Região vivencia avanço da especulação imobiliária, que transforma a paisagem e ameaça a fauna e a flora. Criado em 2018, o Monumento Natural do Atalaia (MoNa Atalaia), uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, não tem plano de manejo definido e aguarda ação do órgão estadual responsável.

De um lado, céu azul, mar calmo e areia branca a perder de vista. Do outro, dunas majestosas e uma vegetação rica em mangues, restinga e lagos imensos de tirar o fôlego. Essas belezas naturais formam o cenário da Ilha do Atalaia, localizada em Salinópolis, município a pouco mais de 200 quilômetros de distância da capital paraense, Belém. 

Apesar de toda a biodiversidade, a região está ameaçada pelo avanço imobiliário e de grandes empreendimentos turísticos que transformam a paisagem, a fauna e a flora, principalmente próximos ao Monumento Natural do Atalaia (MoNa Atalaia), uma Unidade de Conservação de Proteção Integral que já tem megarresorts e condomínios privados localizados a poucos metros de sua delimitação.

Em análise da InfoAmazonia, com base em dados de imagens de satélite e em visita ao território, identificou-se o avanço do setor imobiliário na região, dois grandes empreendimentos turísticos, por exemplo, estão a menos de um quilômetro do MoNa Atalaia —  o Salinas Premium Resort e o Salinas Parque Resort, ambos integrantes da rede GAV Resorts, com atuação na região Norte. 

Além desses, 13 condomínios residenciais estão a poucos passos do MoNa, sendo necessário apenas atravessar a estrada. São eles: Ocean Driver, Canto do Sol, Enseada do Sol, Fort Apollo, Trilha do Sol, Fort Poseidon, Reserva da Ilha, Reserva dos Cocais, Reserva da Ilha, Cabanas Beach II, San Marino, The Rooftop Condomínio Boutique e Atalaia Palms. 

Instituído como uma UC em março de 2018, o MoNa já deveria ter a sua zona de amortecimento, que é uma delimitação de área ao redor de toda Unidade de Conservação para filtrar os impactos negativos das atividades que ocorrem fora dela.  Segundo a Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), essa zona deve ser elaborada juntamente com o Plano de Manejo no prazo de cinco anos a partir da data de criação da UC. A zona de amortecimento do MoNa deveria ter sido concluída em março de 2023. 

O tamanho das zonas de amortecimento varia em cada UC, que recebe estudos específicos que consideram suas particularidades e entorno.

Na Amazônia Legal, por exemplo, existem outras duas UCs com a mesma categoria do MoNa. Uma delas já teve sua zona de amortecimento definida no decreto de criação, que é o Monumento Natural Canyons e Corredeiras do Rio Sono, em São Félix do Tocantins, no estado do Tocantins, e tem uma zona de amortecimento definida em 9.512 hectares (ou 95,12 km²). 

Por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), a InfoAmazonia solicitou ao governo do estado do Pará o detalhamento do plano de manejo e foi informada sobre a inexistência do mesmo. Sobre o não cumprimento da lei, o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (IDEFlor-Bio), que faz a gestão do MoNa Atalaia e de outras UCs do Pará, disse que o estudo está previsto no Plano Plurianual 2024 – 2027 como uma das metas “prioritárias” do instituto, com previsão de ser elaborado e publicado até o final do segundo semestre deste ano. 

Ainda conforme o IDEFlor-Bio, um plano de trabalho está sendo elaborado para “definir ações mais urgentes a serem executadas na área do MoNa Atalaia, com prazo de conclusão para dezembro de 2023”. Em novembro de 2023, a InfoAmazonia entrou com recurso solicitando o detalhamento deste plano e a resposta veio no último dia 26 de janeiro de 2024: o plano de trabalho ainda não estava pronto porque, segundo o órgão estadual, seria necessário ainda renovar o conselho gestor (CG) do MoNa para, depois, formar um grupo de trabalho (GT) e seguir com as atividades. 

Ao todo são 11 etapas a serem cumpridas para conclusão do plano de manejo do MoNa. Onze meses já se passaram e o processo segue a passos lentos. Até o momento, foi formado o GT de Estudo Técnico das Dunas e os membros do CG foram chamados, por meio de ofício, para manifestação de interesse na permanência no conselho. A criação de grupos de trabalho é só a primeira etapa na criação do plano de manejo.

