa perspectiva de carreira até o patamar da Agência Nacional de Águas.
Além disso, nós temos unidades do interior do Brasil e principalmente na Amazônia onde muitas vezes o servidor da área ambiental é o único servidor nesta região, neste município, nesta base do governo federal. Então, nós também estamos reivindicando que os servidores recebam uma gratificação por interiorização ou locais de difícil lotação para que a gente consiga manter esses servidores. Seja na cidade, no interior, ou seja numa base avançada na unidade de conservação ou num território indígena, para que esses servidores possam permanecer lá, nós precisamos ter condições de trabalho. Condições de trabalho são escritórios, são viaturas, são equipamentos, mas também são, do ponto de vista prático, gratificações que permitam que esses servidores e suas famílias permaneçam nessas áreas.
Por que a comparação com a Agência Nacional de Águas?
A Agência Nacional de Águas tem uma carreira similar a nossa, especialista em recursos hídricos, especialista em geoprocessamento e georreferenciamento. É uma carreira que é muito restrita à questão da Agência Nacional de Águas, mas que é equiparada do ponto de vista de atribuições de competência. Nós também somos agência reguladora, nós somos agência de monitoramento e controle, nós somos agência de fiscalização e combate aos crimes ambientais, somos Força Armada, porque nós possuímos a fiscalização, a divisão de proteção com esses servidores armados e não recebemos nenhuma gratificação de atividade de risco por isso.
Que serviços estão paralisados hoje?
Nós tivemos uma série de atividades afetadas. Atividades de proteção, de fiscalização, de desintrusão em terras indígena, o combate aos crimes ambientais. O licenciamento ambiental, através das suas vistorias, das audiências públicas. Também a parte de comércio exterior, com uma parte de autorização para exportação de cargas de madeira, está sendo afetada neste momento, assim como o combate às emergências ambientais, como os incêndios e a preparação dessas áreas para o segundo semestre.
Então, nós temos hoje uma série de atividades na área ambiental que não estão sendo realizadas em campo porque houve um acirramento na negociação que não está avançando e na posição do governo que não dá resposta à reivindicação dos servidores.
E como está sendo o diálogo com o governo, qual a recusa deles?
O governo como um todo vive um ajuste muito em cima, na questão fiscal. A principal questão do governo, a alegação, é que não tem condições de atender as reivindicações dos servidores. Eles alegam falta de recursos, seja para essa questão da gratificação da atividade de risco, que nós consideramos extremamente importante, porque nós temos risco à vida constante em campo, seja na melhoria da carreira para que a nossa carreira se torne atrativa e para que também consiga manter os servidores altamente qualificados.
Um levantamento de vocês mostra que 18% dos servidores empossados no último concurso público deixaram o órgão. A que você atribui isso?
Nós estamos perdendo muitos servidores. Nossos servidores da área ambiental são altamente qualificados, nós temos grande parte do efetivo de analistas com doutorado e pós-doutorado. São servidores altamente especializados e sensacionais de pesquisa. Mas, hoje, a nossa carreira é uma das carreiras mais defasadas do serviço público, é com certeza a carreira que tem a maior evasão de servidores, ou seja, servidores que pedem demissão ou para ir para outros cargos através de concurso público ou pra ir para iniciativa privada, de tão ‘desatrativa’ que se tornou a carreira ambiental frente aos desafios que a gente tem.
A gente está aí todo dia nas notícias, quando temos conflitos, quando estamos em áreas preservadas combatendo garimpos, combatendo uma dinâmica de crime organizado, que mudou muito nos últimos anos. Hoje, a gente não combate mais um pequeno grileiro, um pequeno invasor de terra, um madeireiro pequeno, não. A gente combate grandes organizações criminosas, facções criminosas altamente organizadas e altamente armadas.
Só para dar uma ideia, nós tivemos, somente no território Yanomami, durante o ano, 10 ataques a equipe do Ibama. Também tivemos N conflitos onde os servidores foram atacados por criminosos em ação de combate, isso sem falar a dificuldade de combate a emergências ambientais, onde a gente tem constantemente, infelizmente, a perda de vida de servidores.
Qual o risco à política ambiental caso não ocorra a reestruturação?
Muitos servidores vão fazer esse concurso [Concurso Unificado], isso é da competência e da questão individual de cada um. Quem não tem condição de se manter, vai buscar novas oportunidades para si mesmo e para sua família. Isso vai ser um prejuízo muito grande. O Ibama deve perder, até o final do ano, um terço do efetivo. O Ibama tem 2.900 servidores, nós teremos mais de mil que irão se aposentar até o final de 2025. Se nós não tivermos uma reestruturação que atraia novos servidores, e um concurso depois para ocupar esses espaços que estão sendo deixados, nós teremos um colapso na área ambiental, independente da vontade daqueles que continuam hoje existindo e mantendo em seus postos atividade ambiental em execução.
O que a gente faz é um apelo para que cobrem do governo que haja esse olhar diferenciado, já que a pauta ambiental se tornou central, seja infelizmente pelos extremos climáticos, pelos grandes incêndios florestais ou pelas grandes secas que atingiram a região amazônica. Todas essas questões vão depender dos servidores ambientais constantemente em campo. Pedimos que o governo possa ter esse olhar diferenciado pelos servidores da área ambiental que não teve até agora.
Como você avalia o interesse do governo em resolver o problema?
Em outubro, teve a primeira reunião da mesa temporária de negociação e não avançou. Nós apresentamos as reivindicações, depois somente no dia 1º de fevereiro, ou seja mais de 112 dias depois, é que houve a segunda reunião onde o governo apresentou uma contraproposta muito rebaixada. Desde o dia 2 de janeiro de 2024, a mobilização dos servidores escalou, inclusive com paradas de atividades de campo. De fato houve, por parte dos servidores, uma reação à não resposta do governo às suas reivindicações.
O que vocês estão esperando nesse momento?
Nós tivemos uma segunda rodada de negociação neste ano de 2024, foi dia 16 de fevereiro, onde o governo fez uma segunda proposta. Essa segunda proposta ainda está sendo discutida e avaliada. O governo não oficializou até hoje, dia 21 de fevereiro, não foi oficializada esta proposta. Então, nós seguimos no impasse. Servidores continuam mobilizados, diversas atividades por consequência têm sido prejudicadas. Não havendo resposta do governo às reivindicações e não havendo acordo, é possível que as mobilizações continuem no Brasil a fora. E elas estão continuando.
Após esta entrevista, em 22 de fevereiro, o governo federal, por parte do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), apresentou uma proposta, com um quadro de mudanças do que seria possível. A Ascema está convocando assembleias entre esta segunda-feira (26) e a sexta-feira (01/03) para discutir o documento.