Cidades escolhidas devem ser foco das políticas públicas dentro do documento que estabelece as estratégias e metas climáticas do país. No Brasil, foram escolhidas 1.038 cidades como prioritárias para as ações, sendo que 200 delas na Amazônia Legal.
O Amazonas e o Maranhão têm 60% dos municípios amazônicos considerados prioritários no setor de gestão de riscos de desastres do Plano Clima, documento viabilizado pela Secretaria Nacional de Mudanças do Clima, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, que define a política nacional e a criação de metas e estratégias futuras contra as mudanças climáticas. Ao todo, são 200 cidades da Amazônia Legal (19%), numa lista com 1.038 escolhidas no país que, desde 2021, são monitoradas pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e definidas com base no histórico dos desastres, áreas de riscos e presença de órgão de Defesa Civil estruturado.
“Os esforços para tratar da temática dos desastres naturais vão ser feitos dentro do setor de desastres. O Plano Clima vai incluir os esforços nacionais, ele é esse plano maior, com os trabalhos de mitigação e de adaptação”, explica Márcio Rojas, coordenador-geral de Ciência do Clima do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), pasta que tem o Cemaden dentro de sua estrutura.
O Plano Clima trabalha com duas frentes: uma de mitigação, que busca reduzir emissões de carbono, e outra de adaptação, que busca enfrentar os danos dos eventos extremos que já estão ocorrendo. Cada uma delas tem metas específicas divididas por setor — o de riscos e desastres é um dos 15 que fazem parte do plano de adaptação, que também inclui: biodiversidade; agricultura; pesca e aquicultura; segurança alimentar e nutricional; cidades; gestão de riscos de desastres; zona costeira; recursos hídricos; indústria; mineração; infraestrutura; povos e comunidades tradicionais; povos indígenas; saúde e turismo.
Dentro da área de adaptação, a proposta do Plano Clima é criar as estratégias e planejar as ações preventivas, com base nos eventos extremos que já ocorreram e nos estudos sobre as localidades mais vulneráveis. “Esses municípios começaram a ser monitorados em 2021 porque precisávamos mapear as áreas de risco dos municípios, com equipamentos instalados para verificar as chuvas, o mais próximo possível das áreas de riscos. São critérios que foram pensados para a gestão de desastres”, explica Regina Alvalá, diretora substituta do Cemaden.
Além do Amazonas e do Maranhão, o setor de riscos e desastres também deve trabalhar com cidades do Pará (39), Mato Grosso (15), Tocantins (10), Acre (7), Roraima (3), Amapá (2) e Rondônia (2).
As cidades brasileiras escolhidas pelo Plano Clima como mais vulneráveis às mudanças climáticas foram classificadas de acordo com monitoramento que registra as ocorrências ambientais de todo o país. Na prática, elas devem receber primeiro das políticas públicas federais para desastres climáticos, que estarão em vigência até 2035, segundo o Ministério de Meio Ambiente (MMA). Ainda serão elaboradas pelo Cemaden as estratégias e as metas a serem cumpridas neste período e, depois, aprovadas junto a outros órgãos federais, como o MMA. Oficialmente, o documento ainda não foi finalizado, mas a expectativa do governo é que seja entregue neste ano, em preparação para a COP30, que ocorre em 2025, em Belém.
Regina Alvalá, do Cemaden, explica que, no último ano, a seca na Amazônia foi um dos critérios de risco monitorados. “Geramos informações rotineiramente sobre a severidade da seca, incluindo os níveis dos municípios. Além do indicador de severidade, avaliamos os impactos na agricultura e enviamos alertas à Defesa Civil”.
Segundo a diretora substituta do órgão, os municípios escolhidos como prioritários na Amazônia têm em comum o fato de terem muitas comunidades em áreas vulneráveis. “O que singulariza a região Norte do Brasil é que tem municípios muito grandes. Então, você tem algumas cidades com riscos de desastre. Principalmente, Rio Branco, no Acre, e Manaus, no Amazonas. São cidades mais destacadas porque são cidades muito habitadas, que têm uma parte das populações em áreas de alagamento e de inundação. São áreas de riscos que estão mapeadas ”, explica Regina Alvalá.