A falta dos planos de manejo e trabalho contribui para a construção desenfreada de imóveis próximos à UC e preocupa ambientalistas, comunidade local e pesquisadores, tendo em vista que a região abriga 82 hectares de mangue que, somados aos mangues do Amapá e do Maranhão, formam um dos maiores conjuntos de manguezais do planeta, segundo o IDEFlor-Bio. O MoNa também serve de berçário para diversas espécies aquáticas criarem seus micro-habitats, além de atuar como uma fonte alimentar e de sustento econômico para os moradores locais.  

A docente e pesquisadora do Programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Ivani Ferreira de Faria, que tem uma longa experiência na gestão de territórios em áreas protegidas, destaca a atividade humana predatória como um dos grandes problemas desse cenário por ter avançado rumo à unidade de conservação ao longo das últimas décadas, com empreendimentos dentro e fora de sua área de proteção. 

“É uma obrigação ter a zona de amortecimento, uma vez que ela é uma área de proteção integral. Deveria ser feito no ato de sua criação, é um monumento natural, deve ser protegido, pois vai afetar todo mundo. Não pode ter nenhum uso direto de seus elementos naturais e aí têm imóveis perto de dunas, restingas, manguezais”, afirmou Ivani.

É uma obrigação ter a zona de amortecimento, uma vez que ela é uma área de proteção integral. Deveria ser feito no ato de sua criação, é um monumento natural, deve ser protegido, pois vai afetar todo mundo. Não pode ter nenhum uso direto de seus elementos naturais e aí têm imóveis perto de dunas, restingas, manguezais.

Ivani Ferreira de Faria, pesquisadora do Programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

O MoNa do Atalaia possui uma área de 256,58 hectares e abrange toda a Ilha do Atalaia. Ele está destinado ao desenvolvimento de estudos e pesquisas científicas, ecoturismo, recreação e lazer, educação ambiental e a conservação da natureza. O espaço não permite moradia e nem exploração dos recursos naturais. Porém, todos os bares e restaurantes na Praia do Atalaia – cerca de 50 empreendimentos numa faixa de extensão de 1,5 km – fazem fronteira com o MoNa e ficam a menos de 5 metros, quando não estão dentro da UC.

O avanço desenfreado na construção de imóveis vem abrindo fronteiras perigosas e ameaçando a unidade de conservação. A UC também enfrenta outros problemas como a permissão de automóveis em toda a extensão da faixa de areia e a implementação de barracas em sua costa.

Durante todo o ano, é permitida a entrada de carros na Praia do Atalaia o que atrapalha na desova de tartarugas marinhas. Foto: Jefferson Sousa/InfoAmazonia

Embargos na região

Dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) mostram que 19 embargos já foram realizados em Salinópolis.  Três deles chamam a atenção por estarem na área do MoNa ou em suas margens e  localizados em áreas desmatadas que foram embargadas em 2011 – no caso, os condomínios de luxo The Rooftop Condomínio Boutique e o Atalaia Palms. Além desses, a própria prefeitura de Salinópolis aparece na lista de obras embargadas pelo Ibama.

O avanço da perda de florestas e de mata nativa de Salinópolis pode ser identificado também ao analisar os dados do MapBiomas, entre 2012 e 2022. Em 2012, o total de florestas era de 13.596 hectares. Nos dez anos seguintes, até 2022, 1.159 hectares dessa floresta foram transformados em área para a agropecuária, representando um total de 8,5%. E outros 1.797 hectares são de área não vegetada correspondente ao perímetro urbano, que aumentou no mesmo período e equivale a 13,3% da área que, antes, era de florestas. Em dez anos, entre o avanço da agropecuária e do perímetro urbano, Salinópolis perdeu portanto um quinto da sua vegetação.

Trânsito e lixo ameaçam tartarugas marinhas 

Uma das praias mais famosas do MoNa, a Praia do Atalaia, é um conhecido ponto turístico do Pará, atraindo milhares de pessoas dos estados vizinhos Maranhão, Amapá e Tocantins. Nos seis meses de veraneio, é comum encontrar dezenas de excursões rumo à Ilha do Atalaia. 

Apesar do aquecimento da economia local causado pelo turismo, a falta de consciência ambiental alerta para maneiras responsáveis de aproveitar as belezas naturais do local. Ao longo de toda a praia é comum observar cacos de vidros e lixo espalhados tanto na areia, como em sua encosta.

