Os sítios arqueológicos emergem nas paisagens da Amazônia como espaços vivos de memória e identidade. São fontes dinâmicas de conhecimento, onde gerações de pessoas teceram suas existências e construíram suas vidas através do tempo, e que ressoam com práticas culturais e ambientais contemporâneas. A escalada do desmatamento, sobretudo na Amazônia, no entanto, pode estar ameaçando todo esse patrimônio arqueológico. A perda de cobertura florestal aliada à extração desenfreada de recursos pode estar resultando na degradação e até na perda de contextos arqueológicos que ainda não foram integralmente descobertos e/ou estudados pela pesquisa científica e comunidades locais.
Com base nisso, a reportagem investigou a quantidade de sítios arqueológicos que se encontram em áreas afetadas pelo desmatamento na Amazônia Legal, utilizando os dados públicos disponibilizados pelo IPHAN e pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Para a realização desta reportagem, foram utilizadas três bases de dados:
- Sítios arqueológicos registrados no Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão (SICG) do Cadastro de sítios arqueológicos, fornecidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) no site do Gov.br;
- Dados sobre o desmatamento disponíveis na plataforma TerraBrasilis, fornecidos pelo Prodes, projeto do Inpe, para a série histórica até 2022;
- Dados sobre delimitação de Território Quilombola do Incra.
Após cruzar todos os dados, a InfoAmazonia mostrou que 71% dos sítios arqueológicos em áreas florestais na Amazônia Legal estão sob áreas desmatadas. No entanto, esses números podem demonstrar apenas uma parte dessa complexa relação entre sítios arqueológicos e áreas desmatadas, uma vez que mais de 80% dos sítios na região não possuem dados de delimitação de área e outros 20% (mais de 2 mil sítios) sequer possuem informações suficientes, como de geolocalização, para serem cadastrados no SICG, sistema atual de cadastramento do governo federal.
Como investigamos
A análise de dados espaciais foi conduzida pela ferramenta de geoprocessamento e de código livre “QGIS”. Primeiramente, foram plotadas no software todas as camadas auxiliares, como limites da Amazônia Legal, dos estados, das Unidades de Conservação e dos Territórios Indígenas e das áreas não-florestadas, obtidas na plataforma TerraBrasilis, e dos territórios Quilombolas, obtida no site do Incra, todas no formato shapefile. Em sequência, foram adicionadas as camadas de dados principais:
- De desmatamento: a) Máscara de área acumulada de supressão da vegetação nativa (até 2007) e b) Incremento anual no desmatamento (de 2008 a 2022);
- De sítios arqueológicos: c) Camada de polígonos do IPHAN ; d) camada de pontos – com geolocalização para os 6178 sítios arqueológicos na Amazônia Legal (formato em .csv).
Em relação à camada de pontos do IPHAN, a metodologia utilizada para relacionar os sítios com áreas de desmatamento no QGIS foi através das ferramentas “contagem de pontos em polígono” e “associar atributos por localização”. Já em relação à camada de polígonos, utilizou-se as ferramentas “interseção entre polígonos” e “associar atributos por localização”. Para ambas as análises, foram feitos diferentes testes entre todas as camadas, assim como testes no Excel, calculadora de campo e filtragens utilizando consultas SQL no próprio QGIS para recorrentes conferências e correções. Também foram realizadas adequações pertinentes em relação aos Sistemas de Referência de Coordenadas (SRC), assim como correções de geometrias.
Em relação ao Prodes, algumas conferências precisaram ser realizadas antes do cruzamento de dados. Dado que o projeto concentra suas análises apenas em áreas de cobertura florestal, os sítios arqueológicos situados nas áreas consideradas não-florestadas pelo projeto foram excluídos da análise. Quando uma área é detectada como desmatada em dado ano, ela ficará como desmatada para sempre, mesmo se regenerada de alguma forma (floresta secundária) posteriormente. Essa informação tem importância para a arqueologia, pois uma única exposição ao desmatamento por corte raso, realizado sem os devidos estudos ambientais prévios, já pode expor sítios arqueológicos a danos irreversíveis, comprometendo-os e deixando-os vulneráveis a impactos permanentemente.