Apesar dos municípios da Amazônia Legal constituírem 19% dos 1.038 listados, eles apresentam estruturas e logísticas muito diferentes, considerando seu tamanho. A área dos 200, que é de 2,3 milhões de km², corresponde a 77,7% da área total (3,08 milhões de km²) dos mais de mil municípios definidos como prioritários pelo plano em todo o país. Nem sempre o tamanho ou a densidade populacional vai de fato significar que um município é vulnerável. Regina Alvalá explica que são diversos os fatores que definem a lista e que cada cidade tem a sua particularidade.
“Não tem uma definição fechada, porque cada cidade é uma cidade. Para a gente, era essencial que as cidades tivessem áreas de riscos mapeadas e condições de receber os equipamentos para o monitoramento. Outra análise feita é principalmente sobre a localidade. Se estiverem em regiões mais planas, por exemplo, são menos suscetíveis [aos desastres], se forem cidades fundadas há menos tempo também têm estruturas mais novas. A cidade de Palmas, no Tocantins, é uma das capitais que não estão listadas, é diferente porque é uma cidade mais nova”, explica.
Mortes por desastres e ocorrências na Amazônia Legal
Entre 1991 e 2022, a Amazônia Legal registrou 510 mortes decorrentes de desastres ambientais, como inundações, alagamentos e estiagem. Os dados são do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID) e foram utilizados também como critério para a definição de quais são os municípios mais vulneráveis do país pelo Cemaden.
No mesmo período, os 200 municípios da Amazônia Legal que integram a lista tiveram 2,2 mil ocorrências de desastres ambientais, segundo dados do S2ID. A maior parte delas, 987 (43%), é decorrente de inundações. Estiagem, enxurradas, chuvas intensas e deslizamento de terra também estão inclusos.
Entre 1991 e 2022, os cinco municípios que mais registraram ocorrências estão no Pará: Oriximiná (89), Alenquer (59), Santarém (49), Parauapebas (49) e Monte Alegre (40). No estado, as ocorrências mais graves também são por inundações e enxurradas, depois por estiagem e seca. Em 2023, a cidade de Oriximiná passou por erosões no solo causadas pela seca dos rios, chuvas intensas e ventanias. Em setembro, decretou estado de emergência, devido às chuvas que deixaram mais de 3 mil pessoas afetadas.
Já no Amazonas, em 2012 e 2021, os rios encheram e atingiram níveis históricos. Em 2023, foi a vez da seca, que registrou o menor volume de rio, com 13,59 metros. Por conta das altas temperaturas e da estiagem, 229 botos morreram com estresse térmico e comunidades ficaram completamente isoladas em ilhas rodeadas por areia.
Neste ano, a cidade de Macapá já decretou estado de emergência, após fortes chuvas na região. Entre os dias 12 e 13 de fevereiro, choveu mais de 100 milímetros em 12 horas, de acordo com a Defesa Civil. Em março do ano passado, oito pessoas morreram após um deslizamento de terra, em Manaus. Duas das vítimas eram crianças.
Adaptação às mudanças climáticas
O climatologista Carlos Nobre explica que o setor de adaptação é o mais difícil para se trabalhar porque faltam exemplos a nível global. “Nenhum país tem uma política total de adaptação. Ontem [15/02], o governador do Macapá falava, no Jornal Nacional, em construir muros [para evitar inundação]. Nada disso vai adiantar. O nível do mar está subindo, as tempestades estão ficando mais fortes em todo o mundo. Então, eu fiquei preocupado com o governador, porque ali um muro não vai funcionar, a água vai derrubar aquilo, precisa retirar as pessoas dos locais vulneráveis”, disse.
Márcio Rojas, coordenador-geral de Ciência do Clima do MCTI, avalia que as inspirações para o plano de adaptação são poucas e que isso é hoje um dos desafios do Plano Clima. “No caso de adaptação, as métricas não são tão definidas como as de mitigação, e a gente está falando de vida humana, do econômico, a gente tá falando de produtividade e diversidade. De fato, é mais complexo, mas estamos nos esforçando para conseguir entregar o melhor trabalho”.
O coordenador cita como exemplo de referência do país a plataforma Adapta Brasil, que registra e monitora os níveis de vulnerabilidade em relação às mudanças climáticas de acordo com parâmetros de setores como agricultura, recursos hídricos, segurança alimentar e infraestrutura. Ele diz que os monitoramentos mostram que a situação do país é grave, e que a ausência do Plano Clima, que teve a última atualização em 2016, surtiu impacto nisso.