Zonas como o MoNa Atalaia são identificadas como Áreas Ambientalmente Sensíveis (AAS), ou seja, espaços com características ambientais específicas que necessitam de proteção e são sensíveis aos impactos ambientais e socioculturais causados pelo desenvolvimento. 

Há mais de 15 anos, a bióloga Josie Oliveira Figueiredo foca suas iniciativas na defesa do meio ambiente e, em especial, das tartarugas marinhas em Salinópolis, altamente impactadas pelas ações humanas. A especialista mapeia o local de desova desses animais para proteger a vida marinha e sua diversidade e aponta o turismo predatório e desordenado como principal problema enfrentado. 

 “A comunidade de Salinas é muito participativa na proteção das tartarugas, mas ainda temos muitos problemas como o trânsito de carros em toda a faixa de areia, as diversas festas que deixam muito lixo e, infelizmente, a coleta dos ovos para venda e consumo. Tudo isso impacta diretamente no estilo de vida e na reprodução dessas tartarugas”, detalha.

A comunidade de Salinas é muito participativa na proteção das tartarugas, mas ainda temos muitos problemas como o trânsito de carros em toda a faixa de areia, as diversas festas que deixam muito lixo e, infelizmente, a coleta dos ovos para venda e consumo. Tudo isso impacta diretamente no estilo de vida e na reprodução dessas tartarugas.

Josie Oliveira Figueiredo, bióloga

Quem também chama a atenção para a questão ambiental é o projeto Suruanã, desenvolvido pela Universidade Federal do Pará (UFPA), que trabalha com a proteção e conservação do ambiente de tartarugas marinhas na Ponta da Sofia. O projeto constatou que a circulação de veículos, a iluminação na praia e a emissão de ruídos em volumes elevados por aparelhagens de som que causam vibrações sonoras afetam diretamente a desova das tartarugas. As atividades dificultam que os animais subam até o local para depositar seus ovos e impactam, posteriormente, na eclosão dos mesmos. 

Para mitigar os impactos sobre a desova de tartarugas marinhas na Ponta da Sofia, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) expediu em fevereiro de 2023 uma recomendação para proibir o acesso de veículos na região. O MPPA recomendou ainda que o IDEFlor-bio, que gerencia o MoNa Atalaia, articule com autoridades municipais e estaduais a limitação de acesso de todos os veículos nos períodos e horários de desova e a proibição total de veículos com grandes caixas de som, como as chamadas torres sonoras, carretinhas, carros sons, carros com equipamentos sonoros em mala e os paredões.

Flexibilização de legislação em prol setor turístico

Ignorando o debate ambiental, em maio de 2023 a Prefeitura de Salinópolis sancionou a Lei 2.949/2023, que alterou a lei municipal n.° 2.896/2017 e reclassificou o limite de altura permitida das construções para fins habitacionais do Plano Diretor do Município, passando de seis para 65 metros. A prefeitura justificou a mudança alegando que “a altura dos empreendimentos […] vem impedindo o crescimento turístico e geração de empregos no município”. O MPPA considerou a medida inconstitucional e abriu uma ação questionando a falta de estudos científicos para embasar a alteração.

Em resposta ao MPPA, a gestão municipal alega não haver irregularidades na proposta e disse que asseguraria o princípio do poluidor-pagador, que consiste na obrigação de o poluidor (empresa, resorts, afins) arcar com os custos da reparação de danos causados ao meio ambiente, exigindo contrapartidas dos empreendimentos que se beneficiem das alterações. 

De acordo com informações do processo, que corre na justiça do Pará, a prefeitura alega que precisa dos investimentos das grandes empresas para melhorar o setor hoteleiro e aquecer a área do turismo do município. O MPPA entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) da  Lei nº 2.949/2023 e, em fevereiro deste ano, o desembargador relator  Mairton Marques Carneiro rejeitou o pedido liminar do MPPA para suspender a lei e submeteu o processo para decisão do plenário. Segundo os dados do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJ-PA), a última movimentação desse processo foi no dia 16 de fevereiro deste ano, quando foram juntados recursos ao mesmo para posterior decisão. 