Base de dados utilizadas
Fonte | Base original | Base analisada |
Cadastro de Sítios Arqueológicos (IPHAN) | Cadastro de Sítios Arqueológicos | Base de dados_ SICG do IPHAN_Sítios arqueológicos na AmazôniaLegal.xlsx |
Cadastro de Sítios Arqueológicos | Camada de polígonos (IPHAN) | Cadastro de Sítios Arqueológicos | sitios_pol.zip |
Incremento anual de desmatamento – de 2008 a 2022 (Amazônia Legal – PRODES) | Downloads – Terrabrasilis | yearly_deforestation.zip |
Máscara de área acumulada de supressão da vegetação nativa – até 2007 (Amazônia Legal – PRODES) | Downloads – Terrabrasilis | accumulated_deforestation_2007.zip |
Áreas de não-floresta (Amazônia Legal – PRODES) | Downloads – Terrabrasilis | no_forest |
Máscaras auxiliares (Amazônia Legal – PRODES) | Downloads – Terrabrasilis | Amazônia Legal – Auxiliares |
Áreas Quilombolas na Amazônia Legal (INCRA) | https://certificacao.incra.gov.br/csv_shp/export_shp.py | Áreas de Quilombolas_INCRA.zip |
Fontes e cientistas consultados
Diante dos dados encontrados, a reportagem iniciou a investigação para entender melhor como os sítios arqueológicos estavam sendo afetados pelo desmatamento. Com o auxílio do tecnologista sênior do Inpe, Luis Maurano, diversas dúvidas referentes às análises e metodologias utilizadas a partir dos dados do Prodes foram sanadas, obtendo-se assim os primeiros resultados sobre como o desmatamento vem ocorrendo sobre áreas com patrimônio arqueológico.
Em seguida, a reportagem buscou moradores e/ou representantes de locais para entender a importância e a relação das comunidades com os sítios e os vestígios arqueológicos, bem como sobre a influência do desmatamento em suas regiões. Foram realizadas entrevistas com moradores de Gurupá, no Pará, território quilombola que possui diversos sítios arqueológicos, dentre eles alguns fora de áreas desmatadas, de acordo com o Prodes. Os entrevistados expressaram o interesse das comunidades pela arqueologia quando há acesso a estas informações de maneira contextualizada e integrativa com a população, além de reforçar os desafios complexos sobre a exploração dos recursos da floresta e o desenvolvimento econômico das comunidades.
De origem indígena e um dos grandes arqueólogos da região do Amazonas, Prof. Carlos Augusto da Silva também corroborou sobre os grandes problemas que a extração de recursos na Amazônia têm causado à preservação e conservação dos vestígios arqueológicos.
Em todas as conversas, os entrevistados reforçaram a importância da educação e das escolas como maiores catalisadores de informações para valorização dos patrimônios arqueológicos.
Identidade
Apenas 1 entrevistado não era da Amazônia, o tecnologista sênior do Inpe Luís Maurano, A reportagem priorizou fontes residentes do território analisado em questão, assegurando dentro do possível o equilíbrio em termos de raça e gênero, incluindo 1 mulher e dois homens entre as fontes, com predominância de indivíduos negros e/ou de origem indígena.
Nome | Instituição | Lattes |
Luís Maurano | Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) | http://lattes.cnpq.br/8242319727045776 |
Prof. Carlos Augusto da Silva (Tijolo) | Servidor aposentado. Atua como professor colaborador voluntário da Universidade Federal do Amazonas – UFAM e da Universidade do Estado do Amazonas – UEA. | http://lattes.cnpq.br/7477532256270106 |
Cássia Luzia Lobato Benathar | Coordenadora do Projeto “Nós, os Guardiões”, Professora de História e mestranda no Museu Paraense Emílio Goeldi. | http://lattes.cnpq.br/6632556765735657 |
Agenor Pombo | Atual presidente da cooperativa agroextrativista dos remanescentes de quilombos dos defensores da floresta de Gurupá |