“Nós estamos numa zona tropical, temperada, os impactos são mais fortes em áreas terrestres. Os nossos dados mostram que, nos últimos 60 anos, a gente já tem regiões do Brasil com temperaturas acima dos 3ºC da era pré-industrial. Neste sentido, quatro anos dessa agenda não tendo um olhar de carinho com certeza traz importante impacto e, por isso, a urgência de entregarmos o Plano Clima”.
Nobre fez, nas últimas décadas, importantes previsões sobre o escalonamento da gravidade do clima na Amazônia. Agora, questionado sobre os acontecimentos do último ano, Nobre diz que se assustou e que ainda hoje não entende completamente o que ocasionou o ano mais quente do ano, registrado em 2023.
“[O ano de 2023] Me assustou, me assustou. Nós não previmos que em 2023 a gente já atingiria um ano tão quente, que já teria praticamente 1,49ºC mais quente [que os níveis pré-industriais]. Em 2021 e 2022, quando foi lançado o relatório do IPCC, se falou isso e a Organização Meteorológica falou também, que isso ocorreria em 2030, até 2033”, disse.
Os setores de mitigação climática do Plano
Na área de mitigação, são 8 setores: agricultura e pecuária; cidades; energia; indústria; transportes; mineração; resíduos e uso da terra e florestas. Para cada setor existe um órgão responsável para atingir as metas. O Ministério de Agricultura, o Ministério de Cidades, o Ministério de Minas e Energia, o Ministério de Transportes, o Ministério de Meio Ambiente, todos esses, por exemplo, estão trabalhando nos planos de mitigação. Cada um deles deve ter um documento próprio que, portanto, integra o plano maior, que é o Plano Clima.
O objetivo é reduzir os gases de efeito estufa emitidos pelo país. O Brasil tem a meta de diminuir as emissões em 48% até 2025 e 53% até 2030, em relação às emissões de 2005. Cada setor deve criar suas próprias estratégias para contribuir com a meta nacional.
“No caso da mitigação, na estratégia geral estamos falando da curva de emissões, de como os setores estão apresentando as emissões até hoje e dos esforços para serem feitos até 2030, até 2050. Neste caso, cabe também aos ministérios federais que devem trabalhar em prol deste objetivo”, explica Márcio Rojas.
O coordenador contou que, no momento, os ministérios ainda estão avaliando quais políticas devem ser estabelecidas e qual a expectativa de redução de carbono em cada uma delas. Dessa forma, a equipe deve avaliar o que é necessário para que o país ajude a cumprir o compromisso climático assinado no Acordo de Paris, de limitar a temperatura média global em 1,5ºC.
Carlos Nobre avalia que a política do Brasil para mitigação já está caminhando com avanços. Ele acredita que o país deve conseguir atingir suas metas. “O Brasil tem metas ambiciosas e possíveis de serem obtidas. Nós tivemos queda de 50% no desmatamento, de acordo com os dados do Inpe. A ONG Imazon mostrou recentemente uma diminuição de 60%. Além disso, o país busca caminhar para uma transição rápida para energias renováveis, você vê os avanços para uso de hidrogênio verde lá em Fortaleza”, explica.
Ele afirma que a velocidade em que as políticas estão avançando é até maior do que a de outros países que são os maiores emissores. “Isso coloca o Brasil numa das trajetórias mais avançadas do mundo. O Brasil vai numa velocidade maior do que os países mais emissores como a China, os Estados Unidos, a Índia e a Rússia”.
O governo também está interessado na regulação do mercado de carbono, que deve ser discutido no Senado Federal, neste ano. Em entrevista à InfoAmazonia, a secretária de Mudanças do Clima, Ana Toni, informou que a pauta é vista com urgência.
“Uma coisa é certa, a gente tem muita urgência em aprovar o mercado regulado brasileiro. Ele é um instrumento muito importante para a Política Nacional de Clima. Estamos acompanhando de muito perto a política internacional do mercado de carbono, no artigo 6 da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas). Então, o mais rápido possível que a gente possa ter um mercado regulado no Brasil, mais vamos conseguir influenciar o mercado internacional regulado também”, disse a secretária.