Desenvolvimento sustentável e urbanismo 

Francisco Afonso Helias Duarte, mais conhecido como Júnior Oasis, tem 45 anos e chegou em 1989 em Salinópolis, vindo da capital Belém. Desde então, conheceu vários pescadores com quem pôde desenvolver suas habilidades como artesão. Trabalhou durante anos com um morador conhecido na região, o Marquinhos Chibé, que criou o “Carro a Vela”, uma opção para quem quer conhecer a praia sem poluir. 

O carro, que mais parece um carrinho de rolimã, tem estrutura de ferro, cerca de dois metros de largura e cinco de altura, três pneus (um dianteiro e dois traseiros), uma vela e três lugares disponíveis. É atração turística especialmente durante o verão e fonte de renda para vários pescadores que resistem no local.

“Carro a Vela” é opção para quem quer passear pela Praia do Atalaia sem poluir o meio ambiente. Foto: Jefferson Sousa/InfoAmazonia

Há cerca de cinco anos, o artesão também abriu o restaurante Oasis Mad Max com a proposta de reciclar o lixo marinho e oferecer um espaço com arte na Ponta da Sofia. São várias as esculturas feitas com o que se recolhe principalmente do mar, confeccionando uma paisagem parecida com o filme “Mad Max”, de onde veio a inspiração. 

“Reaproveito muita coisa, como sucata marinha e a ideia é transformar em arte. A gente junta, enfeita e dá utilidade. Eu não tenho formação acadêmica, mas tenho carinho e respeito pela natureza. Não sou perfeito, mas procuro preservar ao máximo, manter o que existe, até porque a especulação imobiliária está acabando com a Ponta da Sofia e o espaço está sumindo. Isso é coisa do desenvolvimento desenfreado e o poder público não dá conta, ou tem gente que faz vista grossa”, alerta Júnior.

Ele recorda que era comum ver animais silvestres, como tatu e gato-maracajá, indo se refrescar no mar ou observar a revoada de aves ao final do dia. Mas isso é cada vez mais raro devido, segundo Júnior, à falta de conscientização ambiental e fiscalização. 

“Já vi muitas revoadas, ninhadas, hoje não tem mais. Eles (animais) estão mudando de lugar. As pessoas matam as tartarugas só por matar. Já mataram uma tartaruga-de-couro, bem rara, só por matar”, comenta.

Já vi muitas revoadas, ninhadas, hoje não tem mais. Eles (animais) estão mudando de lugar. As pessoas matam as tartarugas só por matar. Já mataram uma tartaruga-de-couro, bem rara, só por matar.

Júnior Oasis, empreendedor e morador da região

A Secretaria de Meio Ambiente de Salinópolis foi procurada pela reportagem, mas não retornou até a publicação desta reportagem e ignorou pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação. A InfoAmazonia também contatou o secretário da pasta, Silvan Sergio Fonseca Cardoso, que não respondeu.


Esta reportagem foi realizada com o apoio do Programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), que atua para amplificar ações climáticas locais e busca desempenhar um papel central no debate climático global. A InfoAmazonia faz parte da coalizão “Fortalecimento do ecossistema de dados e inovação cívica na Amazônia Brasileira” com a Associação de Afro Envolvimento Casa Preta, o Coletivo PuraquéPyLadies ManausPyData Manaus e a Open Knowledge Brasil.

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Jefferson de Sousa Moraes

Jornalista formado pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Trabalha com jornalismo desde 2015, atuando em diversos veículos de comunicação.

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  1. É preocupante a situação da praia. Cheguei a visitar como “turista” (na verdade com curiosidade de professor) um desses empreendimentos que queria me vender partes de um apartamento. O empreendimento tem piscina artificial. Foi no mesmo ano que no passeio nos dias que fiquei na praia percebi certas ondulações na faixa de areia, para mim inéditas até então nas diversas visitas à praia do Atalaia, já que moro em cidade próxima. Esse processo erosivo pode estar se intensificando pelo recapamento do solo nas proximidades da praia na área conhecida como Cocal, aumentando o vetor de escoamento em direção ao mar ao passo que a faixa de areia sofre a pressão de centenas de veículos, quem sabe milhares, durante as temporadas. Comentei na ocasião o possível paradoxo que poderia estar se constituindo ali: a destruição do bem comum (praia) e o acesso indireto e artificial a praias artificiais, por quem tem poder aquisitivo para tal.